JULGAMENTO. Sessões de audição ao banqueiro angolano estão marcadas para 7 e 10 de Maio, em Lisboa, conforme decisão do colectivo de juízes que está a julgar o processo. Banqueiro afirma que alegações do procurador Orlando Figueira, que envolvem o seu nome, não passam de “fantasias”. O banqueiro angolano Carlos Silva deverá apresentar-se, em Lisboa, aos juízes que julgam a ‘Operação Fizz’, em Maio, para prestar depoimento, depois de ter sido descartada a hipótese de ser ouvido a partir de casa, via skype, conforme a sua pretensão inicial, por indisponibilidade de agenda. A notificação a Carlos Silva surge na sequência das alegações apresentadas, em tribunal, pelo procurador Orlando Figueira, segundo as quais os 760 mil euros que recebeu nas suas contas resultaram de um contrato de trabalho que assinou com o banqueiro e que o levou a abandonar a magistratura. De acordo com o jornal portufuês ‘Observador’, Carlos Silva terá já reagido ao depoimento prestado por Orlando Figueira, tendo, para o efeito, comunicado por escrito que tudo não passa de uma “fantasia”, mas reforçou que só estaria disponível para se deslocar a Portugal em Maio para prestar depoimento. A petição foi aceite pelo juiz que marcou as audiências para entre 7 e 10 de Maio. O colectivo aproveitou para reagendar outras testemunhas, como o advogado N’Gunu Olívio Noronha Tiny, que se mostrou logo disponível para comparecer em tribunal, a 20 de Março. Esta disponibilidade de N’Gunu Tiny, segundo o Observador, vem no seguimento do envio de uma carta rogatória para Angola, em que o tribunal solicitou a notificação do advogado que preside ao Banco Postal, mas também de Carlos Silva, presidente do Banco Atlântico Europa (com sede em Lisboa), e de mais dois angolanos, cujos nomes não foram revelados para prestarem depoimento no julgamento. CAUTELAS EM RELAÇÃO A MANUEL VICENTE Por outro lado, o Ministério Público, segundo a imprensa lusa, estará mais cauteloso em relação ao processo que está a ferir as relações entre Portugal e Angola. Segundo um despacho, citado pelo Observador, o procurador coordenador José Góis promoveu junto do colectivo do tribunal de julgamento da Operação Fizz, que, logo na primeira sessão, decidiu separar as suspeitas de corrupção activa imputadas a Manuel Vicente para um processo à parte, que não se iniciem, para já, os procedimentos de contumácia normais nos casos em que a justiça não consegue notificar algum arguido do despacho de acusação produzido pelo Ministério Público. “Está ainda pendente uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente a diversas questões” levantadas pela defesa do ex-vice-Presidente de Angola em sede de recurso, lê-se no despacho de José Góis. “Assim não parece aconselhável, por ora, prosseguirem as diligências habitualmente realizadas em processos separados, que poderiam revelar-se totalmente inúteis”, face a uma eventual decisão da Relação a favor da transferência dos autos relacionados com Manuel Vicente para Luanda. Manuel Vicente é acusado de ter corrompido, em Portugal, um procurador do Ministério Público, Orlando Figueira, para que este alegadamente arquivasse os inquéritos que tinha em mãos contra ele no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Neste processo, estão também a ser julgados o advogado Paulo Blanco, que chegou a representar Manuel Vicente, e Armindo Pires, um empresário que tinha plenos poderes para representar o ex-presidente da Sonangol em Portugal. Ao longo do processo, e até chegar à barra do tribunal, a defesa de Manuel Vicente alegou sempre que o governante não tinha sequer sido notificado da constituição de arguido, nem da acusação. Ou seja, nem gozou do seu direito de defesa. Logo, não podia ser julgado.
