Rosa Soares, escritora

“A leitura ainda é vista como penosa e obrigatória”

17 Apr. 2019 Marcas & Estilos

LITERATURA. Com apenas 22 anos, Rosa Soares já tem quatro livros publicados. ?Em entrevista ao VALOR, lamenta que a literatura angolana ainda seja “pouco divulgada” e defende a criação de um programa de apoio financeiro para escritores e a construção de pequenas bibliotecas em todos os bairros do país para promover e tornar a literatura “mais eficaz”. Afirma não conseguir lançar mais obras devido aos “elevados” custos de produção.

“A leitura ainda é vista como penosa e obrigatória”

Como está a literatura infantil em Angola?

Acredito que já esteve melhor. Como leitora, lembro-me de que, quando era mais nova, havia mais lançamentos e eventos de literatura infantil. Actualmente, além de poucos títulos publicados, há pouca divulgação e promoção do livro. Este cenário é o resultado da falta de incentivos e apoios para os escritores.

A literatura infantil em Angola é pouco divulgada ou até mesmo desconhecida?

A literatura, em si, é pouco divulgada em Angola. A leitura ainda é vista como uma actividade penosa e obrigatória e não como qualquer outra fonte de entretenimento que tenha a vantagem de nos trazer mais conhecimento.

O que anda a falhar?

Não iremos apontar culpados, até porque somos todos responsáveis por criar o país que queremos viver. Sabemos que tudo começa no seio familiar, sendo a família o primeiro grupo social do qual pertencemos. Depois disso, temos as escolas, que também têm um papel primordial na promoção da literatura. Porém, ainda que pequenos grupos criem soluções, nada será tão eficaz e sustentável sem iniciativas do Estado, especificamente dos ministérios da Cultura e da Educação.

O que deve ser feito?

Primeiro, identificar a raiz do problema e, depois, criar soluções. Enquanto a sociedade não perceber o poder da literatura, ninguém fará nada para mudar o cenário. É necessário que se eduquem as massas sobre as vantagens da literatura, os diferentes géneros literários e as funções do livro.

Os pais têm o hábito de comprar livros para os filhos?

Sim, mas poucos compram autores nacionais. É muito comum comprarem livros de autores portugueses ou brasileiros porque são os que aparecem em massa nos supermercados e livrarias.

Tem alguma garantia de que as crianças lêem os seus livros?

Para ser sincera, nunca foi uma preocupação. Gosto de pensar no livro como um objecto com o qual a criança cria uma relação de afecto. Quando uma criança tem o meu livro, é porque recebeu dos pais ou de qualquer outra figura com quem tem um vínculo afectivo. A partir daquele momento, a criança vai apegar-se ao livro e só isso já é gratificante. A leitura será feita com o auxílio dos pais ou pela própria criança quando ela estiver pronta.

Receia que os seus livros ‘apanhem poeira’ nas estantes?

Não. Existem muitos leitores no mundo e há um para cada livro.

A escritora Cremilda de Lima defende a criação de um Plano Nacional de Leitura, a partir das primeiras classes escolares com o objectivo de ligar as crianças e a juventude à literatura nacional. Concorda?

Concordo. Porque, colocando a leitura no centro da escola, será possível facilitar o acesso à leitura e ao conhecimento. É também uma forma de valorizar práticas pedagógicas que estimulam o prazer de ler entre crianças, jovens e adultos. Desta forma, estaremos a melhorar o sistema educativo e a fazer com que os angolanos conheçam a sua própria literatura, sejam aptos para lidar, ler e interpretar o texto escrito e perceber a sua aplicabilidade no quotidiano.

Que políticas o Governo pode criar para enriquecer, cada vez mais, a literatura infantil em Angola?

Um programa de apoio financeiro para escritores e a criação de pequenas bibliotecas em todos os bairros seriam duas formas eficazes de promover a literatura infantil.

É difícil publicar livros em Angola?

Sim. Publicar livros em Angola é muito difícil. É difícil conseguir publicar por uma editora, principalmente sendo jovem. Os que decidem publicar de forma independente encontram a barreira dos elevados custos de produção, especialmente neste momento delicado para a economia do país.

Quais são as maiores dificuldades que tem encontrado?

Por ser autora independente, a minha maior dificuldade tem sido encontrar apoio financeiro para conseguir publicar os meus livros. Contudo, esforço-me bastante para mostrar trabalhos de qualidade e conseguir o apoio de algumas pessoas de bem que acreditam no meu propósito e no poder da literatura para moldar a sociedade.

Angola trata bem os seus escritores e intelectuais?

Ainda há muito trabalho a ser feito na conscientização da sociedade sobre o papel importante que um escritor tem para definir dinâmicas sociais, mas, se compararmos ao que era há alguns anos, posso dizer que Angola tem aprendido a reconhecer e valorizar os seus escritores.

Livros publicados

‘Uma Versão Diferente da Vida’ - 2013 ‘Met(amor)fosse’ - 2015 ‘O Nosso Natal’ - 2016 ‘Flores Não São Para os Mortos’ – 2017

Escritora aos 17 anos

Rosa Soares nasceu a 9 de Setembro de 1996, no Bié. Tem formação em Literatura Inglesa, pela Universidade Cambridge (África do Sul). Actualmente, frequenta o 2.º ano do curso superior de Produção de Cinema e Televisão, na universidade City Varsity (África do Sul). Aos 17 anos, publicou o 1.º livro. Apesar de estar mais focada na escrita de novelas, contos e romances, em 2016, publicou o 1.º livro infantil.