HISTÓRICO DE INSUCESSO CRIA DÚVIDAS

Vitória do MPLA reacende debate sobre combate à corrupção

CRIME FINANCEIRO. Durante a campanha eleitoral, João Lourenço anunciou, inúmeras vezes, a disposição de combater a corrupção. Com os resultados a seu favor, instalou-se debate sobre as possibilidades que terá o Presidente eleito.

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O combate à corrupção assumido pelo candidato do MPLA, declarado vencedor das eleições do último dia 23 de Agosto, é visto pela generalidade dos observadores como um dos grandes desafios de João Lourenço, atendendo sobretudo o histórico de insucesso nas tentativas de combate ao fenómeno. Face aos resultados das eleições que dão vitória ao MPLA, a questão recorrente que se tem colocado é como o próximo Presidente da República poderá inverter o histórico de fracasso, responsável pela presença do país entre os mais corruptos do mundo nos diversos rankings internacionais.

Nos últimos cinco anos, por exemplo, no ranking da Transparência Internacional, Angola registou melhoria apenas entre 2012 e 2013, quando passou da posição 157 para 153 (num total de 175 países), enquanto o seu nível passou de 22 para 23. Os níveis estão agrupados em dez grupos de dez níveis e vão de 0 a 100, sendo que, quanto mais baixo for o nível, maior o índice de corrupção.

Desde então, regista-se uma tendência decrescente, tendo passado da posição 153 e nível 23 para a posição 161 e nível 19 em 2014. Sequencialmente, passou para a posição 163, em 2015, e 164, em 2016. No que diz respeito ao nível de corrupção, o país entrou como o segundo pior do ranking em 2014, registo que se mantém já que terminou o nível 18, em 2016. Entretanto, comparativamente a 2015, o país registou, no ano passado, uma melhoria considerável, uma vez que se encontrava com o nível 15 (o pior vai de 0 a 9 e o segundo de 10 a 18).

A economista e docente universitária Judith Correia prefere acreditar, no entanto, que esses rankings “não espelham efectivamente” a realidade em todos os países “Considerando o actual ranking da TPI de 2016, de acordo com o chamado Índice da Percepção da Corrupção (IPC) que tenta medir a corrupção que é suposto existir entre os funcionários públicos e os políticos, com base no ‘feed-back’ das pessoas que directa ou indirectamente com eles trabalham, Angola aparecia no 164.º lugar, num total de 176 países, ou seja, seria o 13.º país mais corrupto do mundo, o que não sei se será verdade, porque se registam certas ocorrências, noutros países, que põem em causa a supervisão eficiente dos respectivos sistemas financeiros e jurídicos e que são altamente lesivas dos trabalhadores e da população em geral”, argumentou.

Por sua vez, a também economista Laurinda Hoygaard prefere atribuir ao trabalho e ao tempo a possibilidade de o país melhorar nos vários rankings. “Depende do trabalho e dos resultados das medidas a implementar para garantir o desenvolvimento harmonioso do território, a descentralização e a municipalização”, explica Hoygaard, que refere a necessidade de sucesso na criação de uma estrutura produtiva menos dependente da mono-extracção e da exportação petrolífera. “É preciso também melhorar os índices de produtividade e competitividade, o crescimento e o fortalecimento do sector privado, a valorização do capital humano e o emprego qualificado e remunerador”, acrescenta.

Além da presença regular nas piores posições de vários índices internacionais, há outros exemplos que espelham o insucesso do país no combate à corrupção, com desatque para a inaplicabilidade da Lei de Probidade, cuja aprovação, em Março de 2010, foi encarada, para muitos, como o principal sinal da vontade do Executivo em relação à causa.

A Lei obriga, por exemplo, que os diferentes gestores públicos façam uma declaração de bens antes da tomada de posse e seja actualizada de dois em dois anos.

