Distribuidores contestam decisão do Ministério do Comércio
IMPORTAÇÃO. Governo restringe importação de produtos em sacos grandes com o argumento de estar a incentivar a indústria nacional. Apanhados de surpresa, distribuidores acreditam que a medida vai contra as orientações do Presidente da República e alertam para o risco da criação de monopólios e oligopólios, além da subida de preços.
O Ministério do Comércio e Indústria vai restringir a importação de produtos pré-embalados como arroz, açúcar, farinha de trigo, farinha de milho, feijão e leite em pó em embalagens de 25 a 50 quilos.
A medida consta de um decreto, recentemente aprovado, e começa a vigorar em Junho, destinando-se a todos os agentes comerciais. O documento determina a restrição progressiva da importação de produtos pré-embalados, em particular a pequena embalagem, mas incentiva a importação em granel, obrigando a que os produtos sejam embalados localmente.
Com a entrada em vigor deste diploma, passará assim a ser licenciada apenas a importação a granel, em ‘bigbags’, de produtos como açúcar, arroz, farinhas de trigo e de milho, feijão, leite em pó, óleo alimentar, ração animal, sal grosso, sal refinado, semolina de trigo, carnes de porco de vaca, margarinas e sabão.
ECODIMA CONTRA MEDIDA “IMPOSSÍVEL DE EXECUTAR”
A decisão do Ministério do Comércio e Indústria merece a contestação da Associação de Empresas do Comércio e Distribuição Moderna de Angola (Ecodima), que representa as grandes superfícies e supermercados que são os maiores importadores de produtos alimentares.
Em declarações ao VALOR, o seu presidente, Raul Mateus, explica que a medida é “completamente impossível” de ser executada até Junho e lembra que, em Angola, vigora uma economia de mercado.
Raul Mateus confessa ter sido “apanhado de surpresa” com esta medida e defende que o Governo devia ter dialogado com parceiros sociais antes de tomar qualquer decisão e de a publicar em Diário da República. “Pensar é fácil, mas executar não é tão fácil”, sublinha, alertando para o risco do surgimento de monopólios e oligopólios. “Deviam ter a nossa colaboração para as coisas correrem melhor”, critica.
O empresário lembra que o país é membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e, como tal, não deve restringir a importação “deste ou daquele produto”. E alerta ainda para limitação da oferta na execução e alteração de hábitos dos consumidores. “O manuseamento de bens alimentares exige o cumprimento de algumas exigências para não haver contaminações”, observa.
INFRACÇÕES GRAVES
Na defesa da medida, o Ministério destaca, no entanto, que será permitida excepcionalmente a importação de arroz e feijão em embalagens de um a cinco quilos; farinhas de trigo e de milho, açúcar, sal, em embalagens de até um quilo; conservas de fruta ou vegetais, em embalagens com peso igual ou inferior a um quilo; leite em pó em embalagens de 1 a 2,2 quilos, e óleo alimentar de um litro.
Produtos como conserva em fruta e vegetal, detergentes em pó e massa de tomate só sofrem restrições a partir de Janeiro do próximo ano.
A acompanhar o decreto, o Ministério avisa que a introdução de produtos que violem estas medidas “constitui uma infracção comercial muito grave”. A Administração Geral Tributária (AGT), Polícia Fiscal e a Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar são as entidades encarregadas de fiscalizar o cumprimento das medidas.
PARA RELANÇAR A INDÚSTRIA
No Facebook, o Ministério justifica a medida como uma forma de incentivar o “relançamento e o fomento da indústria do embalamento e empacotamento de produtos que ainda são importados de forma acabada”.
O Governo acredita que a medida “irá gerar importantes ganhos para o país e para a população já que os produtos vão ser importados a preços mais baixos, além de que vai alavancar o surgimento de muitas pequenas e médias indústrias de embalamento e logística, geradoras de muitos postos de trabalho”. O documento acrescenta que o país “estará alinhado às melhores práticas internacionais a nível do comércio e distribuição alimentar” e destaca “a poupança de divisas, tanto na compra de produtos, como pelo facto de as operações de embalamento passarem a ser executadas em Angola”.
A Ecodima tem, entretanto, outra leitura e Raul Mateus critica o Ministério por “não seguir, em rigor, aquilo que o próprio Presidente tem orientado para trabalhar e discutir até encontrar uma medida consensual com os parceiros sociais”. O empresário dá o exemplo do óleo alimentar, um dos produtos abrangidos pela medida, mas que para ser embalado precisa de uma refinaria. “Não é só empacotar”, rebate. Mateus admite, em todo o caso, que vai tentar conversar com Ministério do Comércio, argumentando que o Governo “está aberto a negociar”.
UNS CONTRA E OUTROS A FAVOR
Alguns empresários consultados pelo VALOR mostraram-se contra a medida e outros a favor. Um que preferiu o anonimato avisa que qualquer limitação que se coloque à importação de bens faz com que “os preços aumentem ao consumidor final e se criem artificialmente pequenos monopólios”, explica, lembrando que as excepções não foram consideradas para todos os produtos. “São particularmente preocupantes as limitações a nível da carne de vaca, carne de porco e ração animal. São áreas em que a produção nacional é escassa ou mesmo inexistente. Percebe-se a protecção à indústria nacional, é algo que todos apoiamos, mas só se deveria proteger a indústria nacional nos sectores em que a concorrência seja uma realidade, como no das bebidas, por exemplo”, compara.
O presidente da Câmara de Comércio Angola/RDC, Jó Mpiassa, por sua vez, aplaude a medida e acredita que Angola terá capacidade para empacotar e embalar produtos. Para o empresário, “é tudo uma questão de organização para que as coisas corram bem”.
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