ANGOLA GROWING
António Nogueira

António Nogueira

21 May. 2018

Será desta?

ÁFRICA. Em vésperas da comemoração de mais um aniversário do continente africano, assinalado a 25 de Maio, o VE traz à análise o ‘controverso’ plano da União Africana para a criação de uma zona de livre comércio. Elaborado em 2015, foram necessários três anos para que o projecto merecesse o beneplácito dos primeiros 44 países signatários. Entretanto, alguns ‘colossos’ da economia africana ainda resistem.

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Com uma mão estendida, à procura do sonho da integração, e a outra presa ao cepticismo africano, o continente apresentou, em Março, em Kigali, capital ruandesa, um novo compromisso que estabelece, como meta inicial, a criação do maior mercado comum à escala planetária.

A assinatura do acordo para a formalização da Zona de Comércio Livre (ZCL) da União Africana (UA) surgiu nove anos após um grupo de 26 chefes de Estado e de Governo ter decidido pela criação de uma zona de comércio livre, integrando apenas os países da África Austral e Oriental.

E se, na altura, o cepticismo motivou leituras que antecipavam o insucesso do grupo dos 26, não foi desta que o consenso reinou entre as lideranças africanas. Pelo contrário, dos 55 Estados membros da UA, 11 recusaram-se a avançar, incluindo a África do Sul e a Nigéria, duas das três maiores economias africanas e que, juntas, reclamam cerca de um terço do produto interno bruto do continente (mais de 700 mil milhões de dólares).

A hesitação nigeriana e o meiotermo sul-africano (uma vez que este último prometeu assinar o tratado mal terminem as consultas internas) representam, desde já, os principais pontos de interrogação, nesta fase de formalização do processo. E enchem o copo de expectativas sobre o que deverá acontecer na próxima cúpula a decorrer no próximo mês de Julho, na Mauritânia, conforme chegou a anunciar o comissário de Comércio e Indústria da UA, Albert Muchanga.

Em alinhamento com o optimismo de Moussa Faki Mahamat, o chadiano que preside à Comissão da União Africana, Muchanga manifestou a esperança de ver os países “receosos” a assinarem o acordo dentro de dois meses.

Mas se da África do Sul se pode esperar algum compromisso, da Nigéria ninguém arrisca qualquer aposta. O presidente Muhammadu Buhari fez questão de não marcar presença na cidade ruandesa em Março e conta com a pressão de influentes associações empresarais e profissionais, incluindo o poderoso Congresso dos Trabalhadores da Nigéria (NLC, na silga em inglês), que junta mais de quatro milhões de membros.

O argumento do acesso a um mercado de cerca de 1,2 mil milhões de consumidores e que reclama um produto acima dos 2,3 biliões de dólares não parece suficiente para convencer a classe empresarial nigeriana que suspeita da falta de competitividade da sua economia. “A Nigéria ainda é uma economia em desenvovlimento. As economias que estão a fazer pressão para a criação da ZCL, como Marrocos e Egipto ou Tunísia, são menores que a Nigéria em termos de recursos nacionais, mas, em termos de desenvolvimento estão muito mais à frente”, justificava-se, à DW África, Sani Yan Daki, da Associação Nigeriana de Câmaras do Comércio, Indústria, Minas e Agricultura.

Os receios de Sani Yan Daki, partilhados pelo presidente nigeriano, estão na base, aliás, do fracasso das zonas comerciais regionais, como a Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou mesmo da Comunidade para o Desenvovlimento da África Austral (SADC).

E, como alertou o consultor nigeriano de comércio internacional Sola Afolabi, citado pela RFI, ou a especialista angolana em comércio internacional Francisca Tungumuna (ver página 9), o fracasso das integrações regionais deixa alertas sobre a viabilidade do mercado comum da UA.

Angola, por exemplo, apesar de ter rubricado o tratato da Zona de Comércio Livre da UA, continua a arrastar a assinatura do acordo para a integração da região austral. E o Governo e a generalidade da classe empresarial partilharam sempre dos mesmos receios que os nigerianos colocam agora em relação à ZCL da UA.

