FRANCISCA DE BRITO, DIRECTORA DA UNIDADE DE INFORMAÇÃO FINANCEIRA

“O BFA lidera a lista de comunicação de operações suspeitas”

Directora da Unidade de Informação Financeira faz balanço dos cinco anos de actividade do organismo que tem por tarefa prevenir e combater a lavagem de dinheiro no país, contabilizando 406 operações financeiras suspeitas, com o Banco de Fomento Angola a liderar a lista de comunicações. Só em 2016, os bancos reportaram a existência de 184 casos suspeitas de braqueamento de capitais.

A UIF existe há cinco anos, qual é o âmbito da vossa actuação?

A Unidade de Informação Financeira (UIF) é uma instituição pública, cuja função é a recolha, tratamento, análise e dissiminação de informação relacionada com crimes de branqueamentos de capitais, financiamento ao terrorismo, e acabando também, hoje, por se tratar de crimes de proliferação.

A que crimes de proliferação se refere?

A proliferação de armas. Hoje, também é tratado pela UIF. A definição também se pode encontrar na Lei 34/11. A sua missão é a recolha, análise e disseminação. Portanto, nós recebemos as informações das instituições que a lei chama de ‘entidades sujeitas’, que são os bancos, seguradoras, até mesmo instituições que tratem de actividade imobiliária. A propria legislação mostra. E nós recebemos essas informações, tratámos, recebemos informação adicional, que vamos procurar quando precisamos, e então produzimos inteligência. E enviamos para as autoridades judiciais e policiais.

A UIF é adistrita ao Banco Nacional de Angola?

Não. Existe o decreto 212, que, na verdade, substitui o decreto 35/11, que explica a estrutura da UIF. A UIF é uma entidade autónoma. Não é parte do BNA. É autónoma e independente.

A que entidade pública a UIF presta contas?

A directora da UIF, através da Casa Civil do Presidente da República, responde ao titular do poder Executivo.

Que entidades estão sujeitas à supervisão da UIF?

Trabalhámos com várias instituições. Trabalhámos com os bancos comerciais, casas de câmbios, serviços de remessas de dinheiro. Trabalhamos também com agentes intermediários de valores mobiliários, cujo supervisor é a Comissão de Mercados de Capitais (CMC). Trabalhamos com casinos e casas de jogos, cujo supervisor é o Instituto de Supervisão de Jogos. Contabilistas e auditores, cujos supervisor é Conta à Ordem e Peritos de Contabilidades. Ainda trabalhamos com as ONG, fundações e igrejas. Trabalhamos com os advogados, que têm a sua autoridade que é a Ordem dos Advogados de Angola. Depois temos as seguradoras, que são supervisionadas pela Agência de Regulação e Supervisão dos Seguros (ARSEG). Portanto, às vezes, fica a percepção de ser um trabalho de carácter financeiro, mas, na verdade, a nossa abrangência é financeira e não-financeira.

Como se processa a vossa acção?

A UIF tem protocolos de partilha de informação com todos os supervisores das entidades sujeitas. A Lei 34/11 é a ‘lei-mãe’, e cada entidade supervisora produz a regulamentação, baseada na lei, que afecta directamente os seus supervisionados.

A UIF tem presença em cada instituição?

A UIF não tem agentes nessas instiuições, mas, por exemplo, tem trabalhado com o Instituto de Supervisão de Jogos, que é outra entidade pública, que tem de ter certeza que seus casinos entendam o que precisam de fazer para prevenir o branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. O Instituto de Supervisão de Jogos tem a obrigação de fazer sair a regulamentação, que suporte a Lei 34/11, para os casinos. Quando a Lei 34 fala no geral, e eles fazem uma regulamentação, que é mais da indústria deles, a dizer que, “quando você receber aqui alguém para jogar, precisa conhecer o seu cliente. Tem de entender de onde o seu cliente traz o dinheiro. Se alguém vier fazer um jogo em cash, você precisa de informar a UIF através dessa forma. Nós trabalhamos com entidades supervisoras, para eles tratarem dos seus supervisinados.