Estipula ainda que “o agente público não pode solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, quaisquer presentes, empréstimos, directa ou indirectamente quaisquer ofertas que possam pôr em causa a liberdade da sua acção, a independência do seu juízo e a credibilidade e autoridade da administração pública, dos seus órgãos e serviços”. Laurinda Hoygaard conclui assim que, face ao desafio assumido, é incontornável a aplicação da lei. “Assim creio”, sublinhou.

AVANÇOS E RECUOS

A crença de que a entrada em vigor da Lei sobre Probidade Pública era o instrumento que faltava para o início do combate à corrupção encontrava suporte no facto de ter sido aprovada quatro meses depois de o presidente José Eduardo, concretamente em Novembro de 2009, ter apelado para a necessidade de o partido comprometer-se com “uma espécie de tolerância zero” em relação à corrupção.

Fê-lo quando discursava na abertura da XV sessão do comité central do MPLA, tendo reconhecido, na ocasião, que ainda havia “muito trabalho a fazer” no que dizia respeito à “transparência dos actos de gestão e a boa governação”. Na altura, o Presidente da República cessante referiu que o MPLA, enquanto partido no poder, tinha aplicado “timidamente” o princípio de fiscalização dos actos de gestão do Governo, através da Assembleia Nacional e do Tribunal de Contas. E que a situação tinha sido “aproveitada por pessoas irresponsáveis e por gente de má-fé para o esbanjamento de recursos e para a prática de acções de gestão ilícita e mesmo danosas ou fraudulentas”.

Entretanto, em Abril de 2011, o Presidente da República terá, no entender de muitos, deixado a entender que se encontrava conformado com o insucesso do combate ao fenómeno quando, durante o seu discurso, na abertura da I Sessão Extraordinária do Comité Central do MPLA, salientou não haver “país nenhum no mundo em que não há corrupção”. A economista Laurinda Hoygaard insiste, no entanto, que o desafio é possível de ser alcançado, fazendo recurso ao ditado “querer é poder”. “Por outras palavras, João Lourenço reafirmou ao dizer, e cito, «a corrupção é um dos piores males que afectam a nossa sociedade» e ainda que «estamos decididos a combater este mal» e «condenados a ter coragem». A firmeza da intenção dá-nos garantias de que tal fenómeno será combatido com sucesso, logo que identificadas as causas, desenhados os cenários para as melhores soluções e implementados os mecanismos e processos adequados a tão nobre objectivo”, sublinhou.

Judith Correia também acredita “plenamente que existem condições em Angola para que seja um êxito o desafio do combate à corrupção”.

PROPOSTAS

Laurinda Hoygaard é de opinião que o “fundamental não será criar novas instituições”, mas “sim, dotar as existentes de poderes adequados ao exercício efectivo do combate ao crime económico, incluindo a corrupção e congéneres”. No entanto, admite que a “reforma do Estado (que integra nomeadamente, as reformas da Administração Pública, do Direito e da Justiça, …) poderá concretizar-se na criação do referido corpo especializado”.

Por outro lado, acrescenta Laurinda Hoygaard, “será necessário reformar a estrutura governamental, reduzir drasticamente os gastos públicos, reequacionar as carreiras e escalas salariais, redistribuir os funcionários pelo universo nacional, minimizar os subsídios extra-salariais e muitas outras medidas cujos resultados vão contribuir para uma maior inclusão social, maior equidade e justiça social, equiparação de oportunidades e, logo, maior harmonia e convergência de identidade nacional. Tudo isso são vias indirectas de combater as más práticas da corrupção”.

Angola ratificará a Convenção da UA sobre Combate a Corrupção?

A aposta de combate à corrupção motiva interrogar se será desta que Angola ratificará a Convenção da UA sobre Prevenção e Combate à Corrupção que foi adoptada em 2003, entrando em vigor em 2006. Até agora, 37 dos 55 países africanos ratificaram a convenção e Angola está entre os que optaram por ficar de fora. Tal facto foi sempre encarado como sinal de alguma falta de vontade do país em comprometer-se seriamente com essa luta.