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Risco de branqueamento de capitais via instrumentos de dívida no sector Oil & Gas: da ocultação primária à complexidade sistémica

24 Oct. 2025 Opinião

A narrativa convencional sobre o branqueamento de capitais no sector petrolífero tende a focar-se em esquemas de trade-based money laundering (TBML) rudimentares, como a má classificação de crude ou o over-/under-invoicing. Embora estas práticas persistam, representam uma faceta de baixa sofisticação de uma ameaça que sofreu uma profunda mutação. A fronteira crítica do risco deslocou-se decisivamente dos canais comerciais puros para a infiltração dos próprios mecanismos de financiamento internacional. O que observamos hoje são instrumentos de dívida e veículos estruturados mobilizados não para ocultar fundos, mas para os legitimar na sua origem, através da sua integração no sistema financeiro formal.

Risco de branqueamento de capitais via instrumentos de dívida no sector Oil & Gas: da ocultação primária à complexidade sistémica

O vector de maior risco já não é a mera movimentação de fundos, mas a sua transformação em dívida de baixo risco, lastreada por activos reais ou recebíveis futuros. O mecanismo predominante envolve uma simbiose entre Special Purpose Vehicles em Jurisdições Opacas (constituição de entidades em jurisdições com regimes de reporte benéficos que serve apenas para ocultar o beneficial ownership. O objetivo operacional primário é atuar como contraparte em operações de crédito, criando uma fachada de transação de mercado entre entidades legais distintas) e Operações de Empréstimo Back-to-Back com Lastro em Commodities (estes SPVs contraem empréstimos junto de instituições financeiras ou de outras entidades do mesmo grupo, utilizando como colateral os recebíveis futuros de produção petrolífera. O fluxo de fundos é estruturado para simular um project finance legítimo). No entanto, a origem dos fundos emprestados é, em si, ilícita. O empréstimo, uma vez registado, transforma capital ilícito num passivo contabilístico legítimo, a ser pago com os próprios recursos da empresa ou do projecto que foi, ironicamente, financiado com os seus próprios desvios.

A camada de sofisticação crítica é adicionada através do uso estratégico de derivados de crédito, nomeadamente Credit Default Swaps (CDS). A operação é apresentada como uma gestão prudente de risco de crédito. Cria-se um circuito financeiro fechado e auto-justificável onde prémios do CDS e os juros do empréstimo funcionam como veículos para a transferência de valor, lavando fundos adicionais sob o disfarce de custos de hedging. A existência do CDS ‘esteriliza’ o risco da operação perante os olhos de auditores menos atentos, conferindo uma aura de legitimidade e solvabilidade à estrutura.

Um outro modelo é o ‘Transfer Pricing’ com Roupagem Técnica. Estes modelos de transfer pricing evoluíram para além da simples manipulação de preços. Esquemas contemporâneos são justificados por cláusulas contratuais que invocam factores de risco geopolítico, prémios de iliquidez forjados ou custos de serviços técnicos superfacturados e não verificáveis. A complexidade contratual não é um subproduto, mas o objectivo principal: tornar economicamente plausível e legalmente defensável a extracção de valor para fora da cadeia produtiva legítima. A análise de Debt Service Coverage Ratios (DSCR) nestes contextos torna-se crucial, pois ratios artificialmente inflacionados ou deprimidos podem ser o primeiro indício de que os fluxos de caixa estão a ser manipulados para servir a estrutura de branqueamento e não a viabilidade económica do projecto.

Os sistemas de monitorização transacional baseados em rule-based scenarios são profundamente ineficazes perante esta ameaça. A deteção de um red flag num pagamento isolado é irrelevante quando o ilícito está embutido na própria arquitetura jurídico-financeira de uma operação de structured finance.

O combate eficaz ao Branqueamento de Capitais exige uma mudança de paradigma no compliance, saindo das batalhas nas fronteiras do sistema financeiro para os corredores da structured finance.

O combate deve basear-se  na análise  estrutural e não apenas na análise transacional.  Os profissionais de AML/CFT devem ser capazes de ler e interpretar prospectos de emissão de dívida, contratos de derivados OTC e a estruturação de SPVs. A Due Diligence não pode limitar-se ao cliente directo; deve mapear toda a cadeia de veículos e contrapartes envolvidas numa operação de financiamento. É imperativo o desenvolvimento de capacidades internas de forensic accounting e financial modelling. Isto implica a capacidade de desconstruir modelos financeiros de projectos, de desafiar pressupostos de valuation e de identificar inconsistências entre os fluxos financeiros reportados e a realidade operacional do projecto petrolífero. A análise de rede (network analysis) para mapear conexões entre SPVs, contrapartes de CDS e beneficiários finais torna-se mais importante do que a análise de transacções isoladas.

Ou desenvolvemos uma capacidade endógena de forensic finance para desmontar estas arquiteturas de ilicitude, ou arriscamo-nos a que o sistema financeiro angolano se torne, ele próprio, o veículo da sua própria corrupção.