Os relatórios produzidos por estas entidades reguladoras são fiáveis?

Sim. Achamos que sim. O nosso maior foco têm sido as entidades financeiras e financeiras não-bancárias. Porque os bancos são mais de 99% do sistema financeiro. Então, como tudo se faz com base no risco, onde há mais é onde temos de dar mais enfâse. Se resolsolvermos toda banca, então resolvemos boa parte, porque mais de 90% fica mais ou menos segurado. E, na verdade, o dinheiro acaba sempre escorregando na banca. Isso é mesmo assim, não é um caso particular de Angola. Hoje, os bancos todos têm compliance officers, todos sabem que têm de mandar todos os dias informação para as unidades de informação financeira, todos sabem que têm de fazer declaração de operações suspeitas.

Quantos casos suspeitas de branqueamento de capitais foram encaminhados nos bancos, desde que se institui a UIF em Angola?

Não apanhámos as declarações de operações supeitas. Nós recebemos das instituições. Não conseguimos trabalhar sem a instituições. Recebemos informações das instituições, principalmente de bancos. Mas também recebemos de seguradoras e até de empresas vendedoras de carros.

Existem números concretos de operações suspeitas?

Nos cinco anos de actividades, recebemos 406 operações suspeitas, vindas principalmente de bancos. Das suspeitas, devemos ter recebido uma da Comissão do Mercado de Capitais (CMC), porque o supervisor, às vezes, também pode mandar operações suspeitas ao fazer sua supervisão.

Qual foi o comportamento ano a ano?

Começámos em 2011, com sete operações suspeitas, em 2012, com 15, em 2013, com 39, em 2014, com 101. Em 2015, fechámos com 60 operações suspeitas, e 2016, com 184 operações suspeitas.

De que bancos provêm mais relatos de operações suspeitas?

Dos maiores bancos. Bancos como o BFA lideram a lista de operações suspeitas. No nosso relatório de 2016, acho que vamos ter o atrevimento de fazer essa publicação.

Está a dizer que o BFA é dos bancos onde mais circulam operações suspeitas?

O BFA lidera a lista das comunicações de operações suspeitas. Quando o banco comunica mais, pode não ser o banco que tem mais operações suspeitas. Porque precisa de saber-se comunicar, saber avaliar se há operações suspeitas. Os bancos que não mandam [informações] não quer dizer que estava tudo bem com suas operações. Eu digo que é o BFA, e digo como positivo. Agora, o que não lhe posso dizer é se todos os bancos comunicam operações suspeitas. Antes disso, é saber se todos os bancos conseguem detectar. Ao mencionar o BFA, significa que é um banco que se preparou e que faz isso como deve ser. Ter operações suspeitas o banco também pode ter, pela sua dimensão. É o maior banco. Tem mais riscos. Acontecem mais coisas.

Se o BFA é que mais comunica, consegue dizer quais os bancosque não o fazem, ou que fazem com pouca frequência?

É mais dificil dizer o banco que comunica pouco. São 29 bancos a operar, para 184 operações suspeitas, é muito pouco. E não estou a chamar as pessoas de criminosas, mas refiro-me aos cuidados que se devem ter com as operações. Nós ainda não estamos a tê-los todos.

Todos bancos participam essas informações?

Todos os que estão em operação fazem isso. Vamos falar, por exemplo, do Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA). O BDA não faz operações com pessoas todos os dias, dada a sua natureza. Uns [bancos], se calhar, comunicam a dizer que ‘hoje não tivemos nenhuma operação’, mas outros dizem ‘tivemos 700’ [por exemplo].

Depende da natureza do banco e da abrangência. Você não vai ter o mesmo reltório de bancos como BDA como vai ter do Banco de Poupança e Crédito (BPC). Ou seja, todos os bancos com operações ‘cash’ têm de mandar essas informações. E mandam todos os dias. Podemos dizer que, às vezes, temos problemas de atrasos de dois ou mais dias. Mas chegam.

