BNA e bancos ‘culpados’ pelo mau desempenho da central de risco
BANCA. Operadores do mercado, o CEIC, AIA e vários analistas económicos avaliam desempenho da central de risco de crédito, devido ao aumento do malparado e do número de bancos a publicitar clientes devedores. Discordam entre si nos argumentos, mas prevalece a posição do tráfico de influências na banca e falta de acção desse instrumento controlado pelo banco central.
O aumento do crédito malparado na banca nacional pode estar associado ao fraco desempenho da Central de Risco de Crédito (CIRC), controlada pelo Banco Nacional de Angola (BNA) e ao “tráfico de influências” nos gabinetes de crédito dos bancos comerciais. Esta conclusão vem dos próprios operadores do sector e vários analistas económicos, que argumentam com base nos últimos desenvolvimentos do mercado.
A CIRC é uma base de dados gerida pelo Banco Nacional de Angola (BNA), com informação prestada pelas instituições financeiras relativas a operações de crédito, responsabilidades potenciais e os seus riscos. E tem, como objectivo ajudar nomeadamente o BNA, na sua supervisão às instituições financeiras, visando à protecção dos seus depositantes.
Ao VALOR, dois administradores de bancos integrantes do ‘Top-5’ em activos e lucros questionaram a funcionalidade desse instrumento, já que, desde a sua criação, e até mesmo desde o início deste ano, não pára de aumentar a taxa de crédito malparado no mercado.
Do outro lado, estão os analistas, que consideram que, com a CIRC, nenhum cliente bancário devia solicitar empréstimos sem se submeter a esse recurso, pelo que responsabilizam a gestão da CIRC, tutelada pelo banco central, e os bancos comerciais pelos créditos irrecuperáveis.
Do grupo de analistas, há ainda os que defendem que o recurso à CIRC seria indispensável no acto de concessão de créditos a particulares e às empresas.
É o caso do economista Yuri Quixina que relaciona o volume de crédito malparado na banca financeira à fraca actividade ou mesmo à inoperacionalidade de CIRC. “Se os mecanismos [da CIRC] não funcionarem, seguramente os outros bancos podem conceder crédito”.
Para ele, a culpa não é toda do regulador. E aponta o dedo aos bancos por deixarem passar processos de crédito com elevado potencial de risco. “Os bancos sabem também como agir quando não há reciprocidade do ponto de vista dos pagamentos dos reembolsos. Se os bancos fossem tão rigorosos, poderiam já garantir alguns reembolsos, ou algumas propriedades”, criticou Quixina.
Só em Fevereiro, as estatísticas do banco central apontavam para um malparado a rondar os 1,5 biliões de kwanzas, de um total de crédito concedido de 4,8 biliões. Ou seja, o malparado da banca angolana já representava, nesse período, 31,3% de todo o dinheiro saído sob a forma de empréstimo bancário.
Os bancos BIC e Millennium Atlântico (BMA) foram dos últimos a tornar público a situação das suas carteiras de crédito. No BIC de Fernando Teles, o malparado chegou a atingir, em 2017, os 200 milhões de dólares, num ano em que os lucros do banco cresceram apenas 1,7% para 205,4 milhões de dólares (34.253 milhões de kwanzas).
No BMA de Carlos Silva, as estatísticas apontam para um rácio de crédito vencido de 7,2%. Aliás, o banco divulgou, na imprensa nesse período, uma lista de 107 clientes devedores entre empresas e particulares, numa tentativa de reaver os montantes saídos no crédito, bem como respectivos juros.
CIRC SEM FORÇA LEGAL…
Também o economista Rui Malaquias considera faltar actuação e “força legal” na CIRC. Para ele, a CIRC devia ter competência de obrigar os bancos a passar informação. “A central tinha de ter força para obrigar os bancos a partilhar toda a informação sobre a sua a carteira de crédito. Mas tem de se ver se isso é legalmente possível”, observa Malaquias, atribuindo culpas ao banco central.
“O BNA, ao contrário da CIRC e da UIF, tem a obrigação de conhecer a carteira de crédito dos bancos, porque os bancos divulgam isso. O BNA é que devia fazer o cruzamento da informação. No fundo, os mecanismos estão todos aí. Se for para apertar alguém, aperta[-se] o BNA, visto que o BNA não está a fazer o trabalho de casa”, apontou o economista e autor de livros de contabilidade aplicada ao ensino.
A fazer coro com Rui Malaquias está o investigador do Centro de Estudo e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC) Francisco Paulo, para quem “todo o indivíduo que obtém crédito deve estar registado na central de crédito”. Segundo este acadêmico, o mecanismo previne os bancos de passarem ‘cheques em brancos’ a clientes.
“Se [o cliente] estiver registado na central de crédito, é óbvio que os bancos comerciais, antes de concederem empréstimos ao seu cliente, vão ‘checar’ na central de crédito se é devedor, ou se já conseguiu liquidar o seu crédito. Se os bancos estão a reclamar que há vários clientes que estão a obter créditos em vários bancos e não conseguem pagar, quer dizer que a central de risco deve zelar por esta parte”, adverte.
…MAS NÃO É CULPADA
Se todos convergem na ideia de que os bancos e o BNA são responsáveis pelo mau desempenho da CIRC, o argumento não é acolhido por José Severino, economista e líder da Associação Industrial de Angola (AIA). Segundo o responsável, a CIRC não deve ser chamada no ‘dossier’ malparado, porque “nalguns casos, o malparado pode até ter dívidas do Estado”.
Para José Severino, quando o Estado não paga às empresas, estas estão sujeitas a atrasar compromissos junto dos bancos.
“A publicação dos nomes [nos jornais] é um direito de qualquer credor. O grande problema é que os tomadores desses empréstimos assinam os contratos, mas não lêem as entrelinhas. E, nas entrelinhas, está lá, se necessário, recorrer à fonte pública por mau pagamento. O Estado não paga uma determinada empresa e essa pessoa fica em dívida em relação à banca. E torna-se num devedor, que chamo ‘devedor de boa-fé’, porque tem dívida do Estado e sem receber do Estado, não consegue ressarcir a dívida”.
Já Yuri Quixina salienta, no entanto, que, às vezes, a falha não é da CIRC. No entender deste economista, parte destes processos é patrocinada pelos próprios bancos, que, entre si, trocam ‘tráfico de influências’.
“Se analisarmos com cuidado quais são os credores ou devedores desses bancos, não são clientes pequenos. Não vejo muita crítica na central de risco, porque, até os próprios bancos, internamente, têm centrais de riscos. Fazem análises de riscos de créditos”, rematou.
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