“A agricultura não pode ser competitiva com tantas deficiências”
Defende o cadastramento das terras agrícolas para que sejam melhor aproveitadas pelos camponeses, que devem ter uma garantia de acesso ao crédito bancário. Albano Lussati, presidente da Confederação das associações de cooperativas agro-pecuárias (Unaca), insiste no papel das ‘escolas do campo’ para ensinar as melhores técnicas de cultivo para a obtenção de boas safras, mas admite que uma produção de escala que seja competitiva só pode acontecer com uma séria aposta na investigação científica para evitar a importação de sementes melhoradas e equipamentos.
O Governo defende a diversificação da economia fixada na agricultura e no fomento pecuário. Como olha para o sector?
Tanto a agricultura como a pecuária são pilares para o fortalecimento da economia de qualquer país. Na agricultura, deve-se priorizar, por um lado, as culturas da cesta básica como milho, feijão, arroz, batata, soja, mandioca e hortaliças e, por outro, as culturas industriais como palmar, algodão, café, cana-de-açúcar, banana, etc. Já na pecuária, a produção da carne e de ovos são fundamentais para garantir uma segurança nutricional equilibrada. Neste caso, a disponibilidade de carne de bovinos, suínos, caprinos e galinhas são, entre outras, as principais metas a alcançar.
Mas a teoria está a traduzir-se na prática?
No país, as coisas estavam muito mal, quando o preço do barril de petróleo estava em alta. O sector agro-pecuário ficou relegado para um plano secundário. Não se lhe dava importância, esquecendo-se do seu papel fundamental no processo de desenvolvimento sustentável.
E agora é diferente?
Actualmente, tem-se dado alguns passos. Vimos e sentimos a vontade política manifestada pelo Presidente da República, por altura do lançamento do ano agrícola 2017/2018. Vejo no Prodesi, um dos instrumentos do Governo, que veio para dar respostas aos muitos problemas da agricultura e de outros sectores produtivos. O engajamento do sector empresarial e as cooperativas da agricultura familiar está a tentar dar resposta às necessidades que se fazem sentir no mercado. Ainda não estamos bem, mas tenho fé que com os esforços multilaterais e com o interesse que se dá hoje à agricultura, sobretudo familiar, a situação mudará.
O Governo fala do apoio à agricultura familiar, mas os camponeses continuam a reclamar por mais atenção…
O desenvolvimento de agricultura resulta da combinação de alguns factores fundamentais, nomeadamente, a disponibilidade de terra e água. Temos de trabalhar no sentido de cadastrar as terras dos camponeses para que sejam protegidas da expropriação abusiva e não perigar a vida de muitas famílias que vivem somente da agricultura e da pecuária. O camponês deve ter a terra como uma garantia de acesso ao crédito, quando precisar. Por outro lado, tem de se criar perímetros irrigados que possam facilitar o acesso à água nas zonas férteis afastadas dos rios. Também é preciso apostar nas bacias de retenção de água pluviométrica nas zonas de estiagem pronunciada como na Huíla e no Cunene.
O aumento da produção e da produtividade passa pelo uso de novas tecnologias...
Precisa-se capacitar continuamente os produtores agrícolas que sejam eles familiares ou empresariais sobre as práticas agrícolas sustentáveis para o uso das técnicas e tecnologias adequadas. O aumento da produtividade (quantidade da colheita por hectare) tem que ver com a investigação agronómica.
A investigação está a falhar?
Na verdade, nisto, o nosso país está atrasado. Hoje, ainda importamos sementes melhoradas e não só. É preciso ter em conta a transição da agricultura tradicional para uma agricultura moderna e comercial, através do uso de técnicas e tecnologias avançadas. Aqui, jogam papel importante as escolas do campo que devem ajudar o camponês a adquirir boas práticas agrícolas, enquanto a mecanização permite alargar áreas cultivadas e aumentar a produção. Neste domínio, ainda estamos fracos. Há um esforço visando a capacitação das associações e cooperativas de produtores familiares, mas ainda há muito por se fazer.
Não acha que o crédito agrícola tem sido um problema constante?
É preciso disponibilizar capital para o fomento do investimento agrícola. Precisa-se trabalhar na facilitação do acesso aos créditos com juros bonificados. A redução dos custos de produção através da subvenção tem por benefício o aumento da capacidade de poupança e a sustentabilidade do ciclo de investimento no sector agro-pecuário.
Os bancos emprestam, mas tem de se pensar no reembolso…
É difícil, mas dá para resolver porque a agricultura tem bons e maus ciclos. Por isso, temos trabalhado com as entidades credoras e os associados para o cumprimento das suas obrigações. Quem deve, deve pagar a quem empresta. É a regra.
Um problema muito badalado tem que ver com as estradas para o escoamento da produção que muitas vezes chega a apodrecer na origem. Qual é a sua apreciação?
O Governo deve apostar seriamente em infra-estruturas de apoio à produção e à comercialização. Obviamente, precisamos de reabilitar as vias de comunicação (estradas principais, secundárias e terciárias), a construção de silos de armazenamento de cereais (por exemplo da Santa Iria, ou da Calenga, no Huambo, só para citar esses exemplos) e de câmaras frigoríficas para os perecíveis, a electrificação rural e os mercados, etc. A combinação destes factores fundamentais permite alavancar a agricultura e a pecuária e, por arrasto, a economia. Em Angola, temos terras e águas abundantes por cadastrar e ao mesmo tempo deficiência de outros factores. Nessas condições, não é possível desenvolver a agricultura e torná-la competitiva.
Com isso, o agronegócio é apenas um sonho?
Entende-se por agronegócio a soma de todas as actividades agrícolas desde fornecimento de insumos, passando pela produção de alimento propriamente dita, até ao armazenamento, processamento e distribuição de produtos agrícolas e artigos produzidos. Há um esforço no fornecimento dos insumos de qualidade, mas o preço é muito elevado. Por exemplo, no mercado, um saco de cinco quilos de sementes de milho melhorado está a ser comercializado a 10 mil kwanzas e 50 quilos de adubo composto NPK adquire-se a nove mil kwanzas ao passo que uma lata de 100 gramas de sementes de tomate custa 10 mil kwanzas. Nesse estado de coisas, como é que vai aumentar a produção? Não é possível!
O país não produz um parafuso, alfaias, ou electrobombas que permitam produzir com o aproveitamento da água dos rios e lagoas na época do cacimbo. Qual é a saída?
Os equipamentos são caros no mercado porque o país nada produz e tem de importar. Por exemplo, uma motobomba simples, de boa qualidade, custa entre 500 a 800 mil kwanzas. Se os custos dos insumos forem altos, o preço de venda dos produtos acompanha a tendência. Isto não ajuda o avanço do agronegócio, porque o poder de compra da população também tende a baixar.
Os ensaios para a montagem de cadeias de processamento de hortícolas como o tomate no Namibe, ou no Kwanza-Sul fracassaram. Isso é ou não um entrave ao agronegócio?
A indústria de processamento e transformação de produtos agrícolas está fraca por falta de matéria-prima e não tem sustentabilidade. O agronegócio enfrenta sérias dificuldades para o seu arranque e desenvolvimento. O Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) entra em vigor em Julho.
Qual é o posicionamento da UNACA?
Com a implementação do IVA, os bens e serviços custarão mais caros e a situação social poderá ‘apertar’, devido à perda do poder de compra. Mas, se o dinheiro arrecadado for bem aplicado, o país vai ganhar e mais rapidamente sentiremos os benefícios desse imposto. De resto, defendemos que o IVA deve ser progressivo e deve mesmo começar com as grandes empresas e depois com as micro, pequenas e médias empresas. Por outro lado, aconselhamos as empresas a organizar a sua contabilidade e a Administração Geral Tributária (AGT), por sua vez, deve continuar a sensibilizar o sector empresarial sobre a necessidade desse imposto.