Qual é a periodicidade desses relatórios?

Temos relações diárias com os bancos. Eles fazem relatórios diários. Todos os bancos enviam para a UIF todas as suas operações em ‘cash’, com valor equivalente ou maior que 15 mil dólares. Mandam para a UIF. Nós sabemos das operações. Se fizer amanhã um levantamento ou depósito de valor, no montante em kwanza, mas equivalente a 15 mil dólares ou mais, eu aqui sei.

O levantamento de 15.000 dólares é indício de crime?

Não. É só uma maneira de pormos nas nossas bases de dados pessoas que movimentam muito dinheiro. Supostamente, as pessoas de má-fé movimentam dinheiro em ‘cash’. É verdade que as pessoas levantam esse dinheiro não é porque estão a fazer alguma coisa má. Talvez essas operações sejam para pagar empregadas, mas podima ter transferido. Mas são informações que a UIF precisa de saber e que existem para trabalhar. É uma regra internacional e aplicada na nossa legislação. As outras entidades que não sejam financeiras bancárias também cooperam connosco. Aliás, todo o trabalho que a UIF desenvolveu nunca o fez sozinha. Andámos pelo mundo para explicar os nossos progessos, mas não são nossos progressos. São também de todas essas instituições que trabalham com a UIF.

Nos dados que apresenta, revela que houve aumento de casos suspeitas entre 2015 e 2016. Faltou fiscalização ou os bancos reduziram a comunicação?

A nossa pergunta inicial, na UIF, foi o porquê da redução entre 2014 e 2015. Acreditamos que os bancos foram melhor ilucidadas sobre as operações suspeitas. Nós continuamos a trabalhar melhor com bancos. Se num banco vir, por exemplo, alguém que passa um cheque sem cobertura, não é mais uma operação suspeita. É um caso de polícia. Só tratamos mesmo de suspeições, que não são confirmação de de crimes, são apenas suspeições.

O que representa o recuo de 2014 a 2015 para acções da UIF?

O Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI), por exemplo, não gostou muito o facto de baixarem muito. Mas achamos que, mesmo que tivéssemos diminuído em termos de quantidade, melhorámos em termos de qualidade. Para 2016, reforçamos os nossos trabalhos com os compliance officers. Fizemos mais sensibilização. Eles entenderam, até com a avaliação que tivemos no princípio do ano. Internamente, começamos a trabalhar mais com eles, no sentido de demonstrar quem realmente está a apresentar operações e quem não está. Porque é preciso mostrarmos que, se não há operações suspeitas, é porque está tudo bem lá. Mas a verdade é que queremos ser um sistema anti-branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.

Todas essas 184 operções suspeitas de 2016 tiveram origens nos bancos?

Tenho 99% de certeza que esses números surgiram só de bancos.

De que bancos saíram essas suspeições?

Temos informação por bancos, mas estamos ainda a trabalhar com eles. Porque os bancos são diferentes, as maturidades são diferentes, e eles continuam a organizar-se neste sentido.

 

“Os bancos devem conhecer os seus clientes”

Que cuidados os bancos devem melhorar em matéria de compliance?

Uma das regras principais é o que se chama KYC – ‘Know your Client’ (conheça seu cliente). Os bancos devem conhecer os seus clientes. É uma expressão muito recorrente, onde diz que ‘você deve trabalhar só com quem conhece’. Pode chegar-se ao banco, bonitinho, enfatado, e diz que “quero abrir uma conta. O banco tem o direito de saber de onde é que vem o seu dinheiro. Isso faz com que o banco conheça seu cliente. Se o cliente não responder às perguntas do banco, o banco pode, e hoje em dia, é aconselhável que o banco diga “desculpe, mas não posso trabalhar consigo”.

Do trabalho que a instituição que dirige tem desenvolvido, sente que há avanço nas técnicas de controlo às operações suspeitas?