António Nogueira
Advogado, o director do Centro de Pesquisa em Política Pública e Governação Local da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto considera que o país tem condições de implementar o poder autárquico desde 2002, altura em que terminou a guerra civil. Aplaude a ideia da implementação gradual do processo, mas entende que, primeiro, deve haver um entendimento entre os principais actores políticos sobre a matéria. O Presidente da República assumiu publicamente que o Governo vai preparar as condições para que as eleições autárquicas sejam realizadas antes de 2022. Acha que o país já tem as condições mínimas para implementar esse processo antes dessa data? Já vamos atrasados para tal [para a implementação das autarquias]. É claro que a justificação desse atraso pode ser de vária ordem, desde os problemas resultantes da nossa história recente que tem que ver com a guerra civil, a aspectos relacionados com as dificuldades financeiras ou económicas. Mas, ainda assim, vamos com algum substancial atraso, porque a problemática da descentralização é um tema que, desde os primórdios da independência, entrou no desejo e na carta magna dos angolanos. Portanto, como digo, não só é possível como é recomendável a implementação deste processo em Angola, porque, aliás, o próprio Presidente da República reiterou que não ficamos bem na fotografia a nível da nossa região. No continente, somos os únicos que não conseguem implementar esse modelo. E isso não é por falta de experts e de capacidade. Porque se não se pode fazer a autarcização em 20 anos, faça em cinco, em três ou em dois. Agora ficar parado é que não me parece bem! Quando é que efectivamente Angola passou a ter condições para implementar o poder autárquico, na sua opinião? Razões históricas obliteraram que se desse esse passo, mas, desde o alcance da paz, em 2002, estavam criadas as condições para que efectivamente esse passo pudesse ser dado. E esse passo a ser dado devia obedecer a um conjunto de procedimentos que levariam a uma implementação gradual deste modelo organizacional. O Estado centralizado e concentrado não tem sido capaz de promover o desenvolvimento e o bem-estar dos angolanos. E também, quando dissemos que a autarcização é um meio capaz de proporcionar o desenvolvimento dos angolanos e das comunidades, não estamos a dizer que num toque de mágica isso ocorra. Mas este é potencialmente o meio mais adequado para promover esse desenvolvimento, porque as pessoas que estão próximas da comunidade, que demanda prestações de quem os governa, têm claramente muito mais possibilidades de êxito com este modelo organizacional, que, em tempo útil, satisfaz as necessidades. Esse gradualismo a que se faz referência, como é que funcionaria em termos práticos? Em primeiro lugar, tem de haver um entendimento entre os principais actores políticos sobre o que significa gradualismo, porque o processo de descentralização tem de observar os princípios constitucionais – tal como ocorre com a questão do gradualismo –, e o princípio da legalidade. Tudo terá de estar sustentado na lei. Mas os actores políticos precisam de estar de acordo nesse aspecto. Porque gradualismo significa implementar as autarquias locais de modo gradual. E de modo gradual em que termos? Significa escolher primeiro, na base dos acordos políticos, quais são aquelas circunscrições na base de determinados pressupostos que também venham a ser acordados que podem avançar já no primeiro pelotão para esse modelo organizacional autárquico. Entretanto, existem outros actores políticos que entendem que a autarcização gradual do país seria violar um outro princípio constitucional que seria o princípio da igualdade. Mas, pessoalmente e num raciocínio académico e prático, diremos que não têm razão estes actores que pensam que o gradualismo viola o princípio da igualdade, porque este princípio tem de ser lido em, pelo menos, dois âmbitos. Quais? Um deles tem que ver com a igualdade formal e outro com a aferição da densidade material