ANGOLA GROWING
Um acto de gestão que se tornou uma catástrofe  

Quando os coelhos tomaram conta de um país

30 Jun. 2021 Emídio Fernando Gestão

História. Há erros históricos que se podem tornar catastróficos. E quando se juntam a erros de gestão podem também ser desastrosos. Foi o que aconteceu quando um investidor australiano resolveu comprar coelhos.

 

Quando os coelhos tomaram conta de um país
D.R.

 

 

Decorria o ano de 1869 quando o agricultor e empresário inglês Thomas Austin decidiu fazer da colónia Austrália uma espécie de Inglaterra. Pelo menos, em alguns campos agrícolas. Ainda jovem, foi viver para a Austrália, seguindo os passos dos pais que, tal como milhares de australianos, encontraram no vasto país, quase um continente, um ‘el dorado’ e uma forma de fugir à pobreza inglesa

Em poucos anos, graças à criação de ovelhas, transformou-se num próspero empresário agrícola, desenvolvendo um latifúndio de 12 mil hectares, perto de Victória, região da Nova Colónia de Gales do Sul. O sucesso da colonização valeu-lhe títulos nobres e visitas regulares da aristocracia inglesa. E, como bom inglês, ainda por cima fidalgo, criou reservas de caça e promoveu a importação - no caso, a compra - de perdizes, faisões, melros e tordos. Para completar a ‘nova Inglaterra’, resolveu encomendar a aquisição de coelhos. Numa carta dirigida ao sobrinho, justificou que a introdução de coelhos “faria pouco mal” e que iria “proporcionar um toque de casa”.

Assim, o primeiro carregamento foi de apenas 24 coelhos. Mas foi o suficiente para transformar a paisagem da região e, mais tarde, da própria Austrália obrigando até a medidas como tentativas de extermínio. Sem sucesso.

É bom lembrar que os coelhos têm um tempo de vida entre os seis a oito anos, reproduzem-se a partir dos quatro meses e cada gravidez da coelha, de apenas 30 dias, resulta numa média de seis crias. E podem parir seis vezes por ano. Eis então a receita para a catástrofe que se seguiu.

Dois anos depois da chegada dos primeiros animais, Thomas Austin vangloriava-se, em nova carta ao sobrinho, de já ter milhares de coelhos, “todos ingleses”. O orgulho nacional juntava-se ao orgulho na gