ANGOLA COM PIORES REGISTOS DA UNICEF

Água potável continua rara para metade das famílias

RECURSOS HÍDRICOS. Necessidades do ‘precioso líquido’ abrangeram apenas 284.184 pessoas, tendo atingido 47% dos agregados familiares, no ano passado. Governo pretende atingir uma taxa de cobertura urbana de 95% e rural de 85%, até 2025, em matéria de abastecimento de água.

Agua

O número de angolanos sem acesso à água potável continua expressivo, com os dados mais recentes a indicarem que quase metade dos agregados familiares (47%) não tem acesso a fontes de água apropriada para beber, quando as necessidades abrangeram apenas 284.184 pessoas, no ano passado.

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pouco mais da metade dos agregados familiares (53%) tem acesso a fontes de água potável, sendo 67% nas áreas urbanas e 32% nas áreas rurais. Dentro de casa, o acesso é igualmente deficiente e afecta 19% dos agregados nas zonas urbanas e 43% nas zonas rurais.

Embora a UNICEF considere ter havido uma evolução no acesso à água em Angola, que aumentou 12 pontos percentuais, passando de 42% para 54%, no período entre 2008/2009 e 2015/2016, a grande expectativa das principais organizações internacionais, nomeadamente a ONU, continua a ser a de que todas as pessoas possam ter acesso à água potável e saneamento até 2030.

Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), Angola tem também os piores registos, embora os dados existentes sejam fundamentalmente referentes aos últimos três anos.

A sustentar este quadro está um outro relatório do Programa Conjunto de Monitorização das Nações Unidas, elaborado pelo UNICEF e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em que são analisadas, até 2016, a água potável, saneamento e higiene em mais de 200 países e territórios.

O documento faz a comparação entre a evolução registada em cada um dos nove países da CPLP - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste - entre 2000 e 2015, tendo em conta o respectivo aumento da população.

Segundo o estudo, à excepção de Portugal (com 0% já em 2000) e Brasil (que baixou de 1% em 2000 para 0% em 2015), todos os restantes países, em maior ou menor escala, ainda têm bolsas da população que só conseguem obter água a mais de 30 minutos do local de residência.

Angola, com 16% da população, e Guiné-Equatorial, que também continua com 2%, são os dois Estados que mantiveram os números estatísticos entre 2000 e 2015. Diferentes dados, mas para pior, foram, no mesmo período, registados em São Tomé e Príncipe (de 13% para 15% da população), Moçambique (subiu de 5% para 14% da população) e na Guiné-Bissau (de 4% para 5%).

Cabo Verde desceu, em 15 anos, de 11% para 10% da população nessas circunstâncias, enquanto Timor-Leste conta com 6% do total dos habitantes com a necessidade de ir buscar água a mais de 30 minutos dos locais de residência.

Em termos de objectivos, Angola pretende, no entanto, atingir uma taxa de cobertura urbana de 95% e rural de 85%, até 2025, em abastecimento de água. Já para o sistema de saneamento, as metas são as de atingir, até 2025, uma taxa de cobertura urbana de 80% e rural de 65%, segundo os dados do Instituto Nacional dos Recursos Hídricos (INRH).

30% sem água

De acordo com os mais recentes dados do Conselho Mundial da Água (CMA), que junta mais de 300 entidades de 50 países, mais de 923 milhões de pessoas, no mundo, não têm acesso à água potável, das quais 319 milhões moram na África subsaariana (32% da população), 554 milhões na Ásia (12,5%) e 50 milhões na América do Sul (8%), situação responsável pela morte de 4.500 crianças por dia.

Entre estas regiões, a Papua Nova Guiné tem a menor disponibilidade, com apenas 40% da população a ter acesso à água potável, seguindo-se a Guiné-Equatorial com 48%, Angola com 49%, Chade e Moçambique com 51%, a República Democrática do Congo e Madagáscar com 52% e Afeganistão com 55%”.

Devido à gravidade da situação, o CMA emitiu um comunicado, por ocasião do Dia Mundial da Água, a alertar todos os governos para a urgência de resolver este problema, tendo realçado que “o custo total da insegurança da água para a economia global é avaliado em 500 mil milhões de dólares”.