das circunscrições, dos territórios, das comunidades cujo modelo organizacional se pretende autárquico. Têm de ser territórios, circunscrições que tenham interesse comuns a prosseguir. E esses interesses comuns pré -passam pela existência de determinadas infra-estruturas básicas, a existência de uma substancial actividade económica, porque será por esta via que o poder autárquico vai tributar os agentes económicos para daí se poder conseguir os recursos que são necessários para catapultar o desenvolvimento. Para além disso, é necessário também que estas circunscrições tenham à sua disposição aquilo a que chamo a geografia humana necessária e indispensável para o desenvolvimento desse processo. Estou a falar de outros agentes, do pessoal com capacidade, com conhecimento, por exemplo, no domínio do ordenamento do território, do planeamento, da gestão económica. Não me refiro somente ao cabeça da futura autarquia. Tem de haver gente capaz de analisar os problemas de determinada comunidade e equacionar soluções para a resolução desses problemas. E gostaria igualmente de dizer que, nos vários momentos em que no nosso país essa matéria foi colocada numa posição relevante em pauta, o próprio poder central tinha iniciado um processo de formação de quadros para prepará-los para este momento. Significa que esse processo, com avanços e recuos em função dos momentos e das opções que se fazem na cena política, económica e social nacional, ganha maior ou menor relevância. Portanto, entendo pessoalmente que este é um caminho que não poderemos contornar e, quanto mais tarde avançarmos para esta solução, pior será para o nosso desenvolvimento, porque verificamos que, ao longo desses 42 anos com um modelo marcadamente concentrado e centralizado, nem assim este desenvolvimento conseguiu chegar à escala nacional. Tendo ainda em atenção o conceito da gradualidade, qual seria, na sua opinião, o melhor modelo a seguir, a implementação do poder autárquico em vários municípios de uma só vez ou somente a um por cada província? Os actores políticos podem escolher numa província dois ou três municípios para tal. O primeiro passo é determinar quais são os pressupostos para a autarcização. Com isso feito, vamos ver, na actual geografia de Angola, quais são as circunscrições que têm condições de entrar para esse primeiro pelotão de descentralização de autarcização. E com isso, estas [descentralizações] poderiam seguir um modelo diferente no resto das circunscrições. Quer chamemos projecto-piloto, quer chamemos outro nome. O importante é começar. O Presidente da República afirmou também que a implementação do poder autárquico teria de ser precedida da preparação de um pacote de proposta de legislação básica… Sim! Isso tem que ver com o conjunto de instrumentos jurídicos que vão balizar esse processo de autarcização, designadamente os pressupostos para a autarcização e também as regras para que determinados entes possam concorrer à gestão de uma autarquia com a criação ou a aprovação do estatuto eleito local ou do autarca. Portanto, o nome não é muito importante, depois logo se veria. Essa legislação teria de estar também relacionada com o processo de formação de todos aqueles que tenham pretensão e o desejo de actuar neste novo modelo organizacional. O centro que dirige está preparado para fazer face a este desafio, caso seja solicitado para tal? Há muito tempo que estamos com essa tarefa nas mãos. Não só ao nível da formação académica científica, mas temos auxiliado uma entidade do Governo, designadamente o Instituto de Formação e Administração Local, a preparar os actuais administradores municipais para que, no futuro, quando se der o passo para a autarcização, eles estejam com um conjunto de ferramentas, de instrumentos e de conhecimentos para poder administrar o território, as circunscrições, de acordo com as regras científicas, jurídicas que se colocam para que esta tarefa seja melhor conseguida. Esta temática já foi igualmente muito debatida a nível da Assembleia