Da lei seca aos impostos

'Efeito-cobra' e os fracassos económicos

14 Jul. 2021 Emídio Fernando Gestão

INSUCESSOS. Lei seca nos EUA, caça às cobras na Índia, proibição de carros no México e um imposto para todos em Inglaterra são algumas decisões históricas... mas fracassadas. Economistas chamam 'efeito cobra'.

TAXA ÚNICA FAZ CAIR UM GOVERNO

Não foi falta de aviso. Nem falta de protestos a contestar a decisão. Em 1989, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher decidiu avançar com a criação de um imposto. Era chamada 'dama-de-ferro' e quis fazer jus ao nome.

Publicou o chamado 'Poll Tax', um imposto comunitário, apresentado como uma forma 'democrática' de cobrar. Era uma taxa única, cobrada por 'cabeça', ou seja, todos pagavam independentemente do seu rendimento ou da sua capacidade económica.

A ideia era substituir o imposto sobre imóveis, uma espécie de Imposto Predial Urbano (IPU), cobrado em Angola. Mal a taxa começou a ser aplicada na Escócia, já se adivinhava o que iria dar: uma forte contestação.

No restante Reino Unido, provocou uma resistência que não se ficou simplesmente pelos protestos de rua. A população recusava-se a entregar documentos e quem aceitou pagar acumulou kilápis.

Margaret Thatcher acabou por cair, menos de um ano depois, quando a contestação chegou ao próprio partido. Por entre traições políticas, deu lugar a John Major.

Lei seca, paraíso da máfia

Um estudo encontrou as razões para a pobreza, o mau desempenho profissional e a violência: o álcool. A bebida alcoólica era apontada ainda por líderes religiosos como a 'mãe de todos os males. Depois de relatórios exaustivos, com argumentos adicionais de que a cerveja e o vinho eram produtos estrangeiros, o governo federal dos EUA encontrou, em 1920, uma solução que passava por 'cortar o mal pela raiz'. Criou a 18.ª Emenda à Constituição que proibia o fabrico, comércio e transporte de bebidas alcoólicas em todo o território nacional. O articulado, denominado o Acto de Proibição Nacional, entrou para a História de Economia – e, já agora, da Criminologia e de Hollywood – como a Lei Seca.

Em pouco tempo, foram encontradas formas de tornear a lei. E todas elas, ilegais. Assim se desenvolveu a máfia nos EUA que 'inventou' o contrabando de bebidas e criou verdadeiros impérios e líderes lendários como Al Capone ou Lucky Luciano. Aumentaram a violência e a corrupção, o número de crimes subiu em flecha, em especial, os ligados a assassinatos, disparou o enriquecimento ilícito e parte das próprias autoridades passou a alinhar com o crime organizado.

Apesar da violência gerada, a lei durou 13 anos. Só foi revogada em 1933 com um pedido do Congresso para que fosse legalizada a cerveja. 

Encantadores de negócios

Assustado com o elevado número de cobras venenosas que surgiam de qualquer parte a qualquer momento, o governo colonial britânico, na Índia, resolveu ser simpático. Em vez de procurar medidas para as exterminar, tomou uma decisão mais... económica: passou a oferecer uma recompensa por cada cobra morta.

Foi uma estratégia que, no entanto, não contou com o espírito empreendedor dos indianos. No início, as coisas até funcionaram bem. Depois começaram a surgir criadores de cobras venenosas.

O resultado foi mesmo o que se imagina: aumentou o número de cobras. O governo demorou a perceber, mas, mal o fez, cortou as recompensas. As cobras, como já não interessavam, foram simplesmente abandonadas. Também como seria previsível, de repente, a Índia ficou com mais cobras do que tinha antes de começar o programa de recompensas. Na Índia, há 275 espécies de cobras e 65 são venenosas. Anualmente, morrem 50 mil pessoas vítimas de cobras.

A experiência teve pelo menos o mérito de ter dado um conceito

à Economia: o efeito-cobra. Ou seja, uma consequência não intencional, derivada de se tentar acabar com um problema, mas, em vez disso, fica agravado.

Mais carros, mais poluição

Em 1989, a já ultra-poluída Cidade do México passou a ter altas concentrações de poluição. Estudos indicavam que respirar o ar, durante um dia equivalia, a fumar dois maços de cigarros.

Em Novembro, foi tomada uma medida extraordinária, apoiada pela campanha 'Hoje não se circula'. O governo limitou a circulação de automóveis, dividindo os males. Os carros circulavam, de acordo com as matrículas. As que terminavam com números pares uns dias definidos, as ímpares em outros.

Meses depois, um estudo da Universidade de Chicago mostrava que, de facto, as emissões de ar poluído tinham diminuído, mas apenas aos fins-de-semana. Nos restantes dias, mantinha-se o nível detectado.

Por outro lado, as estatísticas de vendas de automóveis indicavam mexidas no negócio. As vendas 'dispararam'. Ao mesmo tempo, o número de pessoas que usava transportes públicos manteve-se constante.

A conclusão foi simples. Para tornear a medida, as pessoas optaram por comprar carros, escolhendo matrículas com terminações diferentes. Como o México não é propriamente um país rico, os novos compradores foram optando por carros usados e mais antigos. O mesmo é dizer mais poluentes. Resultado é fácil de deduzir: aumento da poluição do ar.