EMPRESÁRIO LUÍS CUPEÑALA ANALISA CONJUNTURA ECONÓMICA

“A criação do PAPAGRO e do Nosso Super foi um erro”

Criou, há 20 anos, um grupo que hoje movimenta negócios em volumes que evita precisar: “Sobre isso vamos abrir um parêntese para a próxima oportunidade”, mas revela que já perdeu quase 50 milhões de dólares, com a desvalorização cambial. Frontal, o presidente executivo do grupo Bongani critica a intervenção do Estado em sectores como a distribuição, considerando o ‘Nosso Super’ e o PAPAGRO como “um recuo histórico”, logo “um erro”. E observa que a distribuição de divisas deixou de parte o sector industrial.

Que medidas o Estado deve adoptar para enfrentar a situação macroeconómica actual?

Os empresários não se fazem só. O Estado é que faz o seu empresariado. A forma como são estruturadas as políticas económicas, que tem que ver com incentivos fiscais, políticas monetárias e não só, são as que fazem o meio ambiente, capaz de criar empresários com robustez e capacidade competitiva, não só no mercado interno como no externo. Porque as questões económicas são uma questão de soberania. Uma dependência acentuada cria problemas para o país. É do interesse do Governo criar um esteio de uma classe empresarial forte, capaz de competir com o mercado externo. As pessoas habituaram-se a fazer lucros fabulosos, ao imediatismo. Habituaram-se a falar de dinheiro, mas não se habituaram a falar de factores de produção e capitais. Não se habituaram a falar da qualidade no processamento dos bens de produção, que resultem em bens e serviços de alta qualidade para competir no mercado. E é isso de que Angola precisa.

Será apenas a escassez de divisas que está a provocar encerramento de empresas?

A crise, de modo geral, actua em todas as esferas. Num mercado, tem de haver poder de compra. A distribuição justa da renda é que define o poder de compra. Quando o poder de compra deixa de existir, então não há negócios. Atrasos e pagamentos de baixos salários influenciam o poder de compra. A política cambial, a escassez de dólares, a situação das importações de bens e serviços, tudo isso retira a capacidade interna do mercado angolano. Como o Governo definiu que a importação de alimento e medicamento é que é prioritária, então as indústrias locais que dependem da matéria-prima importada estão a ser esquecidas no que toca à alocação de divisas. A agricultura e outros projectos novos que estão a ser projectados não são para sair da crise, mas para criar base de sustentação para o futuro. Mas agora precisamos de saber qual é a estratégia para sair da crise. Como é que se pode inverter este quadro cambial? Quais são as condições que podem ser criadas para que as empresas se reabilitem...?

Há alguma empresa do Grupo Bongani que tenha encerrado por causa da crise?

Temos a Flotec, uma empresa que produz vários produtos plásticos para o mercado e tem cerca de 80 trabalhadores. Nessa altura, paralisámos a produção porque não temos condições para comprar divisas e fazer a importação de matéria-prima. A paralisação, que está já a caminho de seis meses, reduz a capacidade de tributação. Se não há tributação, reduz-se também a capacidade do Governo na gestão das suas despesas públicas. Então o fecho de indústrias está intrinsecamente ligado aos despedimentos de pessoal. As pessoas vão à rua, o que aumenta os níveis de criminalidade. Há empresas que dependiam 100% de contratos com o Governo, que estão a fechar e estão a despedir em massa, milhares e milhares de angolanos que estão fora e, com eles, as suas famílias que praticamente perdem o direito ao pão.

Esta e a única empresa do grupo que fechou?

Temos também dificuldades com a indústria de pedra (mármore e granito), que é a Alaturca, na importação de peças de reposição. Funciona, mas a meio gás. Temos ainda a Emirates, que é particamente o esteio da circulação de pessoas e bens. Não podemos falar da diversificação da economia sem falarmos do investimento estrangeiro directo. Temos dificuldades de repatriar os valores que resultam da venda dos bilhetes. O mais difícil ainda é o problema da desvalorização da moeda. Perdemos quase 50 milhões de dólares por causa da desvalorização da moeda. Tanto mais é que hoje reduzimos de sete para cinco voos por semana, porque estamos a ser muito afectados por esta crise. Mas não somos os únicos, a TAAG e outras companhias também estão a ser muito afectadas.

Como é que o Banco Nacional de Angola deve fazer a distribuição de divisas?

