Declínio da vida selvagem em Angola deu-se de 1975 a 2002
AMEAÇA. Pelo menos, 36 países em todo o mundo vivem guerras civis e a maioria é financiada por interesses internacionais. Autores do estudo advertem que populações de mamíferos selvagens não conseguirão recuperar enquanto regulamentos de gestão da vida selvagem não forem aplicados.
O número de mamíferos selvagens na principal reserva natural de Angola, na Quiçama, registou um declínio de 77% durante os 27 anos de conflito armado, revela um estudo publicado hoje na revista Nature Scientific Reports.
Tendo como caso de estudo a principal área protegida de Angola, o Parque Nacional e a Reserva de Caça de Quiçama, a investigação analisa, de forma abrangente, o impacto das guerras civis na vida selvagem em países afectados por conflitos em África.
Os investigadores da Universidade de East Anglia (Reino Unido), Universidade Federal da Paraíba (Brasil) e Universidade de Agostinho Neto (Angola) estudaram 26 espécies existentes no Parque Nacional e na Reserva de Caça de Quiçama, tendo concluído que o número de mamíferos selvagens em 20 dessas espécies sofreu uma redução de 77 por cento entre 1975 e 2002.
Esta redução foi particularmente significativa nas espécies de grande porte, como os elefantes, e mais em zona de savana do que de floresta.”Este declínio não foi invertido até ao final do período pós-guerra (2002-2017)”, aponta a investigação.
O país alberga pelo menos 275 espécies de mamíferos, muitas delas historicamente caçadas pelas comunidades locais antes, durante e após a guerra civil.
O estudo conclui também que os principais impactos das guerras sobre os mamíferos são muitas vezes indirectos, decorrendo mais de mudanças institucionais e socioeconómicas do que de acções militares.
“O aumento do acesso a armas automáticas e a suspensão das patrulhas anti-caça furtiva foram as principais causas do colapso da população de animais selvagens, enquanto a instalação de bases militares dentro de áreas de conservação, a caça intensiva de mamíferos de grande porte e novos assentamentos de refugiados e deslocados também tiveram um forte impacto nas espécies”, acrescenta. A investigação indica que as guerras civis em países com fraca governação podem ter impactos positivos e negativos na fauna, dependendo do espaço e do tempo, mas assinala que a “tendência geral é negativa”.
“Os países estão a lutar, mesmo em tempos de paz, para proteger os recursos faunísticos, independentemente das colossais consequências adversas do colapso da lei e da ordem provocados por uma guerra civil. No entanto, não existem mecanismos internacionais adequados para destacar forças de paz para manter o ‘status quo’ das populações vulneráveis de vida selvagem em regiões conturbadas do mundo”, disse Carlos Peres, da Escola de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia.
Franciany Braga-Pereira, doutoranda em Zoologia da Universidade Federal da Paraíba, que liderou o estudo, enfatizou a “cumplicidade intencional ou inadvertida de potências estrangeiras” nos impactos ambientais prejudiciais dos conflitos armados. “Actualmente, 36 países em todo o mundo estão a viver guerras civis e a maioria destes conflitos ou é alimentada ou financiada por interesses internacionais ou começaram após uma intervenção externa”, disse.
Os autores advertem que, mesmo durante os tempos de paz do pós-guerra, as populações de mamíferos selvagens não conseguirão recuperar enquanto a população rural permanecer armada e os regulamentos de gestão da vida selvagem não puderem ser aplicados.
Por isso, apelam para a aprovação de “políticas internacionais robustas” que possam prevenir as consequências da guerra, advertindo que a restauração de populações de animais selvagens “pode levar muitas décadas e requerer uma intervenção activa”.
A investigação inclui entrevistas com caçadores locais. Revelaram que mamíferos de grande porte como os búfalos vermelhos, a palanca negra ou a palanca vermelha eram alvos preferenciais dos caçadores e tinham sido caçados intensivamente durante a guerra.
Com o esgotamento progressivo destas populações, o interesse dos caçadores foi-se deslocando para espécies mais pequenas como o porco-do-mato ou antílopes de pequeno porte.
Os autores consideram que a guerra civil pode ser “uma espada de dois gumes”, ao provocar o declínio nas indústrias extractivas, tais como petróleo, mineração e agro-negócios, que podem beneficiar a vida selvagem. Por outro lado, as zonas desmilitarizadas e de minas terrestres desencorajam gravemente os assentamentos humanos e os caçadores, criando potenciais refúgios de vida selvagem e áreas de caça e captura proibida.
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