Nacional. O Centro de Pesquisa em Política Pública e Governação Local tem estado a prestar algum tipo de suporte aos deputados? Quando, no final da legislatura passada, o Parlamento nacional aprovou a lei sobre os princípios a observar no poder local, eles contactaram o centro e solicitaram o nosso suporte. Entretanto, começou a nova legislatura, estamos à espera que nos formalizem esta necessidade de suporte e de consultoria, para o conjunto de tarefas que caberá ao Parlamento nacional no quadro do desenvolvimento da lei aprovada na legislatura passada e daquele conjunto de instrumentos que vão regular o processo autárquico. Portanto, estamos disponíveis e preparados para proporcionar este auxílio. João Lourenço disse também que iria consultar os seus conselheiros sobre os passos a dar para a implementação do poder autárquico em Angola. Se fosse um desses conselheiros o que diria ao chefe de Estado? A continuar por este caminho. Dificilmente se poderá dar o dito pelo não dito. Defenderia que as tarefas que estão por implementar, nesse âmbito, fossem efectivamente desenvolvidas, porque este modelo organizacional é capaz de catalisar o desenvolvimento. Não é a varinha mágica certamente, mas é um modelo que, devidamente utilizado, vai auxiliar no desenvolvimento das comunidades e isso vai proporcionar o desenvolvimento do país de uma forma geral. O Centro de Pesquisa em Política Pública e Governação Local foi criado no início da década de 2000. Fale-nos da experiência já adquirida ao longo desses anos? O Centro foi criado em Setembro de 2009 em resposta a um desafio do então Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que assessorava o Governo de Angola nos projectos de descentralização. Portanto, este é um projecto que já vem do período antes da guerra e, com o alcance da paz, o PNUD voltou a retomá-lo. Com o evoluir do Centro, das suas tarefas e dos seus trabalhos - porque era propósito do PNUD que depois que passasse o período do projecto alguma instituição angolana se assenhora-se do conjunto de conhecimento e do acervo bibliográfico relativo ao poder local e da descentralização – a faculdade de Direito tomou conta do projecto e passei eu a conduzi-lo até à altura em que bem mais recentemente a própria reitoria da Universidade entendeu transformar este centro de pesquisa em políticas públicas e governação local numa unidade orgânica da Universidade com o mesmo nível de uma faculdade. O nosso core business é precisamente a investigação e a pesquisa no domínio da governação e gestão pública e no domínio das políticas públicas. Procura-se, portanto, que a universidade consiga fazer a ligação entre aquilo que são os conhecimentos teóricos que aqui são produzidos com a realidade prática do nosso país, sobretudo numa altura em que, no âmbito da organização administrativa, se fala na desconcentração de competências. Há já algum trabalho científico, no domínio da governação local, publicado pelo centro? Sim. Ao longo desses tempos, produzimos muitos trabalhos de pesquisa, sendo o mais relevante o que resultou de um seminário que recentemente organizámos sobre a problemática da descentralização e da autarcização que está aí disponível. Realizámos também um estudo sobre os aspectos relativos à municipalização dos serviços de saúde. Este segundo estudo, embora não tenha grande divulgação, contou com o apoio do Ministério da Saúde e está ai disponível para que todos os pesquisadores e servidores públicos possam a ele ter acesso quando quiserem tratar de questões relativas à municipalização, no caso concreto, do domínio da saúde e o seu impacto no desenvolvimento das comunidades. Há algum estudo comparado com o qual Angola poderá se guiar para implementação do poder autárquico? Realizámos vários estudos comparados, mas entendo que a nossa realidade é bem mais particular. E assim sendo, bom seria que as instituições universitárias, de investigação científica se abalançassem para o estudo da nossa realidade, tendo em atenção esse desejo de