EMPRESÁRIOS IDENTIFICAM MALES QUE PERIGAM NEGÓCIOS EM ANGOLA

As ameaças ao investimento privado

NEGÓCIOS. Apesar da revisão da lei e várias de discussões posteriores, o ambiente de negócio em Angola continua a afugentar investidores. Várias associações apontam a falta de financiamento, de infraestruturas, de “legislação favorável” e a burocracia na administração pública como factores que perigam o futuro do empresariado nacional.

 

As condições de realização de negócio em Angola continuam a ser das mais difíceis do mundo e por isso têm impedido a entrada de novos capitais à economia, quer de investidores nacionais quer de estrangeiros, afirmam diverso empresários. Opinião que contrasta com a do ministro das finanças que, na conferência de lançamento do VALOR, respondeu às críticas com o peremptório “Angoola continua a ser um dos mercados com mais elevada rentabilidade”. Ainda assim, as críticas recorrentes às ‘barreiras’ prevalecem, sendo o desinvestimento muitas vezes a solução encontrada por investidores.

Uma consulta do VALOR a associações empresariais e a várias entidades económicas apontam para existência de seis factores de risco e que ameaçam o futuro investimento privado no país. Arrumados por grau de dificuldade, a falta de financiamento, a inexistência de infraestruturas e a lei de investimento privado estão no topo da lista de reclamações entre os investidores nacionais.

Seguem-se os problemas com obtenção de vistos, para, em muitos casos, a contratação de formadores e técnicos da indústria, a corrupção e o excesso de burocracia no funcionamento da administração pública, este último que, na visão do líder da Associação Empresarial de Luanda, tem influência sobre os outros factores.

Ou seja, nem sempre o atraso com o financiamento do banco e com a emissão de visto de trabalhos é da responsabilidade das entidades às quais são solicitados os documentos. Podem estar associados à burocracia dos serviços da administração pública, segundo Francisco Viana, o líder associativo dos empresários de Luanda.

“Muitas vezes os empresários perdem os financiamentos não é por falta de garantias reais, mas, sim, por morosidade da administração pública. Assim, o empréstimo não sai”, queixa-se o empresário. Se para o nacional o ambiente de negócios é difícil, para o investidor estrangeiro não é diferente. Vários já são os empresários que, pelas condições da legislação aplicável ao investimento privado, estão a deixar o país, conforme confirmou ao VALOR Pedro Godinho, presidente executivo da Câmara de Comércio Estados Unidos da América-Angola (USACC), dando exemplos do sector petrolífero.

“Um dos nossos membros declarou ter acima de dois mil milhões de dólares para investir em campos petrolíferos marginais em Angola. Mas diz que os tem guardados porque está à espera da revisão da lei. Caso essa revisão não seja feita, o dinheiro vai ser aplicado noutra parte do mundo”, revela Pedro Godinho, acrescentando que está em curso a revisão de uma legislação específica aplicável ao sector petrolífero.

“Tomámos conhecimento que se está a trabalhar na revisão dos termos contratuais, por via de um decreto, e que precisa de ser aprovado a nível da Assembleia Nacional, para facilitar e estimular os investimentos”, disse o CEO da USACC.

 

QUEIXAS DE TODOS OS LADOS

Os empresários não são os únicos a darem nota negativa ao ambiente de negócio em Angola. As queixas têm origem em várias entidades interessadas na economia angolana e mundial, no geral, como é o caso do Banco Mundial, que, no seu relatório ‘Doing Business’ consistentemente coloca Angola entre os piores do ranking.

De acordo com o último relatório, Angola é o 181º país do mundo, num grupo de 189, com o pior ambiente de negócios, mantendo o lugar do ano anterior. A avaliação reflete, em dez critérios, as facilidades e dificuldades enfrentadas por pequenas e médias empresas da principal cidade do país, Luanda. Dos critérios de avaliação do relatório, figuram aspectos como protecção de investidores minoritários, obtenção de licença de construção, início de um negócio e o pagamento de impostos. A resolução de falências e as dificuldades de acesso ao crédito também aparecem entre os aspectos apontados pelo relatório produzido pelo Banco Mundial, numa lista de 10 critérios.

Aspectos relacionados com a justiça, designadamente a resolução de falências e o cumprimento de contratos, foram marcadas como as piores classificações de Angola.

 

REVISÃO DA LEI COM IMPACTO NEGATIVO

Apesar de o Governo ter revisto e aprovado a Lei do Investimento Privado (LIP), em Agosto do ano passado, e ter extinto a Agência Nacional para o Investimento Privado (ANIP) com vista à redução dos níveis de burocracia na aprovação de projectos, ainda são várias as queixas sobre as dificuldades para se investir no país.

A reformulação da LIP tinha, como argumento, conferir celeridade à aprovação do investimento e “maior clarificação dos benefícios a serem concedidos aos investidores”, intenções que, para os empresários, poderão caminhar em sentido inverso. Segundo Francisco Viana, o funcionamento da nova lei e das novas estruturas estão dependentes do tempo.

“Sempre estivemos habituados com um órgão próprio para apoiar o investimento privado, o que normalmente se faz noutros países. Do meu ponto de vista, preferiria que as coisas tivessem funcionado da maneira antiga”, critica Viana, apontando para o funcionamento da APIEX, UTAIP e a UTIP (ver entrevista e infografia).

 

VISTOS ‘EMPATAM’ NEGÓCIOS…

O acesso ao país é dos problemas mais apontados. Sobre o assunto os investidores são unânimes e apelam para a rápida intervenção das autoridades. Pedro Godinho é dos que concorda com a revisão das condições de emissão de vistos de trabalho como forma de salvaguardar a entrada de investimento privado.

“Se quisermos falar de atracção de investimento privado e externo, precisamos resolver esses pequenos problemas. Porque essas são as dificuldades que todos [os investidores] apresentam”, conta.

Deu exemplo de associados da USACC que, por inerência dos negócios em Angola, precisam entrar ao país, como indicou, de duas a três vezes, possibilidades que ficam limitadas pela demora na emissão dos vistos.

“Todas as vezes que [os investidores] pretendem vir a Angola têm de ir à embaixada pedir vistos, que leva de 15 dias a três semanas. E não são pequenos investidores. São executivos, presidentes de multinacionais”, conta o empresário da indústria extractiva, apontando para os prejuízos causados pelos atrasos nos vistos de trabalho.

Francisco Viana associa os atrasos na emissão de vistos e de outros documentos emitidos pelas instituições do Estado à burocracia e a casos de corrupção. Segundo o empresário, o país deve adoptar um “sistema agilizado” de concessão de vistos e exercer maior autoridade sobre o processo.

O que se diz às vezes é que o rigor na emissão de vistos tem que ver com questões de segurança. Se é assim tão rigoroso, como é possível criar dificuldades para depois vender facilidades?”, questiona o ‘patrão’ associativo dos empresários de Luanda.

 

…E FRACA INFRAESTRUTURA AUMENTA CUSTOS

A qualidade de infraestruturas também influencia na captação de investimento privado. Com falta de infraestruturas, a instalação de projectos é mais caro. As estradas, pontes, electricidade e distribuição de água são factores importantes, defende Francisco Viana. “Se produzo batata no Huambo, mas, para colocar o produto em Luanda tenho de viajar dois dias, os custos vão ser muito mais elevados do que para quem tem as estradas e energias em boas condições.”