Uma vez que Angola, apesar de ter assinado o tratato de Kigali, precisa de ratificá-lo para integrar-se como membro efectivo, vários observadores ouvidos pelo VE comentam agora a dúvida sobre o que deverá ser a prioridade do país: entre a ZCL da SADC e a ZCL da UA. O economista António Conceição não menciona directamente a questão da prioridade, mas recorda que, quanto à integração regional da SADC, os sucessivos adiamentos de Angola “estão subjacentes, em parte, pela sua fraca capacidade de produção nacional, havendo ainda algumas debilidades na estrutura económica interna, face às economias da região”. Fragilidades, acentua, que estão necessariamente relacionadas com a “capacidade competitiva de dar respostas a desafios internos ligados à circulação terrestre, ferroviária e aérea de pessoas e mercadorias”. Concluindo que a efectiva integração regional está condicionada à evolução do processo de industrialização, Conceição enumera as condições que lhe permitem ver com optimismo a ratificação dos dois tratados por Angola: as potencialidades agrícolas, a riqueza hidrográfica, o posicionamento geográfico estratégico “e o facto de ser o único produtor de petróleo na África Austral”.

Da classe empresarial, também se ouviram agora discursos mais afastados da visão conservadora do passado. Agostinho Kapaia, presidente do conselho directivo da Comunidade de Empresas Exportadoras e Internacionalizadas de Angola (CEEIA), pensa que o continente “já não será o mesmo com a assinatura do acordo”, pelo esperado acesso dos empresários a um mercado mais alargado. “É, de facto, uma grande oportunidade para África, para os empresários e os países africanos, razão pela qual devemos abraçar e apoiar esta iniciativa”, defendeu.

Ao que é seguido por Bartolomeu Dias, outro empresário, que refere a materialização de um sonho antigo: os africanos “não estarem dependentes das economias fora de África”. Para já, enquanto se aguarda pela sua ratificação por, pelo menos, metade dos 44 países signatários, a ZCL da UA projecta números que passam a fazer parte do quotidiano dos que sonham com o continente berço mais unido nos negócios. A União Africana estima que o comércio inter-africano pode crescer 44 pontos percentuais para 60%, até 2022, desde que todos os membros entrem no acordo. As projecções do crescimento populacional do mercado livre também quase que dobram para 2,5 mil milhões de consumidores em 2050, o equivalente a 26% do que está projectado para a população activa mundial.

Nas contas do mercado único continental de bens e serviços, que implicará a livre circulação de pessoas, também se inclui a aceleração da abertura de uma união aduaneira em 2022 e de uma comunidade económica africana até 2028.

REGULAMENTAÇÃO. Medida deverá ser viabilizada mediante a elaboração de um decreto executivo conjunto, contendo normas que visam regular os valores a cobrar pelas empresas operadoras.

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O sector das águas contará, em breve, com uma nova legislação que incidirá sobre o consumo, estando em cima da mesa a perspectiva de variação da tarifa em cada uma das 18 províncias.

O assunto foi analisado numa reunião da comissão económica do Conselho de Ministros, ocorrida a 7 de Maio, em Luanda, em que se perspectivaram igualmente aumentos no serviço prestado pelas várias empresas.

A regulamentação, segundo a mesma informação, será feita por decreto executivo conjunto, contendo “normas que visam regular os valores a cobrar pelas empresas operadoras, definindo tarifários por província, em função do custo real de consumo”.

Estima-se que, até Junho, haja alterações na tabela de preços de consumo de água potável no Bengo e Uíge, conforme avançou recentemente, à imprensa, o presidente do conselho da administração do Instituto Regulador dos Serviços de Electricidade e Água (IRSEA), Luís Mourão.

O gestor explicou que a implementação do novo quadro tarifário de água potável está a ser avaliada nas diversas estruturas, para que os clientes “paguem efectivamente” os valores de acordo com o consumo.