Mas, acrescenta, no entanto, que, se for incluído nestes custos o impacto ambiental, aquele valor pode aumentar para 1% do Produto Interno Bruto (PIB) global.

A organização alerta ainda que, além do custo económico, a falta de água potável está relacionada com doenças que causam 3,5 milhões de mortes por ano, mais do que as causadas por acidentes de viação e pela sida, em conjunto.

Entre outras consequências, pode também contribuir para a fome, guerras e migrações “irregulares e descontroladas”, havendo uma “absoluta necessidade” de aumentar a segurança da água para ultrapassar os desafios colocados pelas alterações climáticas e pelos efeitos da acção humana. O CMA encoraja, por isso, “os governos e os cidadãos a aumentarem a segurança hídrica nos seus países, assim como a prestarem auxílio às nações com maiores dificuldades, nomeadamente na África subsaariana e na Ásia”.

Nas contas do CMA, é necessário um investimento anual de cerca de 650 mil milhões de dólares, até 2030, para garantir a concretização das infra-estruturas necessárias para alcançar a segurança universal da água.

Angola prevê, no entanto, efectuar um investimento de até 110 mil milhões de dólares até 2040, segundo dados oficiais avançados pelo Instituto Nacional de Recursos Hídricos (INRH) para aplicar em infra-estruturas, apoio ao investimento público e privado, entre outras acções.

Enquanto isso, o CMA alerta que, todos os anos, uma em cada cinco crianças com idade inferior a cinco anos, morre prematuramente devido a doenças relacionadas com a água e quase 40% da população mundial já enfrenta problemas de escassez e pode aumentar para 66% em 2025 a que acresce cerca de 700 milhões de pessoas a viver em áreas urbanas sem instalações sanitárias seguras, acrescenta a organização.

POTENCIALIDADES E CONFLITOS

Vários estudos elaborados quer por instituições do Governo, quer por estudiosos atestam que Angola possui uma extensa e complexa rede hidrográfica com 47 bacias principais, tendo, praticamente, todos os principais rios as suas nascentes no interior com excepção dos rios Zaire ou Congo, Zambeze e Chiluango.

O biólogo Carlos Andrade defende na sua obra sobre a gestão dos recursos hídricos nacionais que o país possui, de facto, consideráveis potencialidades hídricas quer superficiais, quer subterrâneas.

E destaca que a actual utilização da água em Angola assume, ainda, “reduzidas proporções, sendo que os esquemas de irrigação à grande escala não estão ainda desenvolvidos e o parque industrial só agora começa a ser restaurado”.

Este quadro, segundo o autor, deverá no médio e longo prazos aumentar consideravelmente a procura dos recursos hídricos, “sendo de extrema importância o estabelecimento de mecanismos que permitam uma gestão integrada”, de forma a salvaguardar a sua utilização sustentável a longo prazo”.

A procura pela água já começa a atingir níveis alarmantes em alguns pontos do país, nomeadamente no Sul, onde a escassez é cada vez mais frequente devido, sobretudo, ao fenómeno da seca. Recentemente, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (UNOCHA) alertou a existência de 700 mil pessoas em risco de vida devido à falta de água potável no Sul de Angola.

A organização sublinhou, na altura, que uma das causas, que começa a ser frequente na região, é a inoperacionalidade de um terço de todos os pontos de água potável nas zonas mais afectadas pela seca.

Um dos factores determinantes para a deterioração das condições de vida no sul, nomeadamente no Cunene, Kuando Kubango, partes da Huíla e do Namibe, é, segundo esta organização, o fenómeno meteorológico ‘El Niño’, que há vários anos é responsável pela seca que afecta o sul do continente africano, gerando extremas dificuldades alimentares em países como a Namíbia, Botsuana e África do Sul.

Em Novembro, circularam várias notícias dando conta que a estiagem que afectou os Gambos, na Huíla, provocou a transumância do gado, obrigando-o a deslocar-se algumas vezes mais de 50 quilómetros para encontrar pasto e água.

A situação chegou a causar conflitos entre pastores de gado que habitam a região devido à disputa da água, sendo que aquele cenário fez com que algumas zonas recebessem constantemente manadas de gado provenientes das províncias vizinhas do Cunene e do Namibe que também enfrentavam, na altura, a mesma situação, sobretudo em Xangongo e Curoca.