Talvez devesse fazer por quotas para evitar que a indústria paralise, principalmente, aquelas que dependem de matéria-prima importada. Estamos a contextualizar o quadro de hoje no programa da diversificação da economia. A diversificação não é só agricultura, é preciso saber que a agricultura é a base, conforme dizia o Presidente Agostinho Neto, e a indústria é o factor decisivo, porque é a indústria que tem o valor acrescentado dos produtos que vêm do campo.

Falta diálogo entre o Governo e os empresários?

O Governo devia fazer auscultação. Porque é necessário também falar com o sector empresarial para saber o que está a afectar-nos. Era necessário racionalizar a alocação dessas verbas para a importação, além da comida e medicamentos. Estamos de acordo, temos de importar, mas é necessário saber também como é que podemos acautelar para que as indústrias que dependem da importação da matéria-prima não fechem de modo a evitarem-se também despedimentos. Devia saber-se, das poucas verbas existentes, quanto é que se podia mobilizar para a indústria.

Houve um esquecimento do Governo em relação à indústria, portanto…

Nós, os empresários angolanos, somos o resultado das reformas económicas. Fomos gerados pelo Estado. Os empresários angolanos são filhos do regime, logo o regime tem de dar valor aos empresários que gerou no país. Tem de fortalecer esta classe, porque é aí onde está o seu orgulho. Os outros países, como da Europa, também geraram os seus empresários, que competem com os empresários angolanos. E, quando a economia é detida pelos estrangeiros, o Estado acaba por ficar dependente em importantes decisões, porque a economia é uma questão de soberania.

O que pensa sobre os projectos do Governo como o Programa de Aquisição de Produtos Agropecuário (PAPAGRO)?

Há programas que falharam e é necessário sermos muito honestos. Quando Angola, em 1992, passou da economia planificada para a economia mista, o Governo passou a ser um regulador, ou seja, aquele que cria o clima de mercado para que o sector privado desempenhe o seu papel, na execução da sua política. Nesse sentido, a criação do PAPAGRO não foi uma boa ideia. Porque, desta forma, o Governo voltou ao período da economia planificada, em que tem de vender a batata e construir lojas. O projecto de supermercados ‘Nosso Super’, por exemplo, também falhou.

A intenção do Estado não terá sido a de assegurar equilíbrios, face às especificidades da economia? E também de relançar o mercado da distribuição?

Isto não é responsabilidade do Governo em economia de mercado livre ou de concorrência. O que representou o ‘Nosso Super’? Era para competir com empresas privadas? O Governo devia monitorizar, para que os privados vendam produtos de qualidade e que os preços sejam honestos. A situação do PAPAGRO está errada, a situação do Nosso Super, lojas Paparokas e Poupa Lá está errada. Depois das reformas macroeconómicas tão brilhantes que o Governo fez, do sistema de economia planificada para a economia mista, cujo percurso começa em 1992, a iniciativa Nosso Super e PAPAGRO foi um recuo na história, sobretudo, no quadro das grandes conquistas no domínio económico.

Por que razão o produto nacional é mais caro que o importado?

No Waku-Kungo (Kwanza-Sul), por exemplo, produz-se leite, queijo e frangos. Entretanto, temos o problema das infra-estruturas eléctricas, que encarecem a produção destes produtos. Como o frango do Waco-Kungo é muito mais caro do que o frango que vem de Portugal ou do Brasil, então as pessoas preferem comer o frango importado. Isto desencoraja o camponês e a indústria local. O Ministério do Comércio tem de criar políticas que promovam a cultura de consumir o que é nacional, fazendo o levantamento do que é produzido localmente para que, dentro das quotas definidas, se importe apenas o que ficar estipulado. Se produzimos 50%, então o Ministério do Comércio só pode licenciar 50% para a importação, para evitar que os produtores nacionais sejam desincentivados.

O imposto industrial está fixado na ordem dos 30%. O que significa em termos da atracção de investimentos?

O problema não é a percentagem de 30 ou 35%. Desde que o mercado esteja bom e faça dinheiro, não há problemas. O Estado vive de receitas tributárias. Acontece que o problema não é só de tributar, é preciso criar um ambiente para que as empresas tenham espaço de trabalho, possam exercitar as suas actividades. Se as empresas forem lucrativas, o Estado também pode arrecadar mais dinheiro. Com empresas falidas não há tributação.

O sector do entretenimento e desporto podem ajudar na diversificação?

