Será desta?
ÁFRICA. Em vésperas da comemoração de mais um aniversário do continente africano, assinalado a 25 de Maio, o VE traz à análise o ‘controverso’ plano da União Africana para a criação de uma zona de livre comércio. Elaborado em 2015, foram necessários três anos para que o projecto merecesse o beneplácito dos primeiros 44 países signatários. Entretanto, alguns ‘colossos’ da economia africana ainda resistem.
Com uma mão estendida, à procura do sonho da integração, e a outra presa ao cepticismo africano, o continente apresentou, em Março, em Kigali, capital ruandesa, um novo compromisso que estabelece, como meta inicial, a criação do maior mercado comum à escala planetária.
A assinatura do acordo para a formalização da Zona de Comércio Livre (ZCL) da União Africana (UA) surgiu nove anos após um grupo de 26 chefes de Estado e de Governo ter decidido pela criação de uma zona de comércio livre, integrando apenas os países da África Austral e Oriental.
E se, na altura, o cepticismo motivou leituras que antecipavam o insucesso do grupo dos 26, não foi desta que o consenso reinou entre as lideranças africanas. Pelo contrário, dos 55 Estados membros da UA, 11 recusaram-se a avançar, incluindo a África do Sul e a Nigéria, duas das três maiores economias africanas e que, juntas, reclamam cerca de um terço do produto interno bruto do continente (mais de 700 mil milhões de dólares).
A hesitação nigeriana e o meiotermo sul-africano (uma vez que este último prometeu assinar o tratado mal terminem as consultas internas) representam, desde já, os principais pontos de interrogação, nesta fase de formalização do processo. E enchem o copo de expectativas sobre o que deverá acontecer na próxima cúpula a decorrer no próximo mês de Julho, na Mauritânia, conforme chegou a anunciar o comissário de Comércio e Indústria da UA, Albert Muchanga.
Em alinhamento com o optimismo de Moussa Faki Mahamat, o chadiano que preside à Comissão da União Africana, Muchanga manifestou a esperança de ver os países “receosos” a assinarem o acordo dentro de dois meses.
Mas se da África do Sul se pode esperar algum compromisso, da Nigéria ninguém arrisca qualquer aposta. O presidente Muhammadu Buhari fez questão de não marcar presença na cidade ruandesa em Março e conta com a pressão de influentes associações empresarais e profissionais, incluindo o poderoso Congresso dos Trabalhadores da Nigéria (NLC, na silga em inglês), que junta mais de quatro milhões de membros.
O argumento do acesso a um mercado de cerca de 1,2 mil milhões de consumidores e que reclama um produto acima dos 2,3 biliões de dólares não parece suficiente para convencer a classe empresarial nigeriana que suspeita da falta de competitividade da sua economia. “A Nigéria ainda é uma economia em desenvovlimento. As economias que estão a fazer pressão para a criação da ZCL, como Marrocos e Egipto ou Tunísia, são menores que a Nigéria em termos de recursos nacionais, mas, em termos de desenvolvimento estão muito mais à frente”, justificava-se, à DW África, Sani Yan Daki, da Associação Nigeriana de Câmaras do Comércio, Indústria, Minas e Agricultura.
Os receios de Sani Yan Daki, partilhados pelo presidente nigeriano, estão na base, aliás, do fracasso das zonas comerciais regionais, como a Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou mesmo da Comunidade para o Desenvovlimento da África Austral (SADC).
E, como alertou o consultor nigeriano de comércio internacional Sola Afolabi, citado pela RFI, ou a especialista angolana em comércio internacional Francisca Tungumuna (ver página 9), o fracasso das integrações regionais deixa alertas sobre a viabilidade do mercado comum da UA.
Angola, por exemplo, apesar de ter rubricado o tratato da Zona de Comércio Livre da UA, continua a arrastar a assinatura do acordo para a integração da região austral. E o Governo e a generalidade da classe empresarial partilharam sempre dos mesmos receios que os nigerianos colocam agora em relação à ZCL da UA.
Uma vez que Angola, apesar de ter assinado o tratato de Kigali, precisa de ratificá-lo para integrar-se como membro efectivo, vários observadores ouvidos pelo VE comentam agora a dúvida sobre o que deverá ser a prioridade do país: entre a ZCL da SADC e a ZCL da UA. O economista António Conceição não menciona directamente a questão da prioridade, mas recorda que, quanto à integração regional da SADC, os sucessivos adiamentos de Angola “estão subjacentes, em parte, pela sua fraca capacidade de produção nacional, havendo ainda algumas debilidades na estrutura económica interna, face às economias da região”. Fragilidades, acentua, que estão necessariamente relacionadas com a “capacidade competitiva de dar respostas a desafios internos ligados à circulação terrestre, ferroviária e aérea de pessoas e mercadorias”. Concluindo que a efectiva integração regional está condicionada à evolução do processo de industrialização, Conceição enumera as condições que lhe permitem ver com optimismo a ratificação dos dois tratados por Angola: as potencialidades agrícolas, a riqueza hidrográfica, o posicionamento geográfico estratégico “e o facto de ser o único produtor de petróleo na África Austral”.
Da classe empresarial, também se ouviram agora discursos mais afastados da visão conservadora do passado. Agostinho Kapaia, presidente do conselho directivo da Comunidade de Empresas Exportadoras e Internacionalizadas de Angola (CEEIA), pensa que o continente “já não será o mesmo com a assinatura do acordo”, pelo esperado acesso dos empresários a um mercado mais alargado. “É, de facto, uma grande oportunidade para África, para os empresários e os países africanos, razão pela qual devemos abraçar e apoiar esta iniciativa”, defendeu.
Ao que é seguido por Bartolomeu Dias, outro empresário, que refere a materialização de um sonho antigo: os africanos “não estarem dependentes das economias fora de África”. Para já, enquanto se aguarda pela sua ratificação por, pelo menos, metade dos 44 países signatários, a ZCL da UA projecta números que passam a fazer parte do quotidiano dos que sonham com o continente berço mais unido nos negócios. A União Africana estima que o comércio inter-africano pode crescer 44 pontos percentuais para 60%, até 2022, desde que todos os membros entrem no acordo. As projecções do crescimento populacional do mercado livre também quase que dobram para 2,5 mil milhões de consumidores em 2050, o equivalente a 26% do que está projectado para a população activa mundial.
Nas contas do mercado único continental de bens e serviços, que implicará a livre circulação de pessoas, também se inclui a aceleração da abertura de uma união aduaneira em 2022 e de uma comunidade económica africana até 2028.
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