descentralização e de autarcização, com atenção às particularidades do nosso país. Particularidades que resultam do facto de termos entre nós e no quadro do poder local as autoridades tradicionais com valências diferentes nos diversificados grupos etnolinguísticos. O que significa que este estudo não deve ser tão-somente de matriz jurídico-normativa, mas bem mais amplo que envolva especialistas de história, da antropologia, da sociologia para que possamos encontrar soluções adequadas à realidade angolana. Sou contra a transposição pura e simples de soluções encontradas para outras realidades, para outras comunidades, outras sociedades que não a nossa. Portanto, o trabalho da academia é precisamente isso. Valorar o conhecimento endógeno, aquilo que é a sabedoria dos nossos ancestrais no modelo de organização administrativa. Eu costumo referir, nas minhas abordagens e nos meus estudos, que o processo de descentralização não é estranho aos africanos. Porque, se nós fizermos uma incursão na História, vamos verificar que, mesmo no reino do Congo, já havia descentralização. Portanto, este é um modelo que não nos deve atemorizar. Devemos segurar entre mãos aquilo que é a pretensão dos povos, das comunidades e em face disso irmos buscar uma bitola de organização e de estruturação que seja mais conforme com os nossos interesses e com a nossa história. Sendo alguém que há muito milita no ramo do ensino do Direito, qual a avaliação que faz sobre a proposta de Lei do Repatriamento de Capitais, recentemente aprovado, na generalidade, na Assembleia Nacional? É uma lei que se impõe na actual conjuntura do país, mas é igualmente uma lei que se recomenda no quadro dessa nova mudança de ciclo. Estamos a sair de um ciclo anterior com todos os problemas, dificuldades e deficiências que todos conhecemos e, estando nesse ciclo, a medida justifica-se no quadro do interesse nacional. Sabemos todos que há recursos que, por caminhos ínvios, deixaram o nosso país, os nossos cofres públicos, e há necessidade de recuperar estes recursos mesmo em face ao actual ambiente internacional em que se procura saber como é que agentes públicos ou não terão obtido todo o seu património. Precisamos de fazer reentrar para o desenvolvimento da nossa economia esses recursos que estão a alavancar outras economias que não a nossa. Acha que será um processo difícil? Sim. Vai levar o seu tempo. Basta ver, por exemplo, recursos que estiveram no exterior de um anterior presidente nigeriano Sani Abacha só vinte anos depois retornaram, mesmo tendo havido negociações directas entre o novo governo instituído e os bancos onde esses recursos repousavam para os fazer voltar à economia nigeriana. E ainda assim, só regressou parte desse recurso. Portanto, é uma negociação que vai levar o seu tempo. Eu sou daqueles que pensam que, no interesse geral, da paz e da harmonia social, entre perdermos tudo e recuperar o que for possível desses recursos nacionais, é preferível esta solução negociada no quadro dessa paz social que se pretende para esse novo ciclo. PERFIL Carlos Manuel dos Santos Teixeira é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (UAN). Possui um mestrado em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e é doutorando pela mesma faculdade, igualmente em Direito. É docente associado com a regência da cadeira de Direito Administrativo nas Faculdades de Direito da UAN, Independente de Angola e ‘José Eduardo dos Santos’. É também professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, desde Março de 2011. Já ocupou, entre outros cargos, o de decano interino da Faculdade de Direito da UAN entre 2005 e 2006; assistente da assessoria jurídica da Casa Cívil do Presidente da República (1991-2000); assessor Jurídico do Presidente da República (2000- 2007) e membro do conselho de gerência da Clínica Multiperfil (2001-2002). Advogado, desempenha o cargo de director do Centro de Pesquisas em Políticas Públicas e Governação Local da Faculdade de Direito da UAN, desde Setembro de 2009.