As taxas de contrato de água potável também serão uniformizadas e variáveis de acordo com a realidade de cada província, informou ainda Luís Mourão que, para ilustrar o actual quadro tarifário, apontou, como exemplo, o caso do Bengo, onde “se constata que toda a população paga o mesmo valor de 2.100 kwanzas por mês, apesar de uns consumirem mais do que os outros”.

O Governo já anunciou publicamente que vai continuar a investir no sector. A partir deste ano, estão previstos investimentos na ordem dos cinco mil milhões de dólares para a construção de 18 sistemas de água nas sedes provinciais, 156 nas sedes municipais e outros a serem erguidos em zonas rurais, conforme anunciou recentemente, em Brasília, o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges.

Além dos investimentos em infra-estruturas, o sector também está a empreender iniciativas no domínio institucional, desde a criação de empresas do subsector, formação de quadros e descentralização de serviços, de acordo com o ministro João Baptista Borges, tendo acrescentado que a política tarifária e a regulamentação de preços são algumas das medidas a adoptar.

LEGISLAÇÃO VIGENTE

De acordo com a Lei de Águas, no artigo 63, “os beneficiários do direito de uso privativo de água sujeito à licença ou concessão estão sujeitos ao pagamento de tarifas resultantes da utilização de infra-estruturas hidráulicas”.

O ponto 2 esclarece, no entanto, que “o montante das tarifas resultantes da utilização de infra-estruturas é estabelecido tendo em atenção, entre outros factores, os encargos suportados com a construção, exploração e conservação das obras, o número total de beneficiários e a sua capacidade contributiva média”.

Esta mesma lei estabelece ainda que “a metodologia de cálculo das tarifas é fixada por diploma próprio”. Por outro lado, a actual legislação sobre a matéria determina também o pagamento de taxas, realçando, no artigo 61, que “os beneficiários dos direitos de uso privativo de água, sujeito à licença ou concessão, estão obrigados ao pagamento de taxas resultantes do uso do recurso hídrico e lançamento de efluente”.

O ponto 2 do mesmo artigo reforça que estes mesmos beneficiários “estão igualmente obrigados ao pagamento de taxas visando o fomento de práticas adequadas à correcta utilização e conservação da água, à prevenção da poluição ou à redução do seu nível”.

O ponto 1 do artigo 62, sobre a formação das taxas, esclarece que “o montante das taxas resultantes do uso do recurso hídrico e lançamento de efluente é estabelecido de acordo com o volume medido ou estimado de água requerida, em função do tipo ou dimensão da actividade exercida e da quantidade prevista de uso privativo, bem corno do tipo e volume do poluente”, reforçando, no ponto seguinte, que os critérios de formação de taxas previstas “são objecto de regulamentação pelo Governo”.

RELAÇÕES BILATERAIS. Primeiro passo para a normalização das relações bilaterais deverá ser a nomeação do novo embaixador de Angola em Portugal, que substitui José Marcos Barrica no cargo.

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A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de transferir para Angola o processo que envolve o antigo vice-Presidente da República, Manuel Vicente, e a Justiça portuguesa produziu efeitos imediatos no arrefecimento da tensão diplomática entre Angola e Portugal.

O primeiro sinal foi expresso pelo próprio Presidente da República, João Lourenço, que, na manhã da passada sexta-feira, disse, através da sua conta no Twitter, estar “feliz” com o desfecho do ‘caso Manuel Vicente’ e a transferência do processo, tendo transmitido este estado de espírito a Marcelo Rebelo de Sousa.

Pela mesma via, o chefe de Estado angolano refere que falou por telefone com o seu homólogo português a quem reiterou “a vontade de seguir em frente com a cooperação entre os nossos dois países”. Para a imprensa lusa, um dos primeiros passos no sentido de se suavizar a tensão nas relações entre os dois países deverá ser a nomeação do novo embaixador de Angola em Portugal, que substituiu José Marcos Barrica no cargo. O processo encontrava-se suspenso devido ao ‘caso Manuel Vicente’.

