ANGOLA GROWING
JOSÉ MANGUEIRA, PRESIDENTE DA AIMCA

“Precisamos de uma indústria sustentada”

O presidente da Associação das Indústrias de Materiais de Construção de Angola defende que o sector não precisa de regressar ao passado recente para crescer, caracterizado pelo ‘boom’ generalizado, com destaque para o imobiliário. Aborda ainda os principais desafios da indústria no geral, classificando-a como “estando a recomeçar”, outra vez.

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Vai no segundo mandato à frente da Associação das Indústrias de Materiais de Construção de Angola (AMICA). Que balanço se impõe?

Estou no segundo mandato, sim, e cada mandato é de dois anos, o que significa que a associação tem mais ou menos três anos. Sou suspeito, entretanto, para considerar se o nosso balanço foi ou não positivo. Mas acho que sim. Começámos por agregar oito empresas e, neste momento, somos 17, sempre com o objectivo de proteger a produção nacional de materiais de construção. A nossa associação prima para que todas as empresas estejam legalizadas, paguem impostos e tenham os salários dos trabalhadores em dia. Procuramos produzir sempre dentro dos melhores parâmetros de qualidade e que estejam em conformidade com as indústrias de materiais de construção da melhor qualidade que há no mundo.

Mas o número de associados, face à quantidade de operadores do sector, parece pequeno. Concorda?

Estamos a crescer com qualidade, temos empresas não só da capital, mas também do Lubango, Catumbela e outras províncias. Somos uma associação de âmbito nacional mesmo também porque as nossas empresas têm esta abrangência, os seus produtos são vendidos para as diversas províncias. A adesão é voluntária. As empresas que têm algum benefício aderem, as que acham que não há não aderem.

E há efectivamente benefícios práticos? Quais?

Este processo associativo foi impulsionado pela ministra da Indústria que, devido à situação grave da economia, achou que os seus interlocutores estivessem agrupados. Daí que houve a necessidade de fazer estas associações por ramos de actividade, como a associação das indústrias das bebidas e/ou dos cimentos. Há mais-valias, entre as quais podemos destacar o facto de sermos interlocutores do grupo, o que nos permite levar os problemas de todos, que vão desde a falta de divisas à discussão sobre o imposto de consumo ou sobre a pauta aduaneira. Há também a troca de experiências a nível tecnológico entre as diversas empresas.

Não faria mais sentido as indústrias cimenteiras integrarem a AIMAC?

Porquê uma associação diferente? A Associação das Indústrias Cimenteiras de Angola surgiu antes da AIMCA. Na altura, tiveram a necessidade de se defender da importação desregrada do cimento. Quanto à possibilidade de integrar a AIMCA, é um problema de ‘timing’.

Quando citou “os problemas”, não se referiu à coabitação dos produtos locais com os importados. O que se passa?

Não estamos satisfeitos com a importação de materiais que nós produzimos, uma vez que os nossos materiais têm a qualidade que as obras exigem. Achamos que devem ser utilizados os materiais produzidos por nós. Demos o nosso contributo na nova pauta aduaneira para que a importação destes produtos seja sobrecarregada de impostos.

Mas há mesmo produção local suficiente que justifique esse proteccionismo?

Sim, temos materiais com produção nacional interessante. Produzimos o varão de ferro, temos fábricas de tijolos, blocos, tintas, carpintarias. Há uma série de produtos necessários para a construção que são feitos localmente. O que se passa são duas coisas. Por um lado, face à situação crítica das divisas, temos muitas fábricas grandes que não conseguem adquirir as matérias-primas importadas. Por outro, temos muitas empresas que, quando houve o ‘boom’ do petróleo, foram renovadas, ampliadas (algumas ainda em fase de ampliação) e ficaram a dever aos fornecedores, por isso não têm dinheiro para importar a matéria-prima. Temos ainda o problema do imposto do consumo. O nosso produto é matéria-prima para os outros, e, nesta qualidade, não é taxado, porque, se eu importar a matéria-prima, não pago o imposto de consumo. São estas situações que tornam a nossa produção, algumas vezes, mais cara, quando comparada aos produtos importados.

No país, há um histórico de sectores que defenderam a protecção e, quando beneficiaram desta, não conseguiram atender o mercado. Não há mesmo o risco com os materiais de construção?

Nós defendemos que o Estado deve taxar fortemente apenas aqueles produtos que nós produzimos. Por exemplo, não precisamos de importar tintas, mas precisamos de importar a matéria-prima para fazer a tinta.

Qual é a capacidade de produção de tinta do país?

Não lhe consigo dizer agora, mas temos duas empresas na associação, a Timicor e a Toptech. E é triste ver, nas grandes superfícies, tintas importadas, é isto que não achamos correcto.

Mas essas duas empresas estão em condições de atender as necessidades do mercado, em quantidade e qualidade?

Uma coisa é importar matéria-prima e outra é importar o produto acabado. Temos de diferenciar as duas coisas. O produto acabado tem de ser taxado e a matéria-prima não. Se eu tiver uma fábrica pequenina e importar a matéria-prima em condições favoráveis, vou crescer, mas, se me disserem que a tua fábrica é pequenina por isso não precisamos de proteger-te, estaremos a matar o negócio e o objectivo não é este, mas sim proteger estas empresas.

Além das tintas, quais são os outros produtos que não precisamos de importar?

São muitos produtos. Não consigo adiantar com detalhes, mas posso dizer, por exemplo, os tijolos, blocos, o próprio cimento e os ferros.

Como se deve resolver a situação das empresas que, segundo disse, se endividaram por altura do ‘boom’ do petróleo para renovar as unidades?

Deveria estudar-se pontualmente cada caso e chegar-se a um acordo com o investidor. Certamente, o Estado não tem meios, nem fundos para resolver as situações de todos. É preciso definir quais as fábricas prioritárias e ajudá-las a concluir os seus processos no sentido de laborarem perfeitamente, porque estas fábricas todas criam mais-valias para o país.

E como as unidades da associação estão a sobreviver à dificuldade de importação pela escassez de divisas?

Temos empresas do sector da construção que já pararam. É o caso da Condel que, por acaso, não é membro da associação, mas já é do conhecimento público. Há outras a trabalhar no mínimo da sua capacidade, como é o caso da Socolas, que é da associação.

Prevê mais fábricas a fecharem ou é mais optimista em relação ao futuro imediato?

Pensamos que esta situação é transitória. O Executivo está a fazer todo o esforço para que, no princípio do próximo ano, as coisas estejam bem. Não podemos ser muito pessimistas. Agora, quanto tempo mais cada uma das empresas aguentaria, vai depender muito da realidade de cada uma. Algumas podem aguentar meses e outras, anos. Todos sabemos que o país tem dificuldades, há um Executivo novo que dá esperanças que esta situação seja resolvida. Foi dito que haverá divisas. Poucas ou muitas, não sei, mas, dentro das limitações, se forem bem distribuídas, todos os sectores vão subir, não com à velocidade que a gente quer, mas gradualmente. Tem noção de quanto o grupo de empresas da associação precisa em termos de divisas, em média? Não lhe consigo dizer, teria de solicitar atempadamente estes dados. Quem tem esta noção é o Ministério da Indústria que tem o plano de necessidades das empresas.

Além das que já citou, quais são as outras grandes preocupações com que se deparam os membros da associação?

Já falei da falta de divisas. Outra coisa é a existência, no mercado, de empresas que não estão legalizadas. Vai-se a qualquer esquina e encontram-se empresas a fazer blocos, vigotas ou a vender algum material que a gente não sabe de onde vêm. Uma coisa que nos preocupa muito é que nós procuramos trabalhar sempre em conformidade, de maneira a que os nossos produtos tenham qualidade para a satisfação do mercado, mas não podemos falar das outras pessoas. E o cliente, muitas vezes, adquire este material. Queremos que o Estado nos ajude a combater esta situação.

Mas é um fenómeno difícil de combater por diversas razões. Concorda?

