A Síria no fio da navalha
CONFLITO. Depois do Iraque, Bósnia, Afeganistão, Líbia, o mundo enfrenta nova ameaça de entrar em guerra. De novo, o petróleo e posições geográficas estratégicas estão no centro do furacão.
A história repete-se. A invasão norte-americana ao Iraque, em 2003, e apoiada pelos aliados, foi justificada pela alegada instalação de armas de destruição em massa. Depois dos ataques, provou-se que Saddam Hussein nunca mandou construir, nem o país tinha essa capacidade, esse armamento. Morreram mais de 500 mil civis e três mil soldados norte-americanos, mas a indústria militar dos EUA e do Reino Unido obteve lucros que ultrapassaram os 800 mil milhões de dólares.
Quinze anos depois, o alegado uso de armamento químico, na Síria, volta a levantar os ‘fantasmas’ de uma guerra com os EUA e a Rússia a entrarem numa escalada verbal. O mesmo ‘filme’ já foi visto antes das guerras na Bósnia, no Afeganistão e na Libia. No Twitter e em declarações à imprensa, Donald Trump ameaçava atacar Bashar Al-Assad, “em breve”, mas sem especificar datas. A Rússia ripostava com um sério aviso aos EUA de que os dois países entrariam em guerra, caso os “norte-americanos tentassem invadir a Síria”. No Reino Unido, sexta-feira, estava reunido o Conselho de Guerra sob ordens da chefe do governo, Theresa May. Tanto no Iraque como na Síria, as verdadeiras causas da guerra passam pelos ganhos económicos e pelas vantagens dos dois países com posições geográficas estratégicas. Como ‘pano de fundo’, surgem as divergências religiosas e interesses dos radicais islâmicos. O Iraque tem as maiores jazidas de petróleo do mundo. A Síria, além do petróleo, é o maior ‘condutor’ de gás do planeta.
O conflito começou em 2011 quando muitos sírios resolveram, aproveitando a ‘onda’ da ‘primavera árabe’, afrontar nas ruas o poder de Bashar Al-Assad que tinha sucedido na presidência ao pai, Hafez, em 2000. Os altos índices de desemprego, a corrupção e as constantes violações à liberdade foram os pretextos. O clima agravou-se quando a polícia reprimiu os manifestantes, usando a força letal. Apoiantes da oposição começaram a surgir com armas e, de imediato, os EUA colocaram-se contra Assad, enquanto o presidente sírio lamentava ser vítima do “terrorismo islâmico”. De facto, Al-Assad, sunita, sempre desprezou a maioria da população xiita de onde parte grande parte do radicalismo islâmico, liderada pelo Daesh. Mas a guerra na Síria tem ainda outros contornos. A população curda que luta pelos seus direitos, dominando a região mais rica em petróleo. Foram os militares curdos, apoiados pelos EUA, que reconquistaram cidades dominadas por radicais e onde tinham as maiores jazidas de petróleo, na província de Deir ez-Zor. São estas conquistas que o curdos querem manter, mesmo que acabe a guerra. Mas, para isso, precisam de derrubar Bashar al-Assad, o presidente que é apoiado pela Rússia, de Vladimir Putin.
A batalha pelos recursos marca assim toda a estratégia e coloca o mundo à beira de uma guerra. Perante mais de 80 por cento dos recursos petrolíferos nas mãos dos radicais islâmicos, o exército sírio lançou uma ofensiva, na semana passada. A tal que foi acusada de ter usado armas químicas. Por outro lado, desencadeou ataques contra os opositores do governo que também dominam parte do território.
Os EUA afinam os mísseis e contam com o apoio de quase todo o mundo ocidental, a começar pelo Reino Unido e ainda pela Turquia e Arábia Saudita. Mas conta com a forte oposição da Rússia e do Irão, os mais fiéis apoiantes de Bashar al-Assad. Os russos, que sempre tiveram bases militares na Síria, nunca negaram apoio ao presidente sírio. O Irão enviou soldados e mais de quatro mil milhões de dólares em ajuda. Milhares de muçulmaos, treinados e financiados por iranianos, lutam ao lado do exército.
Os rebeldes contam com o apoio da Turquia, porque também quer travar a ascensão curda, e contam com o dinheiro da Arábia Saudita, que pretende parar a influência iraniana.
De inspecção em inspecção
É neste caldo internacional que se movimenta a diplomacia agora, de novo, em intensa troca de acusações. Os EUA e o Reino Unido insistem que al-Assad usou armas químicas. O governo sírio responde que foi encontrado armamenro da NATO nos bastiões dos chamados ‘terroristas’ islâmicos.
Tal como aconteceu no Iraque, em 2003, e na Libia, em 2011, a comunidade internacional prepara-se para entrar numa guerra. E tal como no Iraque, haver ou não invasão dos EUA depende de duras conversações.
Washigton, através do secretário da Defesa, Jim Mattis, afirma “acreditar” que houve um ataque químico e que até há indicações disso, mas que admitindo que procura provas. A estação de televisão NBC citava peritos dizendo que encontraram vestígios de cloro e um gás de nervos no sangue e urina das vítimas do ataque.
Por outro lado, a Rússia nega o ataque, assegurando que as tropas russas tinham entrado em Douma, a cidade atingida, e que não encontraram quaisquer provas. O ministro russo dos Negócios Estrangeiros acusou mesmo um país “russófobo” de ter “encenado o ataque”.
Em França, o presidente Emmanuel Macron assegura haver provas, mas salvaguarda que uma intervenção francesa necessitaria de “todas as verificações”.
A Organização Mundial de Saúde contabilizou 500 pessoas potencialmente afectadas com sintomas “consistentes com a exposição a químicos tóxicos” e, por isso, pediu a Damasco o acesso a inspectores.
Uma possível entrada de inspectores pode demorar tempo, prevêem analistas internacionais, o que leva, de novo, ao exemplo do Iraque. Foram meses entre visitas de inspectores e relatórios inconclusivos até à invasão dos EUA.
BCI fica com edifício do Big One por ordem do Tribunal de...