Até sexta-feira, informações não confirmadas davam conta que, após a visita de João Lourenço à França, prevista para 21 de Maio, o estadista angolano poderá deslocar-se a Portugal, já no âmbito do desanuviamento das relações bilaterais.

A imprensa portuguesa destaca igualmente a visita que o ministro da Defesa, Azevedo Lopes, deverá efectuar a Angola, nesta semana, o que está a ser considerado mais um passo para a normalização. Esta convicção surge do facto de Azevedo Lopes ter confirmado a sua visita a Angola, ainda antes de conhecida oficialmente a decisão do tribunal de transferir o processo Manuel Vicente, acreditando-se que as duas partes terão tido conhecimento antecipado do sentido da decisão judicial.

Outra convicção de que o desfecho do caso vai seguramente amenizar a tensão entre os dois Estados foi expressa pelo Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Se quem tem poder de decidir decide isso, isso significa que há uma transferência, e havendo, desaparece o irritante”, disse o estadista luso, mostrando-se surpreendido pela decisão.

O CASO POR DENTRO

A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de enviar o processo para Angola, foi oficialmente anunciada, na passada quinta-feira, respondendo, deste modo, pela positiva a um recurso apresentado neste sentido pelos advogados de defesa do antigo vice-Presidente angolano. Manuel Vicente foi indiciado pela justiça portuguesa, em Fevereiro de 2017, por alegados crimes de corrupção activa na forma agravada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.

O antigo vice-Presidente da República foi igualmente acusado de ter pago um suborno em 2012, quando ainda era dirigente da Sonangol, no valor de 760 mil euros ao também arguido neste caso e então procurador português Orlando Figueira, no intuito de se arquivarem as investigações sobre as suas actividades em Portugal, designadamente no caso Portmill e os fundos utilizados para a compra em 2008 de um imóvel no Estoril, nas imediações de Lisboa.

Com a transferência para Angola, o caso fica assim arquivado pelo menos até 2022, face às imunidades de que goza Manuel Vicente em Angola, à mercê do seu estatuto de antigo vice-Presidente da República, como o confirmou o ministro da Justiça, Francisco Queiroz.

Diplomata afirma que Angola e Ruanda poderão rubricar, em breve, importantes acordos, com destaque para o sector aeronáutico e a supressão de visto nos passaportes ordinários. A ideia, segundo o embaixador, é reforçar a cooperação comercial com Angola, que possui muitos produtos que o Ruanda procura, como o peixe fresco e o sal. Considera, no entanto, que o reforço desse intercâmbio dependerá muito do envolvimento do sector privado. Alfred Kalisa fala, igualmente, da experiência do governo ruandês relativamente ao combate à corrupção.

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A sua nomeação como embaixador em 2015 marcou a abertura, pela primeira vez, da embaixada ruandesa em Luanda. Quais são os efeitos desse marco na relação bilateral, passados quase três anos?

As relações estão a crescer. O Presidente do Ruanda e o de Angola já efectuaram três encontros que aconteceram em Brazzaville, Adis Abeba e no Ruanda, este último durante a assinatura do Acordo de Livre Comércio entre os países africanos. Há bons indicadores de que essas relações cresçam ainda mais do ponto de vista político e comercial. Antes, já houve muita cooperação na área da segurança e defesa.

Já há algum acordo bilateral no domínio comercial?

Não, ainda não. Mas penso que pode haver acordos nesse âmbito. Pode haver, por exemplo, acordos entre as empresas dos dois Estados que, no caso, poderia ser entre a TAAG e a RuandAir ou com outras empresas do Estado. Em relação ao sector aeronáutico, pensamos que este acordo, até Junho, fica firmado entre os dois Estados. As duas delegações já discutiram amplamente o assunto.

Disse que os dois Estados já cooperaram muito na área da segurança e defesa. Que acordos, em concreto, é que foram rubricados a este nível?