Quando falamos do mercado de valor, está tudo interligado. Angola conquistou a paz efectiva em 2002. Durante todo o tempo depois da independência, só conhecemos o troar de canhões, pelo que não se falava de entretenimento. Hoje, as pessoas já pensam em sair para assistir a um filme. Já pensam em centros de recreação de crianças. Todo o ser humano precisa de entretenimento, até porque, mesmo em tempo de guerra, as pessoas saíam daqui para fazerem turismo na Europa. Esta pode ser uma boa área de negócio.

As empresas queixam-se, de uma forma geral, do acesso ao crédito, especialmente nesta fase? E o grupo Bongani?

Quando há uma crise, os bancos retraem-se por causa da incerteza. O risco é maior. A análise dos empréstimos é maior. Os créditos são feitos em moeda nacional. Mas, há aí o programa ‘Angola Investe’ exactamente para partilhar o risco desses empréstimos com as empresas. Nós, a Bongani, tivemos estes empréstimos do Angola Investe na indústria de pedra. Para a área de projectos correntes e de alto rendimento, os bancos estão a emprestar dinheiro, porque sabem que o retorno é previsível.

 

Bongani investe dez milhões de dólares na madeira

Como está o vosso projecto de produção de madeira?

Estamos a fazer um investimento muito sério para a montagem desta indústria, que está na área de Cacuaco, em Luanda. Pensamos que, dentro de um ano, estará concluída. É um investimento muito oneroso a ser suportado com recursos próprios do grupo.

Qual é o valor de investimento?

O investimento feito até hoje está à volta de 10 milhões de dólares. A capacidade instalada é de cem mil metros cúbicos/ano. Trata-se, portanto, de muita madeira para o mercado interno e, eventualmente, para o mercado externo. Também vamos transformar a madeira em produtos finais, como contraplacados, portas, carteiras escolares e muitos outros produtos de que o país precisa, neste quadro da diversificação e redução sistemática das importações. Inicialmente, vamos criar 70 postos de trabalho, mas este número vai aumentando à medida que se vão implementado outros projectos dentro da fábrica.

Passados quase 20 anos, qual é o volume de negócio do grupo Bongani?

Essa é uma pergunta muito complexa. Vamos abrir um parêntese para a próxima oportunidade. Quantos trabalhadores emprega o grupo? O grupo gerou até agora quase 500 postos de trabalho, maioritariamente angolanos.

Qual foi o seu primeiro negócio?

Começámos na África do Sul, com uma empresa de comida rápida (‘Fast Food’), denominada ‘Nandos’. Era como a McDonalds. A África do Sul é um mercado bastante avançado. Angola também se prepara para isso. O ‘fast food’ hoje já funciona, porque as empresas não fecham o atendimento ao público às 12 horas. E as empresas que não têm refeitório, muitas delas, encomendam ou vão mesmo a este tipo de restaurantes.

Criou o grupo Bongani sozinho?

Contei com o Dr. Teddy de Almeida, que é o meu parceiro natural. Encontrei nele o alinhamento. Até porque também trabalhava connosco no Grupo Valentim Amões. Na altura, tinha sido apontado para director para a área internacional e respondia, sobretudo, para a África do Sul. Então encontrámos o mesmo alinhamento. Foi então que criámos a Bongani Investimentos. Bongani é um nome, mas em língua zulo, da África do Sul, significa obrigado. O sentido do nosso pensamento não era, no entanto, expressar apenas o obrigado. Era para dizer “obrigado Deus pela oportunidade que nos oferece, numa terra estrangeira”. Na terra de Mandela, porque foi aí onde criámos a Bongani. “Thanks for God for de oportunity”. Esse é o significado da Bongani para nós.

 

PERFIL

Luís Cupena, Nascido em 1962, no Kwanza-Sul, Luís Cupenala entrou no mundo dos negócios nos anos 80, no Huambo, após ter sido convidado a integrar, como gestor, à Organizações Wapossoka e Nambula, dos irmãos Faustino e Valentim Amões. Em 1998, deixa de trabalhar para a família Amões, partindo para a Africa do Sul, onde começa o primeiro negócio de fast food (comida rápida), tendo criado, com o companheiro Teddy de Almeida, o grupo Bongani, que emprega actualmente perto de 500 trabalhadores. Cupenala, que sonhava trabalhar na indústria petrolífera, tem duas formações médias, uma em telecomunicações e outra em ciências biológicas. Tem também dois mestrados, um em administração de negócios (MBA), feito na África do Sul, pelo Instituto Superior de Mancosa, onde também fez a licenciatura em gestão de empresas. Já o segundo mestrado, em liderança, fez no Reino Unido, pela Universidade de York.