Conseguirá África resistir ao COVID-19?
África não está ser tão atingida quanto muitos esperavam, pelo menos até agora. Embora o número de países afectados no continente tenha subido para 43, o vírus não parece estar a alastrar tão rapidamente como noutros lugares.
Alguns cientistas pensam que isto se deverá em parte a uma questão climática. Um estudo concluiu que o vírus COVID-19 poderá ser menos estável em temperaturas mais elevadas, com a temperatura óptima para a transmissão a rondar provavelmente os 8,72 °C. As temperaturas na maioria dos países africanos raramente descem abaixo dos 15 °C. Isto não significa que o vírus COVID-19 não possa ser transmitido em climas mais quentes, apenas que poderá ser mais simples contê-lo nessas regiões.
Mas ainda subsistem outros desafios sérios à contenção, começando pelo facto de o COVID-19 apresentar um período de incubação superior ao da constipação comum (um outro coronavírus) e de os indivíduos assintomáticos serem contagiosos. Embora as pessoas sintomáticas sejam mais contagiosas, e este ser aparentemente o mecanismo principal para a propagação do vírus, as pessoas assintomáticas representam um perigo significativo, porque existe menor probabilidade de que limitem as suas interacções. Isso dificulta grandemente o rastreio da transmissão.
Depois existe a questão da gravidade. Embora a maioria dos casos de COVID-19 se caracterize por sintomas ligeiros e moderados, a gravidade do vírus aumenta de forma acentuada para idosos e para quem tem problemas de saúde pré-existentes, como afecções cardiopulmonares e diabetes.
Sendo o continente mais jovem do mundo, com uma idade média de 18 anos (menos de metade da idade média na Europa), África poderá ter menos motivos para preocupação em termos de gravidade. Não é coincidência que a taxa de mortalidade em Itália – que tem uma idade média de 47,3 – tenha atingido os 9%, comparativamente a uma média global de 3,4%.
Em termos de problemas de saúde pré-existentes, porém, África encontra-se numa posição muito mais precária. Embora as doenças não transmissíveis, como a diabetes, estejam tradicionalmente associadas aos países desenvolvimentos, existem provas de que estão a proliferar em África. Além disso, África é assolada por dois outros problemas – o VIH (o vírus que causa a sida) e a tuberculose (TB) – que podem representar sérios riscos para as pessoas infectadas com o COVID-19.
Na África Subsaariana habitam cerca de 70% das pessoas que vivem com o VIH em todo o mundo e 25% dos novos casos de TB (a principal causa de morte entre pessoas infectadas pelo VIH) ocorrem em África. Como o VIH e a TB não estão difundidos nas regiões até agora mais fustigadas pelo coronavírus, não existem muitos dados sobre as implicações para os infectados com o COVID-19. Mas parece ser razoável presumir que as pessoas com VIH e/ou TB terão maior risco de desenvolver formas graves do COVID-19.
Podem existir alguns motivos para esperança: alguns países estão a avaliar a eficácia de determinados medicamentos anti-retrovirais contra o COVID-19. Se funcionarem, será um grande alívio para os africanos. Mais de 60% das pessoas com VIH positivo na África meridional e oriental – as regiões mais afectadas pelo VIH – já se encontram em tratamento anti-retroviral.
Mas os resultados encorajadores estão longe de ser garantidos. E mesmo que o fossem, quase 40% da população VIH-positiva na África meridional e oriental (num total de 20,6 milhões de pessoas) ainda estaria altamente vulnerável.
Um último risco importante para África associado à pandemia do COVID-19 reside na debilidade dos sistemas de saúde. Se o vírus conseguiu derrubar um sistema de saúde moderno num país desenvolvido como Itália, não há modo de prever o que aconteceria num país africano com um sistema de saúde que já esteja enfraquecido e desprovido de meios.
Como a rápida propagação global do COVID-19 deixa bem claro, este problema não é exclusivo de África. Se o vírus entrar no continente, poderá voltar a ser transmitido para o resto do mundo, criando novos surtos em países que o já tenham controlado. A única solução consiste em fazer com que intervenientes externos colaborem com os governos africanos para resolver debilidades essenciais, antes que seja tarde demais.
Médico virologista e chefe executivo da Rede da África Subsariana para Excelência em Pesquisa em TB e HIV. Foi bolseiro do Aspen New Voices.
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