Nessas áreas, existem, até ao momento, reuniões regulares entre os dois Estados para debater, sobretudo, assuntos relacionados com a segurança na região dos Grandes Lagos. Angola chefiou, até ao ano passado, a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos, que agora é liderada pelo Congo Brazzaville. Ruanda é também um dos membros dessa organização e, normalmente, as discussões sobre a segurança nessa região, nomeadamente na RDC, são tratadas por estes países.

Kigali foi recentemente o palco da assinatura do acordo formal da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA). Este é um acordo que veio para vingar, na sua opinião?

Os africanos devem olhar como é que a Ásia ou a Europa cresceram. Os africanos devem perceber que o comércio intra-africano traz mais dividendos para o próprio continente. Permite um desenvolvimento mais rápido.

A eliminação das taxas aduaneiras é um factor crítico na dinamização do comércio intra-africano. É essa a mensagem, certo?

A taxa aduaneira é, de facto, um factor de impedimento dos negócios. São estes aspectos que os Governos de Angola, do Ruanda e de outros países africanos têm de resolver, de modo a que, quando o empresário se desloca a um determinado país africano, não encontre muitas barreiras aduaneiras. O acordo intercontinental de livre comércio defende isso mesmo. Mas a iniciativa, como disse, deve também partir dos homens de negócios.

Já alguma vez Angola e Ruanda terão discutido a possibilidade de adoptarem medidas de supressão de vistos nos passaportes ordinários?

No Ruanda, o angolano não precisa de ter visto no passaporte. Pode ir para lá e será recebido com um visto somente no aeroporto. E essa estratégia que adoptámos é valida para os cidadãos de todos os países africanos que queiram viajar para o Ruanda. Decidimos abrir as portas aos cidadãos do mundo devido ao turismo, que é um dos mais importantes sectores para o PIB do país. Agora, em relação à livre circulação de pessoas, hoje já é possível sair do Ruanda para o Quénia ou Uganda só com o bilhete de identidade. O cidadão estrangeiro não precisa do passaporte. Também entre o Quénia, Ruanda e Uganda há um acordo de livre circulação de pessoas e bens. Por exemplo, se você é professor no Quénia, pode ir ao Ruanda trabalhar como tal; se for médico ruandês, pode ira a Kampala (capital do Uganda) trabalhar como médico. Basta que venha com o seu diploma e é homologado pela autoridade ugandesa. O mesmo ocorre com outras tantas profissões.

E os ruandeses poderão ter as mesmas facilidades de entrada em Angola?

Este é um assunto que deverá ser tratado daqui a uns meses. Estamos a negociar com as entidades angolanas afins para dar solução a este assunto. Consideramos, no entanto, que primeiro deve haver reciprocidade, e porque com isso Angola estaria também a encorajar o turismo.

Sente que há vontade política por parte das autoridades angolanas para se equacionar esse assunto?

Sim, há vontade. Por isso é que afirmo que, daqui a uns meses, essa questão deverá estar resolvida.

Está a falar de um novo encontro entre o Presidente angolano e o ruandês?

Sim! Essa possibilidade existe, mas depende do calendário dos presidentes. Hoje, o presidente Paul Kagame é o presidente da União Africana e tem muito trabalho. Também o Presidente João Lourenço está muito ocupado com as tarefas do país nesse momento. Ainda assim, acho que, no futuro próximo, essa visita poderá ocorrer. Mas, a nível bilateral, existem delegações ministeriais que mantêm encontros. Penso que os dois presidentes poderão encontrar-se quando houver muito acordo de cooperação já rubricado e muito negócio entre os dois Estados.

Há muitos ruandeses em Angola?

Temos cerca de 70 ruandeses que trabalham em Angola, 20 dos quais fazem negócios. Há também 100 ruandeses que estiveram aqui em Angola na condição de refugiados. Estes ruandeses já regressaram ao país graças ao acordo com a comissão dos refugiados. Não há muitos ruandenses a trabalhar em Angola. Por isso é que estamos agora a encorajar para que esse fluxo aumente.

