ALBINA ASSIS, ANTIGA MINISTRA DOS PETRÓLEOS

“Uma agência reguladora não é urgente, mas necessária”

Antiga ministra dos Petróleos considera que a criação de uma agência reguladora do sector petrolífero iria permitir ao Estado a captação de maiores receitas, realçando, por isso, tratar-se de uma medida necessária, da qual o país não tem escapatória. Em entrevista ao VE, a também antiga PCA da Sonangol defende ainda uma maior capacitação do empresáriado nacional.

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O seu livro sobre a gestão sustentável dos hidrocarbonetos, que agora acaba de reeditar, tem também em conta o cenário de crise que a indústria do petróleo regista actualmente?

Parece-me que, nessa altura, não havia o cenário de crise, mas previa que, como o petróleo é um recurso esgotável, era necessário acautelar o seu provável desaparecimento ou redução. E nesse caso, a solução, que a própria teoria nos informa, é que, quando estamos a explorar um recurso não renovável, devemos explorá-lo e aplicá-lo em recursos renováveis concretamente, como na agro-indústria, na indústria manufactureira e nos bens e serviços. São outras opções que nos permitem rentabilizar, aumentar rendimentos à custa de um recurso que já não vamos voltar a obter.

Acha que o Governo tem gerido o petróleo de acordo com os conselhos que apresenta na sua obra?

Acho que sim! Porque, feliz ou infelizmente, há uma frase de Albert Einsten que diz que ‘a crise, às vezes, é um bem que nos permite partir para as melhores soluções’. E em relação a nós, aqui em Angola, essa crise permitiu-nos, de facto, partir para uma solução maior. Conseguimos mais ou menos equilibrar, talvez mais do que alguns países que também tiveram a crise do petróleo. E com a política da diversificação económica, vamos poder ir equilibrando e até melhorar porque,efectivamente ,nós fomos sempre um país agrícola. Podemos fazer exportações agrícolas. Podemos fazer exportações de produtos de pesca. Costumo dizer que um quilo de gambas exportado custa mais do que um barril de petróleo. Portanto, é tudo isso. A própria Noruega, quando falava na crise do petróleo, dizia que têm a crise do petróleo, mas não a do bacalhau, ou do salmão que eram das suas principais exportações. E tenho já isso no meu livro. Mas, naquela altura, previa já num contexto diferente, por se tratar de um recurso esgotável. E se é assim, significa que temos de estar prevenidos para que, quando começar a desaparecer, haja uma contrapartida. Mas isso tem de começar já. Não deve começar amanhã.

Mas acha que as suas sugestões foram, de alguma forma, acatadas pelas autoridades angolanas?

Não sei! O livro foi entregue e até superiormente. Nesse livro, já falo do Fundo do petróleo. Não sei se o Fundo Soberano foi criado antes ou depois, mas nós criámos o Fundo Soberano. Portanto, todas essas coisas são previsíveis porque, se tivermos em mente que estamos a trabalhar, além de ser um recurso não renovável, o seu preço não está nas nossas mãos. Antes pelo contrário! E digo isso no meu livro. E, na altura em que comecei a fazer o livro, nós não éramos membros da OPEP, depois entrámos. Mas a própria OPEP também não tem a força suficiente para poder controlar o preço. A única coisa que pode fazer é chamar os seus membros e dizer vamos reduzir a produção para equilibrar o mercado, em termos de oferta e procura. É a única coisa que a OPEP pode fazer. Como vê, a situação não é simples.

É urgente Angola ter já uma agência reguladora, tirando esse papel à Sonangol?

Prefiro não falar sobre isso. Leiam o meu livro, está lá tudo. Mas, enfim, não é que seja urgente, mas é necessário. Não se pode dizer urgente, porque somos um país em vias de desenvolvimento e, às vezes, há situações que não podem ser postas como ocorre nos países em desenvolvimento. Mas é uma situação necessária, porque isso até permite aumentar as receitas para o Estado, porque separa a actividade petrolífera propriamente dita (produção e exploração) da actividade da concessionária, que é de controlo dos operadores. Não há dúvidas de que, mais cedo ou mais tarde, o nosso país vai enveredar para esse caminho, que é o que se segue mais ou menos em quase todos os países produtores de petróleo.

Proferiu recentemente uma conferência sobre o conteúdo local na indústria petrolífera. Como avalia o processo de angolanização neste sector?

Nós começámos com a angolanização com um decreto 20/82. Esse decreto, ao que me parece, já foi revogado, já tem outro nome, outra incidência. Mas a angolanização dos quadros nacionais no sector petrolífero foi sempre uma preocupação. No tempo em que lá estive (como ministra dos Petróleos), muito se tentou fazer a nível da angolanização, nomeadamente a nível da formação de quadros, porque o número de quadros era muito reduzido e teve de se trabalhar nisso. Isso teve de ser feito. Não quer dizer que hoje não esteja a ser feito, mas nós já estamos a partir para uma situação mais avançada. Antigamente era só formar quadros para depois irem trabalhar. Hoje temos empresários. O que temos de fazer é criar legislação para que esses empresários possam ser parte dos projectos no sector petrolífero. Daí o conteúdo angolano... Ou seja, os empresários angolanos vão participar dos projectos, vão ser pagos e o país vai beneficiar com isso com uma percentagem sobre os investimentos no sector.