O país pode um dia voltar a exportar cereais como o milho?
A exportação de milho bem como outros produtos agrícolas necessita que se trabalhe muito para se aumentar a produção e a produtividade que permita a autossuficiência alimentar, primeiro, e, depois, termos excedentes para a exportação. Temos a certeza de que, com o cumprimento das políticas preconizadas pelo Executivo no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018/2022 sobre a produção de cereais até 2022, voltaremos a exportar milho.
Qual é o universo de associados da Unaca?
Actualmente, temos 1.983 cooperativas agropecuárias e 8.129 associações de camponeses com cerca de um milhão de associados. Esses dados são do último cadastramento de 2017.
Já existe há quase três décadas, que balanço faz do desempenho da organização?
Fazemos um balanço positivo, apesar dos constrangimentos financeiros, que nos levaram a restringir acções e a redefinir mais prioritárias de modo a alcançar as metas preconizadas em função da nossa estratégia.
Sendo entidade parceira do Governo, quais têm sido os vossos conselhos?
A Unaca, sendo parceiro do Governo, trabalha sem cessar na realização permanente de diagnósticos da situação socioeconómica da população camponesa e promove sempre encontros de reflexão e de partilha das políticas públicas do sector do cooperativismo e de agricultura cujos resultados são encaminhados ao Governo como propostas e em alguns casos têm sido acatados. Por outro lado, apoiamos a iniciativa visando o retorno dos capitais subtraídos ilegalmente do Estado. O país enfrenta dificuldades de financiamento da economia, por isso, sugerimos que o dinheiro repatriado seja aplicado com maior realce no relançamento da agricultura familiar e na revitalização das associações de camponeses e cooperativas agro-pecuárias. É preciso ter atenção a isso porque esta franja da população é responsável pelo abastecimento de mais 80% do que consumimos. Portanto, garante a segurança alimentar.
O índice de analfabetismo no meio rural não atrapalha os vossos propósitos?
Temos de partir do pressuposto de que o nosso sistema educativo ainda não atingiu a qualidade desejável. Há que valorizar os docentes, criando melhores condições de trabalho tanto nas cidades como no campo. Portanto, o índice de analfabetismo ainda é elevado sobretudo no meio rural, há pessoas que não sabem ler nem escrever o nome. Isto não é normal e dificulta em certa medida a nossa acção. A Unaca, junto das suas cooperativas, está a trabalhar na alfabetização dos camponeses. Se souberem ler e escrever, mais facilmente poderão assimilar as regras de conduta social e o aperfeiçoamento das técnicas de cultiva para o aumento da produtividade e da produção. Logo, se a Unaca está a fazer a sua parte, as universidades e os institutos superiores devem formar as elites intelectuais capazes de conceber e implementar soluções eficazes aos diferentes problemas que o país enfrenta no domínio da agricultura e não só.
Quem trabalha no campo também precisa de saúde…
Ter saúde implica alimentar–se bem, em quantidade e em qualidade, mas também estar próximo das unidades médicas ou hospitalares para ter tratamento em caso de doença. A Unaca está a fazer esforços para educar os associados sobre os princípios da segurança alimentar e nutricional. Isso é incentivar a produção de alimentos que tenham valor nutricional. Por outro lado, o Estado deve instalar centros de saúde funcionais no meio rural. Foi assim na época colonial e tem de ser assim também no país independente. Temos de copiar os bons exemplos. Aliás, o Governo deve criar condições sociais no campo para evitar o êxodo rural dos jovens e a desorganização urbana.
Perfil
Natural do Huambo, Albano da Silva Lussati substituiu no cargo Paulo Uime falecido em 2014. Lussati quer que o Governo conceba e implemente a avaliação de programas e projectos com a participação activa dos beneficiários, ao mesmo tempo que pede “mais celeridade” na implementação e na avaliação do ‘Programa integrado de desenvolvimento rural e de combate a pobreza’ para que tenha impacto na vida dos camponeses.
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