PROJECTO-LEI. Proposta do Governo, que não prevê qualquer investigação criminal, tributária ou cambial a quem proceder ao repatriamento de capitais de forma voluntária, e projecto da UNITA, que prevê ao pagamento de um imposto de 45% sobre os valores monetários repatriados, passaram ambos pela Assembleia Nacional. Os deputados à Assembleia Nacional aprovaram, na passada quinta-feira, na generalidade, a Proposta de Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior do País, de iniciativa do Presidente da República, e o Projecto de Lei do Regime Extraordinário de Regulação Patrimonial (RERP), proposto pela UNITA, o maior partido da oposição. Os dois documentos, que deverão agora seguir para a discussão na especialidade, surgem na sequência de uma decisão do Presidente da República anunciada em Dezembro do ano passado. João Lourenço referiu, na altura, que os angolanos detentores de recursos financeiros no estrangeiro deveriam preparar-se para repatriarem os capitais, no sentido de os investirem no país. A proposta do Executivo, apresentada pelo ministro das Finanças, Archer Mangueira, foi aprovada com 172 votos a favor, nenhum contra e 16 abstenções, enquanto o projecto da UNITA, detalhado por Adalberto da Costa Júnior, teve 173 votos favoráveis, nenhum contra e 15 abstenções. Na proposta levada à plenária pelo Executivo, os angolanos com depósitos superiores a 100 mil dólares no estrangeiro e não declarados vão ter seis meses para fazer o seu repatriamento para Angola sem estarem sujeitos a qualquer investigação criminal, tributária ou cambial. De acordo com a proposta de lei, “terminado o período da moratória para o repatriamento voluntário, o Estado reserva-se o direito de, através de todos os mecanismos e procedimentos legais ao seu dispor, proceder ao sancionamento administrativo ou penal e à recuperação dos mencionados montantes cuja detenção e manutenção no exterior do país resulte da violação da legislação angolana que ao caso for aplicado”. “Para efeitos dos objectivos referidos, é atribuída competência ao Titular do Poder Executivo no sentido de se criar um órgão específico vocacionado à recuperação dos referidos recursos e de outros elementos patrimoniais, bem como para o estabelecimento de mecanismos de cooperação internacional e participação nos acordos de troca de informação”, lê-se ainda no documento. UNITA PROPÕE IMPOSTO DE 45% O projecto da UNITA, ao contrário do Executivo, prevê o pagamento de um imposto de 45% sobre os valores monetários repatriados, reforçando que no caso de depósitos em instituições financeiras, o imposto deverá incidir sobre o montante do respectivo saldo. No caso de se tratar de ouro, prata minerais, metais e ligas metálicas, o imposto, segundo ainda o documento, deverá incidir sobre o seu valor justo de mercado, ao passo que, no caso de valores monetários, o imposto deverá ser sobre o seu valor facial. O documento prevê a “regularização de recursos, bens e direitos mantidos no exterior e o seu repatriamento, isentando do pagamento de quaisquer multas ou taxas e exclui a responsabilização criminal”. A proposta da UNITA dispõe, por outro lado, que os recursos patrimoniais, transferidos ou mantidos no exterior ou no interior do país, não declarados, cuja origem é o território nacional, por pessoas físicas ou jurídicas, deverão ser devidamente declarados ao Estado angolano e requerer pagamento de contribuição extraordinária. O primeiro a avançar na “casa das leis”, sobre o processo de urgência, o documento do maior partido na oposição não defende apenas o repatriamento de capitais não declarados. Propõe uma lei que tenha duas direcções e regule o desvio de dinheiro e bens adquiridos com o dinheiro desviado. O mesmo documento refere ainda, no seu capítulo 6.º sobre o repatriamento de activos, que “sempre que o montante de activos financeiros a repatriar for superior a 100 mil dólares, o declarante deverá solicitar e autorizar à instituição financeira no exterior a enviar informação sobre o saldo desses activos, para a entidade gestora do programa de regularização no país”. No ponto 2 do mesmo artigo, refere-se que, no caso de impedimento de quaisquer ordens no repatriamento dos activos financeiros, o Estado angolano procederá a todas as diligências cabíveis pela ordem jurídica internacional para a protecção dos interesses que visam alcançar com o presente desiderato”.
