Mudanças podem reacender instabilidade institucional no BNA
GOVERNAÇÃO. Alterações sucessivas no governo do banco central podem atrasar várias reformas no sistema financeiro interno, além de ‘entalar’ o BNA entre várias políticas por realizar. Só nos últimos 15 anos, já se instalaram no ‘Palácio da Marginal’ quatro governadores. Observadores divididos criticam, ao VALOR, critérios de nomeação, papel do banco central e “ingerência política” nos assuntos da competência do regulador.
Informações postas a circular no seio da banca e em circuitos mais fechados da alta finança apontam para uma possível saída de Valter Filipe do governo do Banco Nacional de Angola (BNA) nos próximos dias, caso que volta a levantar receios de instabilidade institucional no banco central, já que pode elevar para cinco o número de governadores exonerados em 15 anos.
Desde Dezembro de 2002, passaram pelo BNA quatro governadores - Amadeu Castelhano Maurício, Abrahão Gourgel, José de Lima Massano e José Pedro de Morais. Do grupo, Amadeu Maurício cumpriu um mandato inteiro de cinco anos (entre Dezembro de 2002 e Dezembro de 2007). O segundo mandato foi interrompido a meio, depois de exonerado em Abril de 2009. José de Lima Massano também concluiu o mandato de cinco anos previsto por lei.
Abrahão Gourgel, então substituído por José Massano, ficou pouco mais de um ano na governação do Banco Nacional de Angola, antes de passar para o Ministério da Economia. E José Pedro de Morais também viu o mandato interrompido um ano após assumir a liderança do banco central. Se se confirmar a saída do actual governador do banco central, pouco mais de um ano após a sua nomeação, o número de responsáveis que já estiveram à frente dos destinos do banco regulador sobe para cinco em 15 anos, dois dos quais com pouco mais de 12 meses em serviço. A possibilidade é criticada duramente por quatro observadores da economia nacional e internacional, entre responsáveis ligados ao Governo, acadêmicos, economistas e investigadores, que qualificaram a hipótese como “grave instabilidade e incertezas futuras” nos destinos do banco central. De acordo com a lei do Banco Nacional de Angola, Lei N.º 16/10, de 15 de Julho, o governador é nomeado pelo Presidente da República e exerce as suas funções por um período de cinco anos renováveis, por iguais períodos. Feitas as contas, teriam passado pelo BNA, até à data, três governadores, a contar desde 2002, altura em que Amadeu Maurício chega ao BNA.
Para o antigo administrador da Agência para a Promoção do Investimento e Exportação de Angola (APIEX), Lopes Paulo, as sucessivas alterações no comando do BNA “não são benéficas” e “nem trazem benefícios económicos, nem para o desempenho da própria instituição”. “Um ano de governação é o tempo que, se calhar, o responsável indicado tem para começar a arrumar a casa, para perceber qual tem sido o rumo da instituição e estabelecer novas políticas da sua gestão. Afastado a meio do percurso, isso pode trazer outras consequências”, alerta o também economista ligado ao Governo.
Também o professor Flávio Inocêncio, da Universidade de Conventry, na inglaterra, considera “imperativo” o cumprimento de mandatos no governo do BNA como factores de estabilidade operacional, apesar de existirem “aspectos mais estruturais relacionados com o facto de termos uma moeda não livremente convertível” e um “banco central não autónomo”.
“Temos de considerar aspectos técnicos e aspectos de imparcialidade e neutralidade. Um governador do BNA deve ser independente dos bancos que regula e deve assegurar que Angola siga as boas práticas internacionais”, defende Flávio Inocêncio, que minimiza a formação bancária como requisito essencial para a nomeação ao posto de governador.
As características de bons governadores devem conjugar aspectos técnicos com aspectos de neutralidade para evitar o ‘efeito de captura’, do órgão regulador, por parte dos bancos, reforça o acadêmico, para quem a neutralidade e a força da moeda nacional ajudam na estabilidade operacional do banco central.
ATRASO NAS REFORMAS
O afastamento de governadores a meio do percurso pode também atrasar protocolos de cooperação internacional com outros bancos centrais e demais instituições financeiras internacionais, desenvolvidos por “quem estiver à frente da administração”. É o que considera o professor de economia e investigador do Instituto Superior Metropolitano de Luanda, Zeferino Venâncio.“Quem nomeia tem de justificar porquê exonera. Não se passa boa mensagem aos mercados, quer interno, quer externo, sobre o sistema de governacção do nosso banco central, assim como descredibiliza todo o sistema financeiro”, comenta Zeferino Venâncio, para quem as nomeações ao posto de gestor do BNA devem ter como base a formação nas ciências económicas e experiência na banca.
Do outro centro de estudo e de investigação científica da Universidade Católica de Angola, o CEIC, sai a mesma reacção, por acreditarem que “constantes alterações vão diminuir o nível de confiança dos mercados internacionais ao mercado nacional”.
“Os agentes económicos baseiam as suas decisões nas expectativas que têm sobre o futuro. E, num ambiente em que a administração do banco central é alterada em períodos muito curtos, sem terminarem os seus respectivos mandatos, pode criar um clima de incerteza e mesmo de instabilidade no sistema financeiro e bancário”, avisa o CEIC, na voz do seu investigador e economista, Francisco Paulo.
CRITÉRIOS DE NOMEAÇÃO INTERROGADO
Antes, e para prevenir exonerações a meio do mandato, Lopes Paulo questionou sobre os critérios pelos quais são nomeados os responsáveis do BNA, na mesma altura em que criticou a não publicação dos motivos pelos quais são afastados da administração do Estado.
“Há governadores que tiveram mandato de um só ano. O que é que terá falhado? O que é que houve. A conjutura não permitiu [avançar]? Foram nomeados com que critérios?”, interrogou o economista.
Francisco Paulo, do CEIC, coloca a “experiência comprovada” na banca ou ciência conexas na primeira linha dos critérios para a indicação ao posto de governador, e sugere que as exonerações, antes do fim do mandato, “só por força maior”.
CASOS INTERNACIONAIS
Vários exemplos internacionais sugerem que a estabilidade institucional dos bancos centrais é declarada como crítica à saúde dos sistemas financeiros e das economias, de tal sorte que a generalidade das legislações confere independência aos reguladores, face ao poder político. É essa independência, referida pelo professor Flávio Inocêncio, que leva a que os governadores dos bancos centrais, muitas vezes, resistam a governos de partidos adversários. Nos Estados Unidos da América, Ben Bernank, que saiu em 2014, substituído por Janet Yellen, foi nomeado em 2005 por George Bush, ambos do partido republicano. No termo do primeiro mandato em 2009, o democrata Barack Obama renovou-lhe o mandato. Em Portugal, Carlos da Silva, já resiste a três primeiros-ministros desde Junho de 2010. Nos últimos dois anos, passou a ser fortemente contestado, acusado de negligência na gestão do colapso do Banco Espírito Santo, entretanto, mantém-se firme à frente do Banco Portugal, situação que muitos analistas associam à necessidade da garantia da instabilidade institucional do regulador luso.
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