Angola vota pela quarta vez
ELEIÇÕES. VALOR faz uma breve introspecção aos três processos eleitorais já realizados e ao que acontece nesta altura em Angola, os quais atestam a realidade de um país que consolida a sua experiência democrática.
Quando, às 19:04 do dia 31 de Maio de 1991, o Presidente da então República Popular de Angola e o líder do movimento guerrilheiro UNITA apertaram as mãos em Bissesse, Portugal, o senso comum acreditava que estavam lançadas as bases não apenas para o fim do conflito civil, mas, também, para a abertura do país ao sistema democrático. Naquele dia, José Eduardo dos Santos e Jonas Malheiro Savimbi assinaram quatro documentos que conformavam o Acordo de Bissesse, que deveria selar 16 anos de guerra civil. O cenário internacional, na altura, era dominado por avanços de processos democráticos, com Angola a ser a última das cinco ex-colónias portuguesas a preparar-se para legitimar outros partidos que não apenas o MPLA-Partido do Trabalho.
Apenas houve um interregno no conflito, que, entretanto, permitiu a implementação de uma série de políticas e medidas adicionais que culminaram com a realização das primeiras eleições na história do país. O facto atestava o reforço da jovem democracia nacional mediante convocação periódica dos cidadãos às urnas.
O leitor poderá avaliar o desempenho de todos os concorrentes através do gráfico que o VALOR publica nesta edição. O processo eleitoral, em Setembro de 1992, marcou o início, mas, nesse mesmo ano, atropelou-se o acordo de paz que tinha sido assinado exacto um ano antes.
As primeiras eleições legislativas e presidenciais decorreram em Setembro de 1992 com 18 partidos, 12 dos quais conseguiram chegar à Assembleia Nacional. Estiveram registados nesse ano 4.828.626 eleitores, ou seja, metade dos que estarão aptos para votar dentro de dois dias. Com o país a digerir ainda o retumbante acontecimento político-militar que deveria marcar o fim da guerra fratricida daquele número de eleitores registados 4,1 milhões votaram nas legislativas e 4,3 milhões para eleger o Presidente da República. A Constituição de então estabelecia eleições simultâneas, mas separadas ao mesmo tempo.
Entre outros aspectos, o pleito em 1992 catapultou para a alta-roda da política nacional os líderes do Partido para a Democracia e Progresso- Aliança Nacional Angolana (PDPA-ANA), Nfulumpinga Lando Victor, e do Partido Liberal Democrático (PLD), Anália de Victória Pereira. Ambos ja falecidos, notabilizaram-se pela defesa acutilante das suas ideias. Tanto é que o antigo deputado e dirigente do MPLA Lopo do Nascimento, durante um discurso, há quatro anos, em que anunciava a sua retirada voluntária da política activa, apontou o primeiro como um dos três parlamentares que mais o haviam marcado durante a sua passagem pela casa das leis.
O fim definitivo do conflito civil angolano, em Abril de 2002, desvia as preocupações para questões políticas, económicas e de desenvolvimento. A legitimação das instituições por meio do voto salientava-se não apenas nos discursos da oposição mas, também, do próprio poder. Mas foram necessários seis anos até que os angolanos fossem convocados novamente às urnas. Aconteceu nos dias 5 e 6 de Setembro de 2008, no que foram as segundas eleições na história da jovem nação que tentava reerguer-se de 27 anos de uma guerra altamente destrutiva.
Venceu o MPLA, como era de esperar. Não se sabe ao certo se, por consequência da guerra ou por falta de pujança eleitoral, a UNITA, principal força da oposição desde sempre, saiu do pleito fortemente penalizada e chamuscada ao garantir apenas 18,66 por cento dos votos, traduzidos em 16 deputados (70 em 1992).
Dois anos depois, no mês de Janeiro, o MPLA valeu-se do domínio maioritário no palácio da Rua 10 de Dezembro para fazer aprovar uma nova Constituição que derrubava o princípio de eleição directa do Presidente da República. O instrumento ficou informalmente conhecido como ´Constituição atípica´, referência usada pela primeira vez por José Eduardo dos Santos no Palácio da Cidade Alta, numa conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo sul-africano, Jacob Zuma. O Chefe de Estado projectava, então, os contornos da lei magna que condicionava a participação de qualquer angolano a PR à liderança da lista do respectivo partido.
A ´atipicidade´ é testada pela primeira vez em 2012, ano em que se realizam as terceiras eleições. O MPLA e o seu candidato vencem. A UNITA conserva o estatuto de segunda força política, registando mais votos em 15 províncias em relação aos demais concorrentes, com excepção da Lunda-Sul, Namibe e Kwanza-Norte. O partido de Isaías Samakuva teve o seu melhor resultado na província central do Bié, onde conquistou 36,21 por cento dos votos.
Essas eleições fazem também emergir uma nova força parlamentar no cenário político nacional, que é a Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral (CASA-CE), constituída seis meses antes do pleito mas que passou a terceira força dominante na Assembleia Nacional.
Liderada por Abel Chivukuvuku, que, entretanto, batera com a porta na UNITA, a CASA-CE reunia figuras sonantes de vários segmentos domésticos, como Lindo Bernardo Tito (ex-PRS), André Mendes de Carvalho (ex-almirante da Marinha de Guerra de Angola e filho do aclamadoveterano do MPLA Agostinho Mendes de Carvalho ´UaengaXitu´), Sebastião André (ex-Pajoca), William Tonet (director e dono do semanário Folha 8 e líder do apagado Amplo Movimento do Cidadão-AMC), Cesinanda Kerlen Xavier (activista cívica e ex-esposa de Paulino Pinto João, antigo dirigente do MPLA e presidente de um pequeno partido), entre outros. São estes que emprestaram prestígio e visibilidade à plataforma, para além de que ajudaram a garantir um nível de penetração e aceitação em importantes franjas da população angolana. Mas analistas atribuem mesmo o seu crescimento notório à popularidade e carisma do seu líder.
No Kwanza-Norte, a CASA-CE reclamou a segunda posição do quadro geral de votação, arrebatando 4,93 por cento dos votos, à frente da UNITA. Mas foi em Cabinda onde ampliou a conquista do eleitorado, ao abocanhar 13,92 por centos dos votos. No Bié, terra natal de Chivukuvuku, não foi além de 0,97 por cento.
O PRS terá sido o grande derrotado nesse ano. O partido chefiado por Eduardo Kwangana perdeu cinco assentos em relação ao pleito de 2008. Os ´federalistas´ obtiveram a sua melhor votação na Lunda Sul, com 24,46 por cento dos votos válidos, mas no Cunene asseguraram uns meros 0,39 por cento.
Depois da morte de Álvaro Holden Roberto, a FNLA entrou em colapso. De terceiro partido mais forte no país, passou para a quinta posição na actual legislatura, com um único deputado, fruto, sobretudo, dos resultados (2,94 por cento) na província do Zaire, bastião do seu fundador. Teve o desempenho mais baixo no Cunene, com 0,5 por cento).
O MPLA detém 175 deputados no actual Parlamento, fruto dos 71,84 por cento dos votos que a CNE lhe declarou nas eleições de 2012, sendo que a oposição parte, manifestamente, desejosa de garantir o maior número de assuntos possíveis e reduzir o poderio esmagador do rival.
As prioridades económicas do futuro PR
Angola parte para mais um processo eleitoral, num contexto macroeconómico de ‘difícil’ gestão para o futuro Presidente da República, perante a crise ecoómica instalada desde meados de 2014.
Para o economista António da Conceição, o futuro PR vai ter a “espinhosa missão” de resgatar diferentes ajustamentos estruturais na economia nacional, porque vai herdar uma situação económica desfavorável perante as expectativas dos eleitores.
