EUA, Rússia e União Europeia pressionam Angola para rever decreto que impõe restrições
COMÉRCIO. Alguns dos ‘gigantes’ membros da OMC estão a pressionar Angola por causa de um decreto aprovado em 2019. Mas o país insiste e quer impor restrições de importação a 54 produtos, apesar de um documento interno do Ministério do Comércio e Indústria alertar para os perigos, entre os quais, aumento dos preços, falência de empresas e escassez de produtos.
Angola tem vindo a sofrer pressões de membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre os quais alguns dos ‘gigantes’ mundiais, por causa do decreto presidencial que implementa o Programa da Produção Nacional, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações (Prodesi), em vigor desde Janeiro de 2019.
EUA, União Europeia, Rússia, Canadá e Brasil contestam as restrições que Angola quer implementar em 54 produtos, com o argumento de violarem algumas das regras comerciais multilaterais. Os cinco membros explicam que as restrições “prejudicariam os laços comerciais, de investimento e desencorajariam as empresas a operar em Angola”.
O assunto está a ser acompanhado pelo comité de acesso aos mercados da OMC e alguns embaixadores acreditados em Angola já exigiram esclarecimentos ao Governo.
O VALOR sabe que, internamente, o ministro do Comércio e Indústria recebeu alertas de especialistas da casa, com relatórios que explicam as “inconformidades” da medida e sugerem os caminhos que o país deve seguir para proteger a produção nacional sem atropelar as regras da OMC, da qual Angola faz parte deste 1996.
Apesar das criticas e alertas, entretanto, o Governo aprovou, recentemente, a restrição total da importação com recursos a divisas do tesouro nacional de alguns produtos, cuja capacidade já responda à necessidade de consumo do mercado nacional.
As restrições destinam-se a alguns produtos como o massango, massambala, batata-doce, alho, cebola, cenoura, feijão, amendoim, tomate e água engarrafada.
Em comunicado, o Ministério do Comércio e Indústria garante que a medida está “devidamente alinhada aos instrutivos da OMC”. E que o seu objectivo é “incentivar e apoiar a produção nacional, sem prejuízo da importação do diferencial em falta ou de produtos e equipamentos cuja produção local não satisfaça a procura interna”.
DOCUMENTO ARRASA COM A PROPOSTA
Num documento interno a que o VALOR teve acesso, o ministro é alertado que o decreto sofre de “incongruências juridico-técnicas” que tornam a sua aplicação “uma tarefa herculeana”. Além disso, conclui, se o Governo levar por diante as restrições, causará “efeitos negativos”, como o aumento de preços, “por causa da escassez nos mercados”, “ruptura nos stocks de produtos da cesta básica”, “falência de empresas e despedimento dos trabalhadores” e ainda “outras consequências causadas pela escassez de produtos”.
A proposta de se reintroduzir a inspecção pré-embarque, a ser concretizada pela AGT, merece também nota negativa dos especialistas do próprio Ministério. No documento, pode ler-se que se trata de uma “nova barreira não tarifária” que “só provocará despesas suplementares para os operadores económicos e, consequentemente, encarecerá os produtos para o consumidor nacional”.
A medida é semelhante a que foi tomada em 2019 com o decreto presidencial que serve de base para a implementação do Prodesi e que, na altura, mereceram fortes críticas dos membros da OMC e um ‘puxão de orelhas’ a Angola.
Segundo informações a que o VALOR teve acesso, em reunião do Conselho de Comércio de Mercadorias, que monitora a implementação do GATT (Acordo Geral sobre as Tarifas Aduaneiras e o Comércio), ficou acordado que quaisquer restrições quantitativas (entendidas como tectos específicos que limitam a quantidade ou o valor de mercadorias que poderão ser importadas ou exportadas num período de tempo) somente entrariam em vigor até 2022 após investigações e outros procedimentos respeitando as regras da OMC.
No encontro, que aconteceu a 11 e 12 de Junho, a delegação dos EUA declarou que existiam “informações confusas” de como se aplica o decreto que dá as bases do Prodesi e que os produtos agrícolas sofrem atrasos nas fronteiras. Foram feitos apelos para que o Governo revisse o decreto com base nas regras da OMC.
INSISTÊNCIA DE ANGOLA
A delegação de Angola, em resposta, contraria as alegações dos cinco membros e ressalta que o decreto não impõe nenhuma restrição à importação de produtos aos operadores internacionais e apenas disciplina as regras da cadeia comercial de bens. Para Angola, o decreto define quem, entre a figuras de produtor, grossista, retalhista e consumidor, terá o direito de importar. O Governo lembra que, no passado, o retalhista e o consumidor faziam parte da cadeia de importadores, atitude que era tida como correcta.
