Uma estratégia pandémica tão global como a COVID-19

24 Mar. 2020 Opinião

rasto de sofrimento que o COVID-19 está a deixar – desde mortes, sistemas imunológicos danificados e economias enfraquecidas – será mais grave para os que tiverem menos capacidade de se defender, a níveis comunitário e mundial. No entanto, é provável que esta onda de infecções seja apenas a primeira. À medida que o COVID-19 alcança países com instituições frágeis e sistemas de saúde débeis, um grande número de pessoas poderá morrer a curto prazo, incluindo muitos dos milhões de vulneráveis que vivem em campos de refugiados descontrolados e com poucos recursos. Além disso, o vírus poderá tornar-se endémico.

A cidade de Wuhan, China – onde o vírus surgiu pela primeira vez, mas as mortes e novas infecções estão agora a diminuir – está na semana 18-20 de uma epidemia de 20-22 semanas. O norte de Itália pode estar agora na semana 11-13 e o Reino Unido na semana 8-9. Os países vulneráveis de África e da América Central e do Sul, no entanto, estão na semana 1 a 5 – o início do seu ciclo epidémico.

A contenção de uma pandemia requer o fortalecimento dos elos mais fracos – num hospital específico, numa comunidade local, num país ou no mundo. É por isso que é do interesse de todos apoiar urgentemente os sistemas de saúde débeis, que têm de ter a capacidade de lidar não apenas com a enchente iminente de casos, mas também de estar preparados para futuras vagas de COVID-19 e de vírus semelhantes.

Esses esforços têm de ser rápidos e em larga escala, projectados para o pior cenário. Os responsáveis têm de utilizar evidências baseadas em investigações e enfrentar acentuadas curvas de aprendizagem. Não há espaço para ‘slogans’ vazios e intuições desleixadas. Os custos de uma resposta ambiciosa são insignificantes em comparação com os que ocorrem como resultado de hesitações ou erros. O G20 deveria liderar na galvanização de medidas, como fez após a crise financeira global de 2008. Na sua cimeira de 2009, em Londres, o G20 uniu-se em torno de um plano de acção conjunto que envolveu as principais partes interessadas e garantiu que o sistema global continuava a operar. Actualmente, é necessária uma abordagem semelhante. 

Para começar, uma estratégia global tem de apoiar o esforço para desenvolver e distribuir uma vacina. A pandemia do COVID-19 já provocou a troca mais rápida de conhecimento científico da história da humanidade, com jornais e revistas científicos a retirar acessos pagos relevantes.

Não há garantia de que uma vacina poderá ser encontrada – ainda temos de desenvolver uma para a constipação comum, que pode ser causada por outro coronavírus. Mas se alguma for desenvolvida, terá de ser produzida em massa e distribuída pelo mundo inteiro. Os esforços unilaterais como os do governo do presidente dos EUA, Donald Trump, – o qual, supostamente, tentou adquirir direitos exclusivos sobre qualquer vacina desenvolvida por uma empresa farmacêutica alemã – têm de ser combatidos.

Uma estratégia global eficaz também tem de incluir educação em saúde. Tal como o director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, expressou na Conferência de Segurança de Munique do mês passado: “Não estamos apenas a combater uma epidemia; estamos a lutar contra uma infodemia” – que pode ser tão perigosa como o próprio vírus, principalmente em países com instituições mais frágeis. 

O foco actual na saúde oferece uma rara oportunidade de se investir neste tipo de educação. Para terem êxito, os governos do G20 precisam de escutar as organizações internacionais e trabalhar juntamente com elas – a começar pela OMS. Ultimamente, a OMS tem resistido a duras críticas, à semelhança do que ocorreu em epidemias passadas, mas grande parte desse diagnóstico de falhas é mal direccionada, mal informada e contraproducente. A OMS continua a ser a única instituição que pode propiciar uma liderança na saúde global e inspirar a confiança necessária para intervir. Estamos a prejudicá-la por nossa conta e risco.

Do ponto de vista económico, o Fundo Monetário Internacional (FMI) – que forneceu o tão necessário dinheiro durante a epidemia de Ébola na África Ocidental em 2014-16 – já prometeu disponibilizar cerca de 50 mil milhões de dólares através dos mecanismos de financiamento de emergência de desembolso rápido. O Banco Mundial, que tem um longo historial de apoio à saúde, anunciou um pacote inicial de até 12 mil milhões de dólares em apoio imediato para os países afectados.

Por último, os sectores privado e filantrópico têm de se juntar à luta. A instituição Wellcome Trust, juntamente com a Fundação Mastercard e a Fundação Bill & Melinda Gates, já anunciaram o Acelerador Terapêutico COVID-19 – uma iniciativa de 125 milhões de dólares para identificar potenciais tratamentos para o vírus, acelerar o seu desenvolvimento e preparar para o fabrico de milhões de doses para uso mundial. As parcerias público-privadas – como a Coligação para Inovações de Preparação para Epidemias e a Gavi, a Aliança para Vacinas, que apoiam o desenvolvimento e a administração de vacinas, respectivamente - deveriam também ser activadas.

Mas existe uma grande lacuna de financiamento. O Conselho Global de Monitorização da Preparação solicitou, pelo menos, oito mil milhões de dólares em novos financiamentos imediatos, incluindo mil milhões de dólares para fortalecer a resposta de emergência e preparação da OMS, 250 milhões de dólares para medidas de vigilância e controlo, dois mil milhões de dólares para o desenvolvimento de vacinas, mil milhões de dólares para o fabrico, distribuição e entrega de vacinas e 1,5 mil milhões de dólares para medicamentos terapêuticos.

Os ministros das Finanças do G20 têm de fornecer os recursos necessários antes da próxima reunião agendada para Abril. O investimento necessário é mínimo em comparação com os custos sociais e económicos da inacção. Uma resposta conjunta eficaz poderia lançar as bases para um multilateralismo novo e mais ágil, que esteja bem mais equipado para lidar com os desafios globais futuros, desde as alterações climáticas até à próxima pandemia.

Os futuros historiadores vão julgar a nossa eficácia ao lidarmos com a pandemia do COVID-19. A menos que os líderes mundiais trabalhem juntos, o seu julgamento não será nada amável.

 


Erik Berglöf, Director do Instituto de Assuntos Globais da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, ex-economista-chefe do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento