CARLOS DA ROCHA CRUZ, GOVERNADOR DO NAMIBE

“Queremos empresários que possam transformar a província”

Líder de uma das províncias pesqueiras do país lança o desafio aos produtores de sal a serem mais agressivos sob pena de perderem as licenças. Também promete ser implacável com os colaboradores que não estiverem alinhados com o combate à corrupção. O governador aposta na iniciativa privada para desenvolver o turismo, as pescas e as energias. Defende ainda uma maior descentralização para os municípios.

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Foi vice-governador antes de ser governador. Significa que teve uma adaptação fácil?

Sim, porquanto a nossa província é pequena, se considerarmos a nossa demografia com 500 mil habitantes, cerca de 65% concentrada na cidade facilmente nos podemos enquadrar com o que encontramos. Vamos dar sequência ao programa deixado pelo governador Rui Falcão e ir actualizando de acordo com o programa de investimento público e o Orçamento Geral do Estado. Pretendemos atrair investidores privados, quer nacionais como estrangeiros, para o Namibe dar o salto que pretendemos, visto que temos muitas potencialidades virgens.

Ainda não está satisfeito com o nível actual de investimento privado na província?

Não, porque o Governo chegou onde tinha de chegar e a situação não está muito boa para ser o Governo a preocupar-se com outros sectores. O Presidente da República chama a atenção para actuarmos neste sentido. Mesmo na diplomacia, está a dar-se prioridade à diplomacia económica para atrair investimentos. Alguns sectores estão a começar a ser explorados, mas não na plenitude. É o caso do turismo. Com operadores experientes, podemos encontrar fortes potencialidades, considerando as áreas por explorar como é o próprio mar e o deserto. O turismo que é feito, mesmo o doméstico, é insipiente e é feito de uma forma não estruturada. Queremos operadores que de A a Z encontram potencialidades que possam transformar o Namibe, como alguém disse por altura das campanhas eleitorais, na terceira capital do país, mas sempre com o enfoque no turismo.

E o que está a ser feito para incentivar estes investimentos?

Estamos a trabalhar com o Ministério da Hotelaria e Turismo para que, de uma forma mais organizada, se vá buscar pessoas com experiência e nós, no terreno, vermos o que temos. Há potencialidades, por exemplo, para os desportos radicais e marítimos. No deserto, há muito por se explorar a partir do Parque Nacional do Yona. Há muita coisa por se fazer. Não queremos mais um turismo feito por curiosos, mas sim com operadores que nos permitam sonhar com a possibilidade de fazermos com que, invés das pescas, o nosso cartão postal possa ser o turismo.

Para que outros sectores olham com a mesma expetativa?

Temos as rochas ornamentais. Pretendemos incentivar a transformação local porque perdemos muito quando só exportamos. Se podermos trabalhar no sentido de termos o produto acabado e semi-acabado, já será uma mais-valia, sobretudo porque fica mais cara a importação dos produtos acabados. Ao importarmos os produtos acabados, pagamos até oito vezes mais e é nesse sentido que estamos a trabalhar. Há empresas que já estão a exportar, só que tem de se fazer mais marketing sobre o que se produz e pretendemos que surjam mais fábricas de polimento de rochas ornamentais porque o potencial no Namibe é muito forte. Muito do granito que aparece na Europa tem como origem o Namibe. Vamos chamar as pessoas para investirem em fábricas porque matéria-prima não vai faltar. Vai exigir, sim, mais investimentos, a montante, ou seja na exploração.

Enquanto isso, as pescas continuam a ser o cartão postal da província...