No seu livro, dá também sugestões de como o desempenho do empresariado nacional pode tornar-se sustentável na indústria petrolífera?

Sobre este tema, não trago nada de novo no meu livro. Venho apenas reforçar um conceito para que essa gestão seja eficaz, porque efectivamente nós temos de formalizar o conteúdo local. Isso significa dar alguma força às empresas para que elas possam, com os seus meios ou com o apoio de projectos com sistema de financiamento, participar em todos os processos do desenvolvimento da indústria. Isso é o que acontece, por exemplo, em países como a Noruega. Nós estamos ainda um bocadinho longe de atingir esse patamar porque, por exemplo, não temos indústria de produção de equipamentos. Temos qualquer coisa ali no Lobito para ajudar a fazer ‘pipelines’, o que já é alguma ajuda, mas não é muito.

Como se pode capacitar essas empresas de forma a serem autossuficientes?

Podemos capacitar as empresas dando uma quota de participação.

Mas há já alguma legislação que diz que os operadores devem contratar o conteúdo local, não?

Há essa lei? Está feita? O que vi escrito é que se está a recolher informação para a elaboração da lei. A lei ainda não existe. E não tem de ser 30%. Temos de ver a nossa realidade e temos de ver que nem todas as empresas nacionais têm capacidade financeira para participar em determinados projectos. Temos de ver que há umas que só vão participar em serviços, há outras que vão participar em projectos de acordo com as capacidades dos seus empreendedores. Por isso é que o conteúdo local é importante. Deve existir e estar legislado para que as empresas possam criar oportunidades, para que os nacionais possam participar dos projectos. Agora, os nacionais também têm de criar condições nomeadamente financeiras, porque o empreendedorismo não é cruz vermelha, é dinheiro, é participação financeira e as empresas nacionais têm de ter essa capacidade para que possam ser chamadas. Quero fazer uma referência interessante que há no meu trabalho em que falo da Noruega. A Noruega é quase sempre um país pioneiro em quase todos estes conceitos. Ela dá incentivos às empresas que têm maior participação do conteúdo local. Por exemplo, suponhamos que uma empresa quer participar num concurso para um bloco... Se essa empresa, no passado, contribuiu muito para o conteúdo local, essa empresa vai ter alguma prioridade até no nível de percentagem de participação nessa licitação. São essas pequenas coisas que deverão ser feitas no sentido de poder alavancar o empresariado nacional.

Actualmente, acha que existirão empresários angolanos com preparação para actuar como operadores nessa indústria?

Provavelmente há quem esteja. Não acredito que, ao longo desses anos, não haja empresários nacionais capazes de dar essa resposta. Acho que sim! Agora, temos de ter legislação sobre conteúdo local. Há países que já têm, como o Brasil, a Noruega. Moçambique, por exemplo, já tem uma proposta de lei sobre o conteúdo local, embora seja um país recente em termos de indústria de petróleo e gás. Mas em Angola não vi nada disso.

Acha que a questão da sustentabilidade entre a produção petrolífera e a protecção do ecossistema em Angola tem estado a funcionar conforme ditam as regras internacionais?

Há alguns anos, fiz um trabalho onde faço referência a isso. Nós temos leis do ambiente aplicadas ao sector petrolífero. Naturalmente que temos de ter fiscalização. Quem deve efectuar essa fiscalização, no meu ponto de vista, será o Ministério dos Petróleos, embora o Ministério do Ambiente também tenha a sua quota-parte. Porque, efectivamente, a exploração petrolífera, no quadro da promoção do desenvolvimento sustentável, deve obedecer a regras e mesmo a exploração também não deve ser desmedida. Não se lembra que, durante muitos, anos, se queimava gás? Quando fui ministra, tive alguns pequenos dissabores porque defendia que não se podia queimar gás. E, depois de sair do Governo, tive a felicidade de ver que, afinal, não estava errada. Deixou-se de queimar gás. Começou-se a fazer reinjecção do gás para melhorar a pressão dos poços de petróleo e criou-se esse projecto, que considero sustentável, que é o Angola LNG. Isso significa alguma rentabilidade para o país, porque queimar não é só poluir, mas é também perder dinheiro. Como química que sou, sempre disse que queimar gás é queimar petróleo, é queimar dinheiro. Nós, neste momento, já estamos na via razoável. Temos o Angola LNG que até já está a exportar o seu produto, permitindo a entrada de divisas. Esse projecto resultou exactamente de um trabalho de melhoria das condições ambientais.

A indústria petroquímica é uma solução?

A indústria petroquímica pode ser uma solução. Mas, atenção! Também é uma indústria um bocado poluente, mas é uma solução porque nos ajuda a utilizar mais gás. Significa que, quanto mais gás tivermos disponível (não sei se agora temos tanto) mais poderemos utilizá-lo nessas indústrias, que chamo, a jusante, a indústria petrolífera.

PERFIL

Albina Faria de Assis Pereira Africano é formada em Engenharia Química, pela Universidade Agostinho Neto. Entre outras formações, fez tecnologia de refinação de petróleos na Bélgica em 1984. Desempenhou cargos governativos, como ministra dos Petróleos (1992-1999); ministra da Indústria (1999-2000), assim como directora do Laboratório Nacional de Análises Químicas. Nos últimos anos, tem desempenhado a função de comissária de Angola em feiras internacionais.