Os bancos estão a investir. Parte do estudo que nós fizemos e que publicámos, no ano passado, mostra que os bancos tendem a melhorar. Eles têm essa obrigação. Têm de ter esses sistemas no lugar. E nós somos forçados a investir todos, o que contribuiu para que saissemos da lista cinzenta no ano passado.

Das vossas acções, quantos casos de operações de pessoas politicamente expostas (PEPS) chegaram ao vosso conhecimento?

Os bancos têm que entender que as pessoas todas, como clientes, eles precisam de conhecer. Não há nada que diga que, por ser um deputado, não é preciso conhecer. Todos os clientes precisam ser conhecidos e os bancos sabem disso. Devemos é tratar com respeito toda a gente, mas os clientes precisam saber que os seus fundos precisam ser explicados. Já houve governantes que estiveram fora do país e tentaram trocar dinheiro, por exemplo, e que no sítio onde se dirigiam para trocar dinheiro, sabiam que eles eram pessoas politicamente expostas. Então, não há diferença nenhuma. As regras contra o branqueamento de capitais são para todos. Os bancos precisam ter mais cuidados [com pessoas PEPS] por causa dos riscos e do aproveitamento de conflitos de interesses. De resto, os bancos precisam aplicar as regras e explicar.

Anunciou há algum tempo que existem contas de clientes bancários que foram bloquedas por haver suspeições nas operações. Qual é o número actual de contas suspensas e em que pé estão os casos?

Eu não tenho esses números. O que se confirmou na altura e bem foi que, realmente, há contas que têm sido bloquedas, mas também ficam desbloaqueadas se se provar a proveniência lícitas dos fundos.

O que justifica o bloqueio de contas?

Às vezes, nas comunicações de operações suspeitas, os bancos bloqueam as contas para forçar o cliente a se explicar. Mas não quer dizer que elas ficam bloquedas para sempre. E elas são repassadas para a Polícia e para a a Procuradoria Geral da República (PGR). É todo um processo, é um trabalho contínuo. Se eu pedir para justificar o dinheiro e deixar a conta liberta, o cliente vai e tira de lá o dinheiro. Se acho que a proveniência dos fundos é ilícita, preciso de bloquear a conta.

Qual é a entidade que autoriza o bloqueio das contas?

Diferentes instituições têm poder de bloqueio de contas. A UIF tem, segundo a lei, poder para bloquear uma conta por três dias. Depois temos de ir buscar a confirmação ao PGR de que é para confirmar.

Que garantias tem a UIF de que são apenas os clientes os principais suspeitos e não os bancos?

É aqui onde entra a Policia, com as investigações. A UIF não precisa dessas garantias. A Polícia faz a suas investigações, com a procuradoria, até levarem os casos ao tribunal. A UIF faz é a recolha da informação, produz inteligência e envia para Políicia.

Nós não temos treino para fazer o que faz a Polícia e a PGR. Não temos nem capacidade para o fazer. Somos um meio que produz inteligência para eles fazerem os seus trabalhos.

Quantos casos de operações suspeitas detectadas chegaram a tribunal e tiveram desfecho judicial?

Não temos ainda esses casos. Do nosso conhecimento, não.

Que garantias terão de que os novos casos terão desfechos desejados, se os antigos casos ainda nao se conhecem conclusões?

As garantias não são para UIF. São para o sistema angolano. Como disse, nós produzimos inteligência e vamos continuar. Se voltar daqui a um ano, por exemplo, eu tirei mil casos e devo enviar os mil. Depois a Polícia e PGR farão a sua parte e depois os tribunais.

Onde ‘morre’ a intervenção da UIF nos casos de operações suspeitas?

A intervenção da UIF termina depois de enviar os relatórios. A UIF continua a trabalhar com as entidades, nomedamente a Polícia e a procuradoria. A UIF sempre pode voltar e usar os seus meios externos para ajudar os casos. E o nosso trabalho tem sido no sentido de que, muito embora entregamos a inteligência, podemos sempre ser solicitados para informação adicional, de forma a que quando se concluem os casos, ou mesmo se fecharem essas acções, nós também aprendemos muito.