“A China, como a segunda maior economia do mundo e principal destino das nossas exportações, tende a abrandar até 2020 o interesse pela procura do petróleo angolano. Os observadores apontam para uma redução na ordem dos 50%”, assinala o especialista, reforçando que, diante deste cenário, “o futuro Presidente terá de se preocupar com o nível de produtividade da economia nacional”, aplicando reformas administrativas que impulsionam o crescimento económico.
Angola não pode continuar a ter uma produção que não cria vantagens comparativas face às outras economias, defende António da Conceição, reforçando que o país tem de reduzir drasticamente o custo estrutural da economia. E esse desafio, segundo argumenta, só deverá ser vencido com a substituição da importação através de medidas de proteccionismo. “Isso vai estimular a produção interna e dar algum músculo na capacidade interna”, defende.
Para o economista, o alargamento da base tributária é outra das prioridades a ter em conta para a criação de riqueza interna. António da Conceição lembra que, ao longo dos 15 anos de paz, a economia nacional não mudou o modelo de crescimento, continuando centrada e dependente da exportação do petróleo.
“Estamos numa era, em 2017, que deve ser o marco da viragem deste modelo de crescimento. Temos, nesse momento, capacidades e ainda bem que há um investimento forte e visível e que está a ter resultados, como as barragens. A produção hídrica de energia deve ser o motor para estimular os pólos de desenvolvimento industrial, nomeadamente nas zonas economicamente avantajadas como Luanda, Benguela, Cabinda, Huambo que podem servir de mola impulsionadora para essa produção interna, para a auto-suficiência e o excedente podermos exportar”.
ANTECEDENTES
O quadro actual, no entanto, faz lembrar de certa forma o que ocorreu em 1992, ano em que se realizaram as primeiras eleições gerais no país. O facto mais relevante de então foi o da transição para a economia de mercado, após a adesão de Angola ao FMI e ao Banco Mundial em 1984 e de ter sido aprovado o SEF (Programa de Saneamento Económico e Financeiro).
A taxa média anual do PIB, neste período, foi negativa e estimada em -3%, com a crise económica posterior (1993 e 1994), a fazer regredir o PIB em 21% e 20%, respectivamente. Foi também a fase da hiperinflação em Angola, com registos de 1837% em 1993, 971,9% em 1994 e 3.784% em 1995, estando o preço médio mensal do barril de petróleo fixado em 18,3 dólares, segundo os dados do Centro de Estudo (CEIC) da Universidade Católica de Angola.
Entretanto, o período que antecede às eleições legislativas de 2008 é marcado por uma “fantástica dinâmica de crescimento do PIB”, ainda que de muito menor intensidade do que aquela que o Governo ia anunciando. No período entre 2002 e 2008, o país beneficiou de significativas receitas da exportação do petróleo e de receitas fiscais com a mesma origem, calculadas em cerca de 190 mil milhões de dólares para as primeiras e de 107,3 mil milhões para as segundas, com os investimentos públicos em infra-estruturas a ascenderem a 27,4 mil milhões de dólares.
De acordo com os dados do CEIC, foi nesse período que se registou o maior crescimento do PIB, em 40 anos de independência, sendo 15%, em 2005 e 14% em 2007.
Entre 2009 e 2010, o acontecimento mais marcante foi a grande crise financeira e económica internacional que deixou o país de rastos e que ainda hoje influencia o comportamento do PIB. Depois de um intervalo entre 20011 e 2012, uma nova crise instalar-se-ia em meados de 2014, com uma queda do preço médio do barril, entre Junho e Dezembro daquele ano, de 44,2% implicando a obtenção de uma taxa média de variação do PIB de apenas 4,1%. O preço médio do petróleo nos dois anos anteriores a 2014 foi de 107,6 dólares por barril, um contraste com o que acontece nos anos subsequentes, com o preço do barril do petróleo a fixar-se nos 56,9 dólares, em 2015, uma média de preço que se mantém até hoje com pequenas oscilações.
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