Participou recentemente num fórum de negócios no Namibe, onde manifestou o interesse do seu país em importar peixe de Angola. Como está esse processo?

Eu, pessoalmente, já comuniquei à federação ruandesa para o sector privado que há oportunidades de negócio aqui em Angola. Já enviei o nome de algumas empresas do Namibe. Mas, como disse, é preciso que se encoraje os empresários angolanos a irem ao Ruanda para fazer propostas de negócios, mostrando a qualidade do seu produto. E quem vai ao Ruanda pode depois também seguir para o Uganda, Quénia. Portanto, aqui o papel do Estado seria somente o de criar um bom ambiente de negócio e estável.

E quais seriam as melhores vias de transporte do produto angolano para o Ruanda, caso haja já esse interesse por parte dos empresários angolanos?

Angola pode exportar para o Ruanda o peixe, o sal e o cimento. São produtos com grande carência na África do Leste, que inclui o Ruanda, Burundi, Uganda, entre outros. Os produtos podem ser transportados via terrestre a partir de Luanda ou do Namibe, passando pela África do Sul, Dublin, onde há dois portos que servem de interland para a África do Leste, onde há países encravados, que são o Ganda, Tanzânia, Uganda. Daí podem ser transportados via terra ou caminho-de-ferro. Portanto, a região dos Grandes Lagos é uma zona apetecível para o consumo desses produtos. Repare que vivem nessa região cerca de 100 milhões de habitantes. O circuito comercial é do porto de Dar es Salaam (na Tanzânia) para Kigali ou do porto do Mombassa (Quénia) para Kigali também.

Além do turismo, que outras áreas aponta com potencial no Ruanda?

Temos o sector da indústria. Ruanda está a apostar forte no sector das novas tecnologias. Algumas fábricas já começam a fazer montagem de computadores e de televisão. Penso que é um sector que está em franco crescimento sobretudo no que respeita à produção de hardware. Há também bons sinais para o desenvolvimento de softwares com soluções bancárias, para a produção de cartão de crédito. Portanto, esse é um processo que o governo está a acompanhar de perto. Temos também a agricultura, onde se destaca a produção do café e do chá que são produtos que o Ruanda exporta muito. O nosso chá é exportado a um preço mais alto devido à sua qualidade. Por exemplo, o café para ser vendido daqui a dois anos é solicitados por grandes marcas, como a Nestlé, que compra o produto com um ano de antecedência.

Hoje, o Ruanda vive sobretudo de importação ou há já muita produção interna?

No sector agrícola, o Ruanda é mais ou menos auto-suficiente. Mas continuamos a importar também alguns produtos como o açucar, o qual temos uma produção limitada, e o sal, que não temos. Temos indústria de substituição, mas o problema dessa indústria é que, para a mantermos, temos de importar primeiro a matéria-prima e isso é consumo de divisas. Mas esse é um processo. Estamos no bom caminho e nós não temos problemas de disponibilidade da moeda estrangeira.

Como avalia o actual momento político de Angola?

A expectativa é positiva. No seu discurso oficial de tomada de posse, o Presidente João Lourenço deixou claro que o comércio com a região, com a África, é uma prioridade de Angola. Mas penso que o sector privado deve também ajudar o Governo para que sejam criadas novas oportunidades de negócios entre Angola e outros mercados africanos. Só na África do Leste há muito turismo. São muitos cidadãos que visitam o Quénia, a Tanzânia e o Uganda. E estes turistas consomem muitos frutos do mar, nomeadamente peixe. O grande problema é que não há capacidade interna para satisfazer esse mercado, assim recorremos à importação desses produtos a partir da Coreia do Sul e da China. É por isso que defendo também que os homens de negócios em Angola podem igualmente exportar o peixe congelado, a farinha do peixe, entre outros frutos do mar para a África do Leste. Mas, repito, esse papel não é exclusivo do Governo. São os empresários angolanos, que actuam nesse sector, que devem ir para esses mercados fazer acordos de parceria, tal como fazem os chineses e os sul-coreanos. Outro exemplo, na África do Leste, Ruanda incluído, consome-se muito açúcar do Brasil. Mas essa relação ocorre através do sector privado brasileiro, que vai a estes países africanos para fazer contratos com cervejarias, indústria alimentar, entre outros, para vender o seu açúcar. E, em Angola, há empresas que produzem açúcar e que podem também vender nessa região. O mesmo acontece com o cimento, produto de que a África do Leste também padece muito e que os empresários angolanos deveriam igualmente aproveitar para exportar.