Angola reforça resolução de conflitos comerciais
RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS. Nova sala para mediação de conflitos comerciais deverá ser criada pelo Governo ainda este ano. As autoridades consideram que a medida vai facilitar o intercâmbio e a celeridade dos assuntos comerciais entre os agentes económicos. O Governo prevê criar, este ano, uma sala de mediação de conflitos comerciais, órgão que deverá funcionar nos tribunais, com vista a dar soluções a litígios inerentes às relações comerciais. A informação foi avançada à imprensa, esta semana, em Luanda, pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Monteiro Queiroz, tendo detalhado que a sala vai funcionar numa das torres situadas no recinto do estádio nacional da Cidadela Desportiva, em Luanda. O Governo entende que a medida vai facilitar o intercâmbio e a celeridade dos assuntos comerciais entre os agentes económicos, “tendo em conta a dinâmica e a necessidade de se diversificar a economia do país”. “Com a criação da sala dentro do tribunal, estão asseguradas, as resoluções dos conflitos comerciais, assim como abrirá portas para um maior dinamismo rumo à estabilidade socioeconómica de Angola”, reforçou ainda Francisco Queiroz. Por isso, o ministro considera imperioso que o empresariado “continue a apoiar o Governo nas suas acções, e que tenha cada vez mais a cultura de recorrer aos órgãos de justiça, nas resoluções de temas que inquietam o crescimento da economia”. QUADRO ACTUAL Esta medida vem reforçar o actual quadro judicial existente, em matéria de resolução de conflitos de âmbito comercial por via da mediação ou da conciliação. Em finais de Outubro, Angola passou a contar com um novo centro de resolução de litígios civis, comerciais e administrativos. Trata-se do Centro de Arbitragem da Associação Industrial de Angola (AIA), abreviadamente designado por CAAIA. O CAAIA, segundo os seus estatutos, é a instituição de arbitragem pela qual a AIA auxilia e promove a resolução de litígios civis, comerciais e administrativos, nacionais e internacionais, entre privados e entre estes e entidades públicas que possam ser submetidos à arbitragem voluntária nos termos legais. A nova entidade propõe-se igualmente ajudar na prestação de serviços conexos com a arbitragem voluntária e com processos alternativos de resolução de litígios, como a mediação e a conciliação. Com um campo de actuação mais amplo, Angola conta também, há já alguns anos, com o Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL), afecto ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, onde as questões relacionadas com os conflitos comerciais podem igualmente ser tratadas. O CREL foi criado, em 2014, como um centro público de arbitragem e, de acordo com o site do Ministério da Justiça, “com o propósito de colmatar a falta de actividade dos centros de arbitragem privados, procurando servir de motor para incentivar a utilização da arbitragem como método extrajudicial de resolução de litígios”. O CREL, que conta desde Maio passado com um novo regulamento, só podia, até antes desse novo estatuto, acolher arbitragens ‘ad hoc’, sendo que não dispunha de um quadro regulador de arbitragem próprio. Com a publicação da regulamentação, este passa a poder acolher arbitragens institucionais, que se desenrolam segundo a tramitação processual prevista. Os dados oficiais indicam ainda que, apesar de o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos ter aprovado a criação de quatro centros de arbitragem privados em 2012, nenhum deles desenvolve qualquer actividade, estando ainda pendentes, junto do Ministério, dois pedidos de aprovação de centros de arbitragem. Os especialistas da MG Advogados explicam que, caso os interessados pretendam submeter os litígios oriundos de um determinado contrato à arbitragem, é necessário, por um lado, incluir no contrato a celebrar uma cláusula arbitral que confira ao CREL competência para administrar a arbitragem. Por outro lado, ou seja no caso de o contrato ser anterior à entrada em vigor do regulamento de arbitragem do CREL, é necessário que as partes assinem um compromisso arbitral, através do qual atribuem ao CREL o poder de administrar a arbitragem, quanto ao litígio com que se deparem.