Houve um período em que estavam num estado bem moribundo, mas já demos um salto muito grande. Assistimos a uma melhoria satisfatória com a entrada em funcionamento de novas unidades pesqueiras o que permitiu gerar quatro mil postos de trabalhos. Continuamos a trabalhar no sentido de criar condições objectivas que garantam o surgimento de novas empresas no município do Tômbwa, onde, brevemente, vamos inaugurar um entreposto e posto pesqueiro com capacidade de atracagem e descarga, ao mesmo tempo, de vários barcos de longo curso. Estamos a trabalhar para recuperar o sector salineiro de forma a aumentar os níveis de produção, baixar os custos de produção e melhorar a qualidade do produto e integrar a rede nacional de distribuição. Assim, resolveríamos o problema de escoamento do produto. Estão a surgir novas empresas que, aliadas à nossa coqueluche do momento, a Academia de Pescas e Ciências do Mar, representarão um salto considerável nas pescas.

Em relação ao sal, os produtores nacionais queixam-se da importação por excesso. Enquanto governador de uma província salineira como pensa atender a estas preocupações?

Nós ainda somos deficitários na produção do sal para o consumo interno. No Namibe, particularmente em Moçâmedes, temos três salineiras, mas a funcionar em pleno temos duas. Há espaço e áreas suficientes para que o Namibe possa ultrapassar Benguela na produção. Vamos chamar a atenção aos empresários que estão com estes terrenos porque os investimentos na indústria não são grandes. É, essencialmente, nas máquinas porque temos o mar, assim como o terreno. Se querem pegar, pegam, senão, vamos chamar quem esteja interessado. Há pessoas que ficaram com os terrenos, não fazem e não deixam fazer, vamos tomar algumas medidas porque o Namibe pode dar um salto bastante grande na produção do sal.

O que pensa em relação à importação do sal?

Têm de ser tomadas algumas medidas a nível superior e isso também em relação a outros produtos, para a defesa da produção nacional. O mesmo serve, por exemplo, para a produção do carapau. Todos os anos, importamos porque a nossa produção ainda não é suficiente, mas isso tem de ser ultrapassado porque temos uma vasta área onde se pode capturar, não apenas estes pelágicos, para satisfazer as necessidades. Temos de encontrar mecanismos com os próprios industriais das pescas. É verdade que houve alturas em que tivemos alguns fenómenos, como o ‘El-Nino’, que influenciaram negativamente na captura, mas as coisas estão a melhorar.

Qual é o actual nível de exploração das salineiras?

Exploram entre 4% a 10%, mas poderiam explorar mais. Um dos problemas que temos é a falta de agressividade por parte do empresariado e uma certa receptividade por parte dos bancos para as solicitações dos empresários. Esse é um dos maiores problemas que temos: os bancos corresponderem às expectativas das empresas.

Quantas licenças estão disponíveis para a exploração do sal?

São poucas, quatro ou cinco, embora haja pedidos para grandes indústrias, mas a área que se está pedir fica um pouco fora da rota em que facilmente se pode produzir e fazer a distribuição. Há solicitações para o Bentiaba. Se realmente estiverem interessados e forem agressivos, a indústria salineira vai dar um grande salto.

Existem perspectivas de mais investimentos industriais para a cadeia da pesca?

O Ministério lança quotas para as capturas em relação à cavala, sardinha e carapau. Em relação ao cacusso, cachucho e corvina têm outro tipo de captura. Somos fortes em relação aos crustáceos, estou a referir-me ao caranguejo que é um dos cartões postais da província, aparecem também os moluscos, lulas e chocos nos períodos próprios, mas, às vezes, não são devidamente aproveitados do ponto de vista comercial e até industrial. Capturam-se grandes quantidades, mas ficam por aí só.

O que está a ser feito para que esta coqueluche, a academia de pescas, não venha a transformar-se num ‘elefante’ abandonado?

Há um grande problema em relação a estas infra-estruturas construídas pelo Estado. Estivemos muito tempo a trabalhar nas pescas, no Tômbwa, e a experiência que obtivemos da indústria pesqueira é a manutenção. Se não for feita, passados um ou três anos, danificam, depois estamos numa área onde a corrosão é muito forte. No Tômbwa, havia um programa de manutenção de todo o processo, até do rolamento. Quando chegasse o momento para a substituição, não se esperava pela avaria. Um programa de manutenção destas infra-estruturas é muito importante. Depois é o trabalho de sensibilização dos utentes que precisam de ter orgulho de estar numa infra-estrutura imponente. Tomara muitas províncias terem aquela infra-estrutura. Felizmente, está no Namibe e vamos trabalhar para se cuidar dela.

Também há preocupação em relação à manutenção da estrada que liga Namibe à Huíla. Como estão a gerir este dossier?

Recentemente, estivemos no Lubango para fazer uma concertação com o governo da Huíla porque a estrada 280 está degradada e grande parte desta degradação parte da circulação dos camiões, que transportam blocos de mármore e granito e, às vezes, ultrapassam as capacidades dos próprios camiões. O que pretendemos é que, existindo o Caminho-de-Ferro de Moçâmedes, se passe a usar esta solução porque é mais barata. Há muitos inconvenientes com o transporte por camiões. Quando caem os blocos ninguém se responsabiliza. Os cruzamentos são estreitos e, em muitos casos, registam-se acidentes. O que pretendemos é que se crie um ponto seco na Huila para o transporte dos blocos do Lubango para o Porto Comercial do Namibe. Depois disso, vai fazer-se uma concertação com os operadores para que passem a usar o porto seco. O mesmo vale para os camiões cisternas que levam o combustível do terminal oceânico de Moçâmedes para a Huíla e o Kuando-Kubango que, ao subir, vão derramando. Ainda haverá muito ruído à volta disso, mas temos de encontrar uma solução.

Acredita do sucesso desta aposta?

A questão não é de sucesso, mas de haver uma compreensão. O Governo está preocupado com a manutenção das estradas que tem provocado muitos acidentes. Vamos colocar duas ou três balanças no percurso e, certamente, muitos camiões irão voltar por excesso de carga.

Mas já existiu uma balança...

Nunca foi utilizada, mas também foi construída num contexto diferente. Teremos de actualizar. Esta semana, o ministro das Obras Públicas estará no Namibe e um dos temas será mesmo a estrada porque também precisa de ser alargada para evitar acidentes.

A crise obriga-nos a outros exercícios para a arrecadação de receitas. E o Namibe como está?

Há um trabalho que a AGT está a levar a cabo para formalizar os negócios. Este é um dos aspectos e, no balanço que se fez, no último trimestre do ano passado, a AGT apresentou bons resultados. O petróleo já era, temos de apostar noutras formas. No nosso caso, são estes sectores que já nos referimos, pescas, rochas ornamentais, turismo quando surgir, e o sector informal. Estamos devidamente organizados para ver se saímos da situação actual.

Como se está a preparar para liderar a luta contra a corrupção no Namibe?

A corrupção é um fenómeno social. Estamos a virar a página da nossa história com a eleição do novo Governo. Desde a independência, passamos por todas as transformações que o país teve do ponto de vista político, económico e social. Se queremos melhorar a nossa situação, temos de combater a corrupção, mas isso vai tocar muito na consciência. Uma questão que é muito importante é a atitude do líder e, em cascata, vai se transmitindo até aos mais baixos. Quem não estiver alinhado terá de sair. Estamos no mesmo diapasão do nosso líder e, na nossa equipa, os quadros também têm de estar alinhados connosco. Quem não estiver vai ter de sair porque não posso fazer esta luta sozinho. Os quadros que me rodeiam têm de saber como penso e o meu pensamento é o do líder do país. Se alguém souber que sou corrupto e tivere coragem, que me aponte. No dia seguinte, peço a minha demissão. Enquanto líder de um território, temos de servir de exemplo. Vai levar o seu tempo, mas temos de mudar. Há províncias mais corruptas do que outras? Isso depende do desenvolvimento de cada província. A massa monetária circul nas grandes cidades. Não posso julgar as outras províncias. Temos de passar a mensagem aos nossos colegas porque quem for apanhado sabemos qual é a atitude que se vai tomar. Da mesma forma, se o titular do poder executivo tiver uma informação de que o governador enfrenta este tipo de situação, já não pode fazer parte da equipa dele.

