Economia angolana mais ‘ameaçada’, com xisto a caminho da Ásia
PETRÓLEO. Dois dos principais ‘mestres’ da análise do sector petrolífero nacional, o CEIC e o FMI, antecipam dias “arrasadores” e menos dinheiro para o Governo “corrigir o que está mal”, com a intenção dos norte-americanos em despachar um xisto “mais barato e menos poluente” na Ásia. Analista do BPI e um gestor de peso sugerem novas estratégias.
Angola pode ver pressionada, no curto ou médio prazo, a sua relevância no mercado petrolífero asiático, se o plano dos norte-americanos de ‘injectar’ gás de xisto por toda a Ásia se efectivar, no que constituiria um “grave risco” com impacto na redução das receitas de petróleo para “mínimos assustadores”, alertam ao VALOR vários analistas e ‘mestres’ da indústria petrolífera nacional.
A levantar esta possibilidade está o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN) e o ‘mestre’ José Oliveira, que, nas suas análises, já antevêem “desafios” e “cenários arrasadores” para o país, agora sob a gestão de João Lourenço, que tem no petróleo a principal fonte de sustentação do Orçamento Geral do Estado (OGE).
Para o FMI, se as receitas petrolíferas angolanas caírem, com a entrada do xisto na Ásia, adensam-se por efeito as necessidades de financiamento. “Evidentemente seria um desafio devido a ainda alta dependência da economia e do Orçamento nos recursos do petróleo”, avisa o Fundo, pela voz do seu representante em Luanda, Max Alier.
Há duas semanas, os peritos da indústria petrolífera dos Estados Unidos da América (EUA) levantaram a possibilidade, na 33.ª conferência Ásia-Pacifico, de o gás de xisto – “um petróleo leve e barato de se produzir” – ser vendido no actual maior mercado importador e consumidor de energia do mundo, a Ásia.
Até Dezembro do ano passado, os EUA importaram aproximadamente 10,1 milhões de barris de petróleo por dia, com origem em cerca de 70 países. Do total comprado, incluem-se o petróleo bruto, o gás natural, gases refinados liquefeitos, outros refinados do petróleo, designadamente gasolina e combustível diesel, além de biocombustíveis, incluindo o etanol e biodiesel, de acordo com a agência EIA, organismo que gere informações do Governo dos Estados Unidos sobre o sector energético.
No mesmo período, a maior potência económica mundial exportou cerca de 5,2 milhões de barris de petróleo por dia, para 101 países, maior parte dos quais já sob forma de produtos refinados do petróleo, apesar de não vir expresso quanto de xisto saiu do país.
O ‘top Five’ dos países compradores do petróleo norte-americano é liderado pelo México e Canadá, que absorvem cada um 17% do total de petróleo despachado para fora. Nos cinco mais, integram ainda a Holanda (6%), Brasil (5%) e o Japão (5%), o único destino asiático nos ‘BigFive’ (Ver mapa gráfico ao lado).
ANGOLA: 2.º MAIOR VENDEDOR PARA A ÁSIA…
De acordo com um estudo recente da agência financeira Bloomberg, Angola ‘despacha’ para Ásia, com destaque para a China, à volta de um terço do seu petróleo, movimentação que coloca o país no segundo lugar dos produtores que mais vendem ao ‘império do meio’, depois da Rússia.
Só de Janeiro a Dezembro do ano passado, a China comprou 62,7% de todo o petróleo angolano, precisamente 127.821.300 barris de petróleo bruto, segundo o mesmo estudo da Bloomberg citado ao VALOR pelo investigador angolano e ex analista de projecto do Banco Português de Investimento (BPI), Ivan Negro.
Se o negócio entre os norte-americanos e consumidores asiático avançar, com a venda de xisto, Ivan Negro não tem dúvida de que Angola e os seus pares da OPEP estejam “perdidos”, a avaliar pela quantidade de petróleo que a China compra e pela “não diversificação de mercados”, por parte dos membros da organização.
“O mercado será invadido pela tecnologia de xisto e isto colocará a OPEP e Angola em condição de absoluta subordinação comercial e dificuldade financeira, em especial na captação de recursos financeiros”, adverte o analista, no que é seguido pelo economista e investigador do CEIC Alves da Rocha, que não esconde o impacto do negócio do xisto na Ásia sobre Angola.
PERDE INFLUÊNCIA
Para Alves da Rocha, caso o xisto ‘fure’ no mercado asiático, Angola terá de se adaptar às reacções do mercado de petróleo, “porque não tem nenhuma possibilidade de o influenciar”. Este perito e investigador vai mais longe e diz que o país, agora sob presidência de João Lourenço “é apenas um observador e não um ‘player’” no circuito petrolífero mundial.
“Se as vendas do petróleo de xisto dos Estados Unidos também englobarem a China, a posição de Angola, enquanto fornecedor deste produto de base, vai sair fragilizada, ainda que dependente da quantidade de petróleo de que a China necessite para manter a sua máquina económica em funcionamento e garantir mais crescimento económico, neste mercado”, antevê o director do CEIC.
Assim, o “efeito esperado será a diminuição do preço [do petróleo] com diminuição de quantidades, um efeito arrasador sobre as finanças nacionais”, alerta Alves da Rocha, apontando para uma economia cada vez mais dependente das movimentações e não da produção doméstica.
NECESSIDADE PARA NOVOS MERCADO
Porque a ‘invasão’ dos EUA à Ásia é uma certeza, há entre os especialistas do sector petrolífero quem desenhe novas alternativas para a OPEP, sobretudo para Angola. É o caso do ‘mestre’ José Oliveira, que considera a diversificação de mercado a saída para os principais fornecedores daquele continente – Médio Oriente, Rússia e África, com Angola incluída.
Acontecendo o negócio americano na Ásia, hoje maior mercado importador do mundo, os habituais fornecedores do continente deverão direccionar parte do seu petróleo para outros mercados, como o Europeu e o próprio mercado americano e sul-americano, defende José Oliveira.
Apesar do risco, o estudioso minimiza os impactos para Angola devido às características do petróleo produzido pela indústria de Luanda. “Angola não deve ser muito afectada com exportações americanas para a Ásia, porque as nossas ramas são diferentes e muito usadas e apreciadas nos vários importadores asiáticos”, suaviza José Oliveira.
Visão idêntica tem o consultor financeiro Galvão Branco, que entende a relação Angola-China mais de “vantagens recíprocas” do que ganhos unilaterais, a olhar para as linhas de crédito e demais compromissos entre Luanda e Pequim, apesar de reconhecer a forte competitividade do gás de xisto.
“Estou em crer que, em relação a Angola, decorre a situação de que os fornecimentos de petróleo à jChina, são essencialmente para colateralizar as linhas de crédito que são concedidas ao nosso País e que a sua materialização é do interesse mútuo e com vantagens recíprocas”, minimizou o dono da GB-Consultores, afastando, para já, risco à economia nacional.
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