E em relação ao combate à corrupção, o que Ruanda pode ensinar a Angola?

A corrupção impede o investimento directo e indirecto. No caso do Ruanda, porque não temos recursos naturais para explorar, há 20 anos que o governo decretou uma campanha rigorosa contra a corrupção e, até ao momento, essa campanha continua. A corrupção é um mal que deve ser combatido. Temos um clube universitário que discute o problema da corrupção. O investidor estrangeiro pode, por exemplo, fiscalizar se o dinheiro que investiu foi bem utilizado ou não. Se você é detentor de um cargo político, seja embaixador ou ministro, não tem direito de assinatura para o desembolso de dinheiros. Somos apenas supervisores para fazer o controlo. A nível dos ministérios, por exemplo, temos uma comissão independente de compras. O ministro não intervém. Essas comissões existem também a nível das embaixadas, nos municípios. O responsável político não intervém na actividade financeira da entidade que dirige. Portanto, é só aplicarmos as medidas exactas. Quando você chega ao aeroporto de Kigali, há uma publicidade em destaque com os dizeres “For Deveploment Fight the Corruption” (Para o Desenvolvimento, Lute Contra a Corrupção). Portanto, esse combate é algo que deve ser feito todos os dias. Porque este é um mal que enferma qualquer sociedade, quer estejamos em África, quer na Europa. E, como resultado dessas políticas, Ruanda tem estado a crescer muito do ponto de vista económico. Não diria que tudo está bem, mas devo assinalar que estamos a fazer muito progresso. Repito, esta é uma batalha de todos os dias.

África é conhecida como um continente com muitos conflitos internos. Que estratégia o governo ruandês estará a aplicar, na qualidade de actual presidente da União Africana, para termos um continente com uma melhor imagem externa?

Temos mesmo partilhado a nossa experiência de conflito, lembrando aos dirigentes africanos que os conflitos só estragam a vida dos cidadãos e os seus respectivos bens. Portanto, é algo dispensável. O melhor mesmo é dialogar e fazer o desenvolvimento. Temos também alguns países, como Angola, que conheceu a guerra, que estão a fazer o mesmo discurso. E, de facto, felizmente, muitos países africanos chegaram à conclusão que os conflitos não são bons. Mas há também muito progresso. Hoje, já não são muitos os países africanos que enfrentam grandes problemas internos. No caso do Lesoto, a situação já está melhor com a intervenção de Angola. No caso da RCA, temos já tropas da missão da ONU que incluem tropas ruandesas. A RDC caminha para as eleições e, ao que tudo indica, há cada vez mais certeza de que estas eleições finalmente vão ser realizadas. Na Somália, há também muito progresso, com muitas instituições do Estado já a funcionar. Acho que é também importante os africanos fazerem a publicidade do que é bom em África. Hoje, o Médio Oriente é mais inseguro que África. Acho que agora é muito importante enfatizar o progresso e o desenvolvimento económico mais positivo e criativo dos jovens africanos. África tem uma população de jovens criativos, mas que os políticos devem orientar e ajudar para realizar os seus sonhos. Porque África tem tudo: recursos naturais, terra arável. Falta apostar mais no sector da formação técnica.

E, no caso específico do Ruanda, como olha hoje para os efeitos do seu passado de conflito?