PETRÓLEO. Exportação do crude angolano para o ‘gigante asiático’ valeu, em 2017, mais de 19 mil milhões de dólares, mais do que o dobro das receitas anunciadas pelas autoridades nacionais, com a exportação de petróleo em todo o ano passado. A receita angolana com a exportação de petróleo para a China aumentou 41,6% em 2017, para 19,4 mil milhões de dólares face aos 13,7 mil milhões de dólares alcançados no ano anterior, indicam dados estatísticos da Administração Geral de Alfândega da China, divulgados no final de Janeiro, a que o VE teve acesso. Os números divulgados pela China representam, entretanto, mais do que o dobro do total das receitas fiscais do petróleo declaradas pelo Ministério das Finanças para todo o ano de 2017. Como publicado no site oficial das Finanças, as receitas petrolíferas consolidadas, em 2017, fixaram-se na ordem dos 1,6 biliões de kwanzas, o equivalente a pouco mais de 7,6 mil milhões de dólares, ou seja, cerca de 40% dos 19,4 mil milhões de dólares divulgados pelas autoridades chinesas. Esse diferencial, segundo diversos especialistas, poderá dever-se sobretudo a duas situações distintas, uma das quais relacionada com os contratos de partilha de produção “em que nem toda a receita gerada é contabilizada pelas autoridades nacionais, sendo que uma parte desse valor é revertida a favor dos grupos empreiteiros que operam os campos petrolíferos”. Um outro cenário, segundo ainda os analistas, poderá ter que ver também com o serviço da dívida pública que Angola tem para com a China, que é pago via carregamento de petróleo. O VE contactou o Ministério das Finanças, através da sua direcção de comunicação institucional, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho desta edição. Os dados oficiais disponíveis indicam ainda que, entre Janeiro e Dezembro, Angola exportou 595.604.870 barris de crude, cerca de 70 milhões de barris abaixo do estimado no Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2017. Do total de crude importado, no ano passado, pelo ‘gigante asiático’, estimado em 160,7 mil milhões de dólares, Angola ocupa uma posição de pouco mais de 12%, abaixo das cifras atingidas pelas exportações de crude da Rússia e da Arábia Saudita, para o mesmo destino. Em 2017, só as exportações da Rússia ficaram avaliadas em 23,5 mil milhões de dólares (14,6% do total), enquanto as da Arábia Saudita em cerca de 20,4 mil milhões de dólares, correspondente a cerca de 12,6% do total. A venda de petróleo de Angola à China aumentou 22%, ainda no primeiro semestre do ano passado, para 27,1 mil toneladas métricas, tornando-se, na altura, o segundo maior fornecedor chinês, a seguir à Rússia, com 29,2 mil. De acordo com dados oficiais, a China manteve a liderança no destino das exportações petrolíferas angolanas em 2016, tendo comprado directamente à Sonangol mais de 127,8 milhões de barris de petróleo bruto, seguida da Índia, que comprou 9,8% de todo o crude da concessionária estatal. Na altura, segundo ainda os dados da Sonangol, Portugal importou 2,9% do petróleo bruto angolano e a França 1,3%, seguindo-se países como Espanha e Itália, ambos com 0,5% do total. EXPORTAÇÕES AFRICANAS AUMENTAM No total, as exportações africanas para a China – onde se inclui também o sector petrolífero - ficaram avaliadas em cerca de 75,2 mil milhões de dólares, traduzindo-se num aumento de 32,4% em relação ao ano anterior, em que estes registos se fixaram em pouco mais de 56,8 mil milhões de dólares. Além do petróleo, os dados da Administração Geral de Alfândega da China não especificam as mercadorias africanas exportadas, mas destacam que Angola conseguiu arrecadar, por via desse processo, mais de 20,3 mil milhões de dólares, sendo superada apenas pela África do Sul que atingiu o montante de 24,3 mil milhões de dólares. A Nigéria, que, segundo a OPEP, está na liderança entre os produtores africanos, melhorou a sua cifra de exportações para a China, mas com a ajuda sobretudo de outras mercadorias, no entanto não especificadas, que não o petróleo, tendo aumentado as suas receitas, por via desse processo, para 1,6 mil milhões de dólares, contra os 906 milhões do ano anterior. Do lado oposto, a importação de produtos chineses por países africanos valeram ao ‘gigante asiático’ em 2017 cerca de 94,7 mil milhões de dólares, no total. Neste particular, a África do Sul destacou-se mais uma vez ao garantir receitas na ordem dos 14,8 mil milhões de dólares à economia chinesa, seguida da Nigéria, com 12 mil milhões de dólares. Desta lista, Angola surge apenas em décimo lugar, tendo garantido à China, em 2017, receitas calculadas em 2,2 mil milhões de dólares.
JLo do lado errado da história