Tem de haver maior fiscalização por parte do Estado. Estamos dispostos a ajudar as autoridades. Indicámos certos aspectos que deveriam ser considerados aquando da abertura dos concursos com as empresas todas para o fornecimento de materiais. Deve exigir-se esses documentos de base sobre o estado legal das empresas. Outra coisa é termos, a nível do Estado, laboratórios mais fortes para poder garantir que todos os produtos utilizados nas construções estão dentro dos parâmetros definidos pelo país.

Como está projectada a associação para os próximos 10 anos?

Dez anos é muito tempo. Mas esperamos que seja uma associação forte e que continue a seguir os princípios que tem agora: trabalhar com qualidade, com as últimas normas e procedimentos que estamos agora a definir como base. Estamos a tentar que as nossas empresas sigam os euro-códigos, que inspiram a construção em quase todo o mundo. Neste momento, a tentar adoptar estas normas desde as fundações aos produtos utilizados, à maneira de fazer cálculos. Vamos adoptá-las, tendo em conta as nossas particularidades e condições. Se passarmos a utilizar estas normas e a crescer gradualmente, procurando utilizar estes princípios, seremos uma associação forte. Somos 17 empresas, até ao final do ano, vamos ter mais duas, e, para o ano, mais cinco ou seis.

É um sector aliciante, considerando a realidade angolana?

O país todo funciona num conjunto. As empresas têm os seus produtos, se estes forem utilizados (tendo qualidade e estando dentro das normas), e, se taxarem a importação de produtos semelhantes aos nossos e ainda se tivermos isenção do imposto do consumo, é um negócio normal. As empresas ficam protegidas e depois é a lei do mercado.

Num passado recente assistimos a um ‘boom’ na construção que foi, certamente, bom para as indústrias de materiais de construção. Acredita que voltaremos a esses tempos?

Não precisamos de voltar para aquele período em que havia muito dinheiro. Fizeram-se muitos prédios e agora estão, por aí, muitos vazios. Não é o que se quer. Precisamos de uma indústria de construção que seja sustentada. Normalmente, há os planos de crescimento e a indústria de materiais de construção acompanha este plano.

As empresas de materiais locais têm conseguido vender para as grandes obras públicas?

Vende-se para estas obras. O cimento que se vê nas pontes é angolano, assim como os ferros.

Como olha para a relação da banca com este sector?

Tenho a impressão de que a banca olha para estas empresas como clientes, não há nada de especial. Algumas empresas têm mais ou menos nome na banca, algumas são mais novas e outras mais velhas e deve haver empresas que têm melhor tratamento com o banco A e outra com o B. São relações entre empresas. Nós, associação, temos alguma relação com o banco onde temos conta, mas não sabemos se isto pode ou não facilitar alguma relação das empresas com este banco. Todas as empresas solicitam financiamentos aos bancos e, normalmente, têm de recorrer ao apoio do Ministério da Indústria para conseguirem as divisas.

Mas…

Mas, antes de outra pergunta, gostaria de falar de outra dificuldade. Temos, em Angola, uma preocupação que não existe no resto do mundo, que é a preocupação com a água e a energia. Quase todas as empresas produzem buscando água nas cisternas. Todas produzem com gerador e estas situações todas fazem com que os nossos produtos cheguem a ser mais caros que os importados. Se o Estado criar condições para que haja abastecimento de água e energia, o custo de produção baixa. Baixando o custo de produção e havendo a isenção do imposto do consumo, os nossos produtos são competitivos. Temos estado a assistir ao esforço para a diversificação com plano de exportar para a SADEC. É tudo muito bonito falar, mas, na prática, é difícil, não só por causa destes dois pontos a que me referi, mas também pelo facto de as nossas fábricas se encontrarem todas no litoral e Angola é muito extensa. Para transportar um produto que é feito em Luanda para a Namíbia tem de se fazer mais de mil quilómetros em estradas péssimas, o que quer dizer que teríamos custos altos também com o transporte. Os nossos chegariam aos países limítrofes a preços muito elevados. Tudo isto são coisas que devemos analisar, temos de pensar na deslocalização das fábricas para junto das fronteiras, mas também é difícil porque, nestas zonas, não há luz, nem água. Estamos limitados não só pela situação geográfica das nossas fábricas, mas também pelos altos custos de produção.