O povo ruandês aprendeu as lições de um conflito interno, entre irmãos. Houve um processo de reconciliação nacional e de desenvolvimento. Agora, estamos no bom caminho, porque o povo já viu o resultado da reconciliação. Os benefícios estão à vista e hoje ninguém mais quer pensar nessa política de divisão para atingir o poder.

DECRETO PRESIDENCIAL. Documento visa, entre outros objectivos, evitar possíveis equívocos de países vizinhos sobre matérias relacionadas com a Defesa Nacional e as Forças Armadas, reduzindo dessa forma os riscos de um conflito indesejado.

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O Presidente da República, João Lourenço, emitiu um decreto no qual autoriza a aprovação do Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), um documento que visa difundir informações sobre a defesa nacional e permitir que os cidadãos possam acompanhar a política do Executivo relativamente ao sector.

Em vigor desde 25 de Abril, o documento já tinha sido analisado e aprovado em Conselho de Ministro, a 23 de Março, altura em que foi igualmente analisada a proposta de Lei das Carreiras dos Militares, instrumento jurídico que estabelece um conjunto hierarquizado de postos, da forma de prestação de serviço militar, além do exercício diferenciado de cargos e o desempenho de funções.

O LBDN representa, segundo o decreto presidencial, “uma plataforma de discussão, que se pretende mais abrangente, sobre matérias relacionadas com a Defesa Nacional e as Forças Armadas”.

O documento surge do facto de se ter constatado que “uma significativa parcela da nossa sociedade desconhece e ignora estes assuntos não apenas por indiferença, mas principalmente por desconhecimento, o que no actual contexto nacional e internacional pode resultar em tomadas de posição contrárias aos interesses nacionais”.

O LBDN, segundo o decreto assinado por João Lourenço, serve também para evitar possíveis equívocos de países vizinhos, “porquanto transmite de forma clara e eficaz as nossas intenções, reduzindo dessa forma os riscos de conflagração de um conflito não desejado”.

A aprovação do documento é ainda justificada com “as novas dinâmicas de ordem externa e interna que determinam um novo modelo de inserção de Angola na arena internacional e obrigam as Forças Armadas Angolanas (FAA) a assumir novas responsabilidades, compatíveis com o nível de ambição política do país”.

CONTEXTO REGIONAL E INTERNACIONAL

Segundo o mesmo documento, Angola continua “a privilegiar a cooperação com diversos países e organismos internacionais para o combate ao terrorismo, ao crime organizado e à emigração ilegal, investindo igualmente na defesa do ambiente, na assistência humanitária e na reconstrução nacional”.

O LBDN defende ainda que “Angola não pode estar alheia a estas novas dinâmicas geopolíticas”, tendo, por esta razão, dado início a um processo de reedificação e modernização das FAA, que visa dotar as mesmas de meios adequados, a fim de responderem com eficácia a quaisquer desafios que se lhes apresentarem no quadro das suas atribuições constitucionais.”

NOVOS PACOTES LEGISLATIVOS

No quadro do processo de reedificação e modernização das FAA, as autoridades nacionais têm conduzido acções que visam, sobretudo, a revisão e actualização do actual pacote legislativo atinente aos órgãos de defesa e segurança nacional.

Além do LBDN e da proposta de Lei das Carreiras dos Militares, o Conselho de Ministros apreciou igualmente, em Março último, a proposta de Lei dos Postos e Distintivos Militares, diploma que define a hierarquia dos postos e distintivos militares das FAA, de modo a harmonizar a subordinação entre os efectivos.

Foi já também apreciada, a nível deste órgão, a proposta de Lei de Condecorações Militares, instrumento jurídico que cria as medalhas das FAA e define a ordem hierárquica da sua importância.

Essa proposta visa distinguir as virtudes reveladas pelos militares na prestação de serviço em prol da defesa da integridade e soberania nacional, os factos de realce operativo, as datas históricas, efemérides e o desempenho em comissões de serviço fora das FAA.