TOTY SA’MED, COMPOSITOR, PRODUTOR E INSTRUMENTISTA

“Neste momento, o país não tem condições para grandes ‘shows’”

04 Dec. 2017 Marcas & Estilos

MÚSICA. Influenciado pelo rock, rap, jazz e música africana, Toty Sa’med tem dado passos significativos na carreira. Abriu concertos em França, fez parcerias em Cabo Verde e foi reconhecido em Portugal. Aos 31 anos, acredita que, de momento, devido à situação financeira, “o país não tem condições para grandes espectáculos”.

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Como surgiu o convite de Sara Tavares?

A Sara apostou na minha capacidade de compor e pediu-me ajuda para terminar a canção ‘Brincar de Casamento’. Mandei a minha contribuição e ela achou melhor que eu fizesse parte da canção. Aceitei, nem contava com isso, esperava apenas ser um parceiro de composição e acabei por ser um dos protagonistas.

Que repercussões tem tido?

Têm sido muito positivas. A Sara tem uma carreira consistente, frutuosa e um percurso muito bonito. Muitas vezes, as pessoas não acreditam de imediato no nosso potencial porque precisam de ver mais o nosso trabalho e depois as coisas desbloqueiam-se naturalmente.

Abriu o concerto de Ana Moura em Paris. O que isso significa para si?

Consegui algo muito importante. Senti-me a defender a nossa bandeira. Foi uma honra, porque Ana Moura é uma artista excelente e por quem tenho muito apreço. Fui muito bem-recebido e começo a confirmar que o público francês sabe apreciar um concerto. A energia que recebi do público foi maravilhosa, foi um dos melhores momentos da minha vida.

Os angolanos sabem estar em concertos?

Precisamos de aprender. Não digo só concertos musicais, mas também teatrais. No último espectáculo de teatro em que estive, parecia que existia duas apresentações; uma no palco e outra na plateia. Porque as pessoas também queriam dar o seu ‘show’. Não sabemos quando bater palmas nem quando devemos ficar calados.

Como concilia os trabalhos?

Para ser um bom compositor, é necessário ler muito, estar atento ao trabalho dos outros artistas e partilhar as nossas composições com outras pessoas. Como instrumentista, treino quatro horas por dia sem intervalos.

No álbum ‘Ingombota’, incluiu clássicos angolanos.O que o levou a tal experiência?

Primeiro, a responsabilidade. Mesmo não sabendo falar kimbundu, era mesmo a vontade e a responsabilidade de passar isso para a minha geração e para a geração que vem a seguir, e influenciar e mostrar ao ‘mundo’ que, em Angola, existem músicas com qualidade desde sempre.

Quando interpreta uma música em kimbundu, consulta os ‘mais velhos’?

O que aconteceu com o ‘Ingombota’ foi uma aventura que eu não repito. Porque não tinha levado o projecto tão a sério. Até é mau dizer isso, mas se eu tivesse levado mais a sério, talvez tivesse consultado os’ mais velhos’.

Cometeu erros?

Com o tempo fui dando conta que cometi alguns erros. Fiz o contrário, depois de gravar é que fui perguntado se estava tudo certo. E recebi algumas correções. O facto de não aprendermos as nossas línguas criou impasse. Estava em Lisboa, quando resolvi gravar o disco e não havia ninguém por perto. Foi uma decisão tomada do ‘dia para a noite’.

Sente-se uma referência?

Sinto que ajudo a minha geração a encontrar-se. Sirvo de espelho principalmente para os mais novos. Fiz um disco de forma independente só com a minha vontade e começo a perceber que alguns colegas estão a arriscar-se mais.

Como vê a música angolana?

A música angolana tem muitas pérolas e é de cultura rica, tem muito valor e potencial para ser ouvida no resto do mundo. Precisa de políticas mais agressivas. Temos de assumir mais aquilo que somos. Vemos a música do Mali e da África do Sul em patamares altíssimos. Temos o nosso Bonga, Waldemar e Mukenga, depois não houve seguimento. Quem mais foi atrás? Ninguém. A nova geração tem de seguir os passos e continuar com as pegadas dos ‘mais velhos’.

A nova geração tem seguido?

Há um espaço geracional entre a minha e a geração dos ‘mais velhos’, vemos muito poucos despontarem. Posso citar o Paulo Flores, que muito bravamente teve a coragem de aventurar-se em mares desconhecidos.

Quais são as suas referências?

São várias e constantes. Tudo o que oiço até hoje são influências. Todo o mundo percebe na minha musicalidade influências óbvias. Desde o Brasil ao jazz e a música moderna angolana ou dos anos de 1970.

O seu estilo rende?

Sim. Dá para viver deste estilo de música, até porque um artista, independentemente do estilo, depois de um certo patamar, consegue cobrar ‘cachets’ que justifiquem o esforço e paga as contas, mesmo que não faça 20 ou 30 ‘shows’ por mês.

Tem outro disco a caminho?

Não, ainda não tenho. Porque, de momento, não temos estruturas financeiras para realizar actividades de forma mais organizada e simples. Tinha vontade de lançar um disco amanhã, mas faltam estruturas. Estou a fazer de tudo para criar condições.

Sente a sua música valorizada?

A música que faço tem o valor que procuro dar. E só não é mais valorizada porque, se calhar, devia ser mais promovida. Nos meus concertos, as pessoas batem palmas como se estivessem num ‘show’ de kuduro. Quando tem qualidade, independentemente do estilo, as pessoas reagem.

Vê aposta na música alternativa?

Numa perspectiva mais global, não está a haver concertos em Angola. Nem os ‘grandes artistas’ estão a fazer espectáculos. Nós, os ‘pequenos e médios’, estamos a fazer mais concertos do que os artistas grandes. Porquê? Os artistas grandes precisam de estruturas maiores para fazerem ‘shows’ e, neste momento, o país não tem condições para grandes ‘shows’. Hoje, devido ao contexto, é mais fácil fazer um concerto pequeno e cobrar de dois a cinco mil kwanzas.

PERFIL

Nascido a 18 de Maio de 1989, em Luanda, Erickson Medeiros, ou simplesmente Toty Sa’med, é um cantor, produtor, compositor e instrumentista da nova música angolana que tem influenciado as novas gerações. Aos 12 anos, começou a produzir rap, kuduro e kizomba. Um ano depois, passou a dedicar-se à guitarra. A música brasileira foi uma das grandes influências musicais.