EUA, Rússia e União Europeia voltam a pressionar Angola
COMÉRCIO. Potências comerciais insistem que Angola está a violar as regras da OMC. Luanda insiste, no entanto, em restringir a importação de produtos. EUA avisam que a teimosia angolana coloca as relações dos dois países em risco.
A União Europeia, a Rússia e os Estados Unidos voltaram a pressionar Angola a rever “urgentemente” o decreto presidencial que implementa o Programa da Produção Nacional, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações (Prodesi), em vigor desde Janeiro de 2019.
Estes Estados, aos quais se somam o Brasil e o Canadá, contestam as restrições que Angola quer implementar em 54 produtos. Numa reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), que ocorreu na quinta-feira passada, os membros insistiram que o decreto presidencial que dá bases ao Prodesi é “incompatível” com as regras da OMC, violando os artigos do GATT (Acordo Geral sobre as Tarifas Aduaneiras e o Comércio).
O decreto introduz restrições em certos produtos agrícolas e industriais, considerados prioritários para o consumo e produção de bens em Angola. Só os produtores locais e revendedores são autorizados a importar e os importadores têm de provar a falta de disponibilidade dos produtos no mercado interno. A importação inclui a submissão de contratos de compra de produtos nacionais.
A União Europeia, na reunião, explicou que entende a intenção de Angola de diversificar a economia e de desenvolver a indústria, mas mantém “preocupações”, já levantadas anteriormente, porque o “decreto parece proteger as indústrias domésticas de forma a que possa ser bastante prejudicial aos investimentos estrangeiros em Angola”.
A Rússia entende que as medidas não se justificam com dois artigos do GATT, pelo que desafiou Angola a pôr essas medidas “em conformidade” com o acordo da OMC e a levantar as barreiras de importação aos produtos agrícolas.
A União Europeia, Rússia e EUA acreditam que Angola tem falhado na prestação de uma explicação de como a medida é “consistente” com as regras da OMC.
RELAÇÕES COM OS EUA AMEAÇADAS
O EUA, na reunião, chegou mesmo a referir que o decreto “tem potencial para comprometer as relações” com Angola. Os norte-americanos asseguram que, desde a implementação do decreto, têm recebido relatórios de “confusão” sobre a sua aplicabilidade e sobre os atrasos de produtos nas fronteiras. Os EUA sublinharam ainda que os exportadores norte-americanos estão “preocupados” com os perecíveis por causa da “tanta incerteza” que o documento trouxe. Os norte-americanos aconselharam assim Angola a solicitar assistência técnica ao secretariado da OMC para notificar a “forma apropriada de aplicar qualquer medida comercial” tomada no âmbito do decreto e que continuasse os trabalhos com a embaixada em Luanda para evitar políticas “perturbadoras” do comércio.
ANGOLA INSISTE
Em Julho, Angola explicou que submeteu uma notificação em Setembro do ano passado, ainda assim os membros pediram “notificações apropriadas”. Angola voltou a não ceder e insistiu em manter as declarações de Julho, em que contrariava as alegações da UE, Rússia e EUA. Para Luanda, o decreto não impunha nenhuma restrição à importação, disciplinava apenas as regras da cadeia comercial de bens.
Para Angola, o decreto define quem, entre as figuras de produtor, grossista, retalhista e consumidor, terá o direito de importar. O Governo lembrou que, no passado, o retalhista e o consumidor faziam parte da cadeia de importadores, atitude que era tida como correcta.
Em Setembro, o VALOR ECONÓMICO já tinha revelado as pressões destes países sobre Angola, com base em documentos internos que davam conta que o ministro do Comércio e Indústria recebera alertas de especialistas da casa com relatórios que explicam as “inconformidades” da medida e sugeriam os caminhos que o país devia seguir para proteger a produção nacional sem atropelar as regras da OMC, da qual Angola faz parte deste 1996.
No documento, o ministro Victor Fernandes foi alertado que o decreto sofre de “incongruências juridico-técnicas” que tornam a sua aplicação “uma tarefa herculeana”. Segundo os alertas, se o Governo levasse por diante as restrições, causaria “efeitos negativos”, como o aumento de preços, “por causa da escassez nos mercados”, “ruptura nos 'stocks' de produtos da cesta básica”, “falência de empresas e despedimento dos trabalhadores” e ainda “outras consequências causadas pela escassez de produtos”.
Apesar disso, o Governo aprovou, recentemente, a restrição total da importação com recursos a divisas do tesouro nacional de alguns produtos, cuja capacidade já responde à necessidade de consumo do mercado nacional. As restrições destinam-se a alguns produtos como o massango, massambala, batata-doce, alho, cebola, cenoura, feijão, amendoim, tomate e água engarrafada.
Em comunicado, o Ministério do Comércio e Indústria garante que a medida está “devidamente alinhada aos instrutivos da OMC”. E que o objectivo é “incentivar e apoiar a produção nacional, sem prejuízo da importação do diferencial em falta ou de produtos e equipamentos cuja produção local não satisfaça a procura interna”.
O VE tentou ouvir o Ministério do Comércio e Indústria, mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...