DP World: um mundo de acusações de suborno e corrupção
ESCÂNDALO. Argélia, Senegal, Iémen, Brasil, Djibuti e Ucrânia são alguns dos países em que a DP World responde por corrupção, suborno e lavagem de dinheiro. Nos EUA, foi acusada de ter ligações com os radicais islâmicos. É esta empresa que vai gerir o porto de Luanda, nas próximas duas décadas, por decisão do Governo.
O Governo entregou a gestão do Terminal Multiusos (TMU) do Porto de Luanda à DP World, uma empresa que enfrenta várias acusações de corrupção e suborno, em vários países africanos, do Médio Oriente e da América Latina. Além de ter enfrentado uma forte contestação nos EUA, com alegações de que "colaborava com o terrorismo islâmico". A DP World ainda surge na lista de empresas que promovem branqueamento de capitais, elaborada pelo Consórcio de Jornalistas Internacional, que ficou conhecido como o processo 'Panama Papers'.
O maior escândalo internacional, que envolve a operadora do Dubai, surge no Senegal, que levou à condenação de Karim Wade, ex-ministro das infra-estruturas e de outros pelouros e filho do antigo presidente Abdoulaye Wade. Em 2014, Karim Wade e um amigo de infância, Mamadou Pouye, foram condenados a cinco anos de prisão efectiva pelo Juízo de Repressão de Enriquecimento Ilícito, um tribunal especializado de combate à corrupção. Os dois surgem na investigação de Panama Papers por terem criado empresas fictícias unicamente para negociar com a DP World a gestão de Porto de Dakar. Criaram as empresas em offshore Seabury, Regory Invest e Latvae. Assinaram um primeiro contrato com a DP World em 2008, por mais de oito milhões de dólares. Num segundo contrato, em 2013, de acordo com o tribunal, receberam da empresa do Dubai três milhões de dólares, logo na assinatura. Ao longo dos anos, com os negócios com a DP World, Karim Wade e o amigo teriam acumulado uma fortuna calculada em 210 milhões de dólares. A empresa Seabury tinha negócios apenas com a operadora do Dubai, as outras duas eram subcontratadas pela Seabury. Karim Wade cumpriu dois anos de prisão, foi amnistiado pelo presidente do Senegal e encontra-se no exílio no Catar.
De 2008 a 2018, os portos da Argélia estiveram sob investigação, resultando em mais de 200 processos. Em alguns deles, aparece, à cabeça, a DP World, que ficou com a concessão, por 30 anos, da gestão do porto que estava nas mãos da Autoridade Portuária de Argel. O acordo permitiu a criação da DP World Djazair, uma 'joint-venture' argelina. A empresa está sob alçada da justiça. É acusada de contrabando e transferências ilícitas de moeda estrangeira, em que o terminal portuário de Argel é usado como porta de saída. A equipa de gestão de uma das fornecedoras da DP World foi detida. A acusação estendeu-se a funcionários do terminal de contentores, fiscais e encarregados administrativos.
DESVIOS NO IÉMEN, SUBORNOS EM DJIBOUTI
A DP World foi fundada em 1999, no Dubai, e o primeiro projecto foi implantado em Jeddah, na Arábia Saudita, em parceria com a South Container Terminal, que rapidamente lhe proporcionou a oportunidade de se instalar em Djibuti, na Índia e na Roménia. As boas relações com os sauditas alargaram os contactos. Foi assim que chegou ao Iémen, em 2008. Neste país, ficou com a concessão para gerir os terminais de contentores de Aden e do Porto de Ma'alla. Mas durou pouco. Um ano depois, a Autoridade Suprema Anti-Corrupção movia um processo à DP World, acusada de deliberadamente desviar navios com destino ao Dubai. O Conselho de Ministros revogou o contrato, alegando "graves irregularidades", entre elas, ter falhado a ampliação do terminal de contentores de Aden. Em 2012, a DP World cedeu a sua participação a empresas iemenitas.
Mais aceso tem sido o braço-de-ferro no Djibuti. A DP World ficou com a gestão do terminal de contentores de Doraleh, por 30 anos. Mas o próprio governo acusou a empresa de ter pago subornos e de ter dados benefícios financeiros ao então presidente da Autoridade Portuária. O contrato foi rescindido em 2008 e, em 2016, o processo transitou para o tribunal arbitral de Londres.