Na posse dos governadores, o Presidente da República pediu a vossa ajuda para descentralizar o poder. Como tem estado a pôr em prática esta orientação?

Está a decorrer um processo na base do decreto presidencial 208. A província do Namibe tem 19 direcções, mas brevemente terá 12 ou 13 gabinetes. O que estamos a levar a cabo, na preparação dos quadros, é lema: ‘a vida faz-se nos municípios’. Assim que sair o estatuto orgânico desse decreto, os governadores não terão as mesmas responsabilidades porque serão transmitidas para os municípios. Temos de ter coragem de mudar a mentalidade porque o governador, neste momento, centraliza as actividades, mas agora vai passar para os municípios. Estamos a fazer o mesmo em relação aos nossos vice-governadores. Por exemplo, o vice-governador para a área política e social é, praticamente, o governador para esta área. Da mesma forma, ele tem de passar esta autoridade para as direcções que dependem deste pelouro, porque, quando passarmos para outra fase, já nos teremos libertado dessas responsabilidades. Já não teremos o poder concentrado no governador, vai diluir-se até chegar aos municípios e, no fim, às comunas. Isso já na perspectiva das autarquias. Os melhores quadros vão para os municípios porque quem conhece os problemas dos municípios e das ruas são os moradores e os governantes locais.

Quais são os municípios que ficariam de fora caso se optasse pela implementação das autarquias locais?

Há municípios que ainda não estão em condições e temos de ser realistas. Nas autarquias, os municípios têm de autofinanciar-se independentemente das receitas provenientes do Estado e não podemos tapar o sol com a peneira. É melhor não adiantarmos os nomes porque há ruídos de que têm de ser todos os municípios, mas sabemos que nem todos estão preparados porque senão, na primeira fase, será um fiasco. Uns vão desenvolver-se e outros vão regredir porque não terão capacidade de autossustentar os seus programas. Vamos deixar que as coisas aconteçam e na base do gradualismo. Se as situações objectivas e subjectivas, ao nível de todos os municípios, fossem iguais, não teríamos problemas. Moçâmedes tem porto, caminho-de-ferro e aeroporto, mas o Virei não tem. Para chegar lá, ‘é um Deus nos acuda’. O Kamucuio também não tem e são estas situações que temos de ver. O importante é iniciar e ver onde vamos pecar.

Há quem acredite que, na primeira fase, teremos muitos casos de peculato envolvendo autarcas por suposta falta de experiência. Tem o mesmo pensamento?

Não concordo. Já houve uma experiência e deram-se saltos qualitativos. Houve um período em que cada município recebeu cinco milhões de dólares. Alguns geriram bem e quem ficou ambicioso foi para cadeia. A consciência de cada um é que vai determinar como vai gerir estes fundos que são públicos. Muitos, quando nomeados, metem-se a jeito e sabemos o que pode acontecer. O tempo que passamos já é mais que suficiente para as pessoas terem consciência da responsabilidade que têm em relação aos fundos à sua disposição. Tem de se ter confiança e quem não tiver capacidade é melhor não arriscar.

A província também tem muitos problemas de energia. Como pensam resolvê-los?

Estamos a trabalhar com energia fornecida por geradores e houve uma altura que a situação era critica devido à dificuldade de combustível. Esta fase, felizmente, foi ultrapassada. Mas até quando? O Namibe é forte em sol e ventos, de maneira que já chamámos alguns empresários para a construção de uma planta de energia fotovoltaica e outra eólica, sobretudo para o Tômbwa e uma outra planta hibrida. Estamos à espera que nos apareçam os investidores.