No decreto que dá as bases ao Prodesi, previa-se a aplicação de medidas restritivas de 16 produtos agrícolas e industriais a partir de 2022. O decreto era apontado, internamente, por especialistas do Ministério como podendo causar mais entraves e burocracias do que o pretendido por este Governo.
Foi reintroduzida a inspecção pré-embarque para fins de classificação tarifária e avaliação aduaneira. Esta medida é considerada “um retrocesso e uma barreira não tarifária sem grande utilidade para a defesa comercial e viola o acordo sobre facilitação do comércio da OMC em vigor desde 2017”.
Essa é a terceira vez que Angola tenta restringir as importações. As críticas já remontam a 2015. Nesse ano, Angola aprovou a imposição de quotas de importação de alguns produtos agrícolas quando a produção cobrisse 60% do consumo interno. A tentativa não teve sucesso devido às várias respostas de parceiros comerciais como a União Europeia, EUA, entre outros. As reacções destes parceiros obrigaram o Governo a recuar e a deixar cair as medidas.
Durante o segundo exame da política comercial, realizado em Setembro de 2015 em Genebra, o Governo foi duramente criticado, tendo sido aconselhado a respeitar os compromissos assumidos. Os membros chegaram mesmo a exigir a abolição do decreto.
RESTRIÇÕES SÃO EXCEPÇÕES
Na história da OMC, alguns membros já aplicaram algumas das restrições previstas nos artigos do GATT, invocando dificuldades financeiras. As medidas passaram por restringir as importações ou introduzir uma sobretaxa especial sobre direitos aduaneiros para determinados produtos.
Alguns especialistas aconselham que Angola, para a aplicabilidade das medidas dentro do Prodesi, opte por uma de duas possibilidades: ou corrige o decreto para estar de acordo com as normas da OMC, ou elabora um outro instrumento justificando as restrições de acordo com o artigo XII do GATT, que dá a possibilidade de fundamentar as restrições com a baixa das Reservas Internacionais Liquidas (RIL), combinando com o artigo XVIIIb, que limita a medida restritiva por um período de dois anos, após os quais Angola apresentará um relatório sobre a melhoria da situação financeira. Em caso de melhoria, é dada por finda a restrição. Caso contrário, poderia solicitar uma prorrogação da medida para mais dois anos.
Uma alternativa apontada é não notificar até à realização do 3.º Exame da Política Comercial, previsto para o próximo ano, evocando a necessidade de assistência técnica para o reforço de capacidades em matéria de notificação.
Há mais de cinco anos, o Equador e a Ucrânia evocaram, com sucesso, o Art. XII do GATT de 1994 para justificar as restrições quantitativas. Foi em 2014 e 2015, mas em circunstâncias diferentes das de Angola. A Ucrânia, além de invocar o conflito armado com a Rússia, justificou a medida com o embargo comercial imposto por Moscovo, enquanto o Equador fez valer a catástrofe natural, um terramoto que danificou as infra-estruturas produtivas do país.
GATT É O ARTIGO QUE COLOCA O PAÍS EM ‘XEQUE’ COM OUTROS MEMBROS
No artigo XI do GATT, salienta-se que são proibidas as restrições quantitativas às importações e exportações de uma maneira geral. As restrições quantitativas são entendidas como tectos específicos que limitam a quantidade ou o valor de mercadorias que poderão ser importadas ou exportadas num período de tempo.
O GATT admite que os países membros da OMC possam proteger os seus produtores contra a concorrência estrangeira. Mas a protecção deve obedecer a alguns princípios. Os países em desenvolvimento têm mais espaço em relação aos desenvolvidos, mas, antes de adoptar em quaisquer medidas, devem notificar a OMC.
Os países em desenvolvimento, como Angola, podem restringir provisoriamente as importações com o objectivo de promover o desenvolvimento da produção já existente ou ramos de produção nascentes. Mas é submetida a condições rigorosas.
A notificação deve ser feita antes de a medida ser tomada ou, em casos atípicos, após a entrada em vigor. Implementar medidas restritivas sem aprovação dos restantes membros pode provocar retaliações.
A notificação à OMC deve conter:
a) ramo de produção, existente ou nascente, para o qual a protecção é necessária
b) natureza da medida restritiva prevista – aumento de direitos aduaneiros, além dos direitos consolidados, restrições quantitativas à importação ou introdução
de um regime de licenças
c) razões pelas quais as restrições à importação não são viáveis
d) explicar as dificuldades particulares encontradas para o desenvolvimento do ramo de produção devido à importação.
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