DO BRASIL À CORRUPÇÃO 'EM CASA'
No Brasil, as ligações da DP World não escaparam a denúncias de corrupção que envolveram o antigo presidente Michel Temer, através da Empresa Brasileira de Terminais Portuários (Embraport), que detém o maior terminal portuário multi-modal do Brasil. A Embraport aparece envolvida no processo 'Lava Jato'. A DP World tinha uma participação de 33,4% na operadora brasileira. Em 2017, comprou os restantes 66,6% à Odebrecht e transformou a empresa. Passou a ser DP World Santos e criou um código de conduta anti-corrupção e anti-suborno, com directrizes específicas a todos os trabalhadores, desde administradores aos funcionários com responsabilidades mais modestas.
O código de conduta não funcionou no próprio Dubai, a sede da empresa. Uma ex-gerente, de 29 anos, foi condenada a 18 meses por ajudar, em troca de subornos, a ganhar projectos. Outros processos envolveram ainda um gerente da Jordânia, um director do Egipto, um libanês a trabalhar no Dubai e uma síria.
Em Maio do ano passado, as autoridades ucranianas prenderam vários funcionários públicos, acusados de terem estabelecido uma vasta rede de corrupção, tendo como origem a autoridade portuária de Yuhzny. A investigação detectou actos de corrupção em 30 concursos públicos que terão gerado mais de um milhão de dólares aos suspeitos. A gestão do porto está nas mãos da DP World.
"AMIGA" DO TERRORISMO
Nos EUA, a empresa do Dubai enfrentou uma verdadeira guerra política e diplomática que até envolveu o presidente George W. Bush. Tudo começou em 2006, quando a DP World comprou a norte-americana Peninsular & Oriental Steam Navigation por quatro mil milhões de dólares. Rapidamente, ganhou a gestão dos portos de Nova Iorque, Nova Jersey, Baltimore, Nova Orleães e Miami e ficou com outras operações em 16 portos. A imprensa norte-americana garantia que a empresa gastou fortunas em 'lobby' (actividade permitida nos EUA), numa lista em que surgia o ex-senador Bob Dole e antiga secretária de Estado, Madeleine Albright.
No entanto, mal o negócio ficou concluído, as autoridades lançaram um alerta: havia riscos de segurança. Os serviços de inteligência da Guarda Costeira dos EUA obrigaram o Congresso a reagir. O congressista Duncan Hunter, presidente do Comité de Serviços Armados, descreveu a empresa do Dubai como estando "associada a grupos terroristas, num momento em que a segurança portuária é claramente insuficiente". O relatório, citado por Hunter, garantia que a agência tinha encontrado "sinais claros da influência de grupos terroristas – como a Al Qaeda – sobre as principais autoridades e agências do Dubai", em que a DP World "não escapava". Mesmo com a oposição do presidente dos EUA, a empresa do Dubai sentiu-se obrigada a vender as suas operações a empresas norte-americanas.
Depois de ter comprado uma operadora britânica, a DP World tornou-se na quarta maior empresa do mundo em gestão de portos. Em Dezembro, um ano depois de ter sido lançado um concurso público internacional, o Governo adjudicou-lhe a concessão, por 20 anos, do Terminal Multiusos (TMU) do Porto de Luanda. Na justificação da concessão, o Ministério dos Transportes considera a proposta da empresa a "que melhor serve o interesse público". A DP World vai pagar mil milhões de dólares. Os primeiros 150 milhões deverão pagos no acto da assinatura do contrato.
Um paraíso para a corrupção
Nos relatórios internacionais sobre transparência, o Dubai aparece como um dos cinco maiores paraísos para actos de corrupção e lavagem de dinheiro. Os Emirados Árabes Unidos nunca foram conhecidos por serem um modelo na transparência financeira e, por isso, encontram-se na 'lista negra' dos paraísos fiscais. Uma das estratégias dos Emirados passa por conquistar a gestão dos portos em todo o mundo. E o Dubai é a cidade perfeita para criar empresas 'gigantes'. O porto da cidade, construído na década de 1970, abriga mais de cinco mil empresas, de 120 países. É o maior porto artificial e o nono maior do mundo. Foi daqui que nasceu a Dubai Port World (DP World), em 1999, que rapidamente se tornou uma referência na gestão de portos em todo o mundo. Gere mais de 50, em todos os continentes.
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