Está a dizer que não estamos em condições de aderir, por exemplo, ao comércio livre na região?

Parece-me que este é um caminho. Só temos uma maneira para nos defendermos: é produzir melhor, mais barato e com qualidade. Assim, talvez consigamos combater os produtos que vierem dos países vizinhos porque eles também terão custos de transportes e outros associados para os produtos que trarão para o país.

Considera fáceis de combater, no curto prazo, os constrangimentos da falta de água e luz?

Acho que sim. Criámos Laúca, a maior barragem, mas não estamos a ver a energia. O Estado fez investimento em água no Kikuxi e outros projectos, mas falta a distribuição. São situações que podem ser resolvidas. Criámos as infra-estruturas, temos de fazê-las funcionar. Não podemos toda a hora viver em situações em que vemos projectos como Laúca a serem inaugurados e continuamos sem luz.

Não acredita na solução destes problemas por via dos projectos dos polos industriais e zonas económicas especiais?

Há ou houve o projecto de se criarem os pólos industriais. Em princípio, cada província teria o seu pólo. Não sei onde nos pode levar, mas, pessoalmente, não confio muito no desenvolvimento destes pólos, porque faltam coisas de base, que são a água, luz, esgotos, etc. Quando olhamos para os pólos que existem ou projectados, não há lá nada, são as próprias empresas que têm de levar a água e geradores aos mesmos. Há uma série de trabalhos que deveriam ser feitos pelo Estado.

Não será que os investidores é que não estão a conseguir explorar estas estruturas?

Quais investidores?

Os que estão na Zona Económica de Luanda, Viana, por exemplo...

Há algum investidor por lá? O investidor é o mesmo, é a Sonangol. O outro problema é a criação de indústrias que não são necessárias no mercado, porque não têm mercados para funcionar. Depois, na Zona Económica, há uma coisa engraçada, as fábricas estão ali, mas o comprador final não tem acesso às fábricas, é preciso ter licença e isto não funciona. Faltou o ponto de venda dos produtos. Aquelas fábricas não podem estar isoladas, têm de vender. As fábricas não podem ser feitas para vender só para outras fábricas, só as pessoas especiais é que têm acesso, não pode ser. Falta a comercialização daqueles produtos, aquelas instalações são de luxo.

Investir em Angola ainda é um acto de heroísmo?

É difícil investir em Angola. É necessário mudarem-se muitas regras e, depois, são necessários aqueles trabalhos de casa que o Estado tem de fazer.

Que conselhos daria para melhorar o quadro do sector?

Primeiro, como já disse, seria melhorar as condições mínimas de fornecimento contínuo de água e de luz. Isto é básico. Se não conseguirmos, nunca conseguiremos ter custos competitivos em nada e, não tendo estes custos competitivos, qualquer investidor recua. Se vir os projectos, um dos custos mais elevados é com a energia e água que, em princípio, deveriam ser fornecidos.

Em resumo, como caracteriza o sector industrial?

Está a recomeçar. Temos muitas instalações grandes, principalmente as fábricas que vieram no tempo colonial. Muitas têm o mesmo equipamento e não funcionam. Muitas têm carolas que vão fazendo qualquer coisa, algumas com qualidade e outras sem, mas está a recomeçar. Há que se pensar ou recomeçar de forma sustentável. Existe indústria no país, sempre existiu com altos e baixos, mais baixos que altos, mas é necessário pensar-se numa coisa de continuidade e progresso.

PERFIL

Homem dos petróleos emprestado à construção Formado em Engenharia de Minas, em 1979, pela Universidade Agostinho Neto, o actual presidente de direcção da Associação das Indústrias de Materiais de Construção de Angola é administrador da Mota-Engil Angola em representação da Sonangol, respondendo pelo pelouro ligado às indústrias de materiais de construção. Entrou na petrolífera nacional por via da aquisição pela Sonangol da então Fina Petróleos de Angola, numa altura em que esta tinha a denominação de Petrangol. Também já representou a petrolífera no conselho de administração da Sonagalp. Tem ainda um mestrado sobre Engenharia de Tecnologia e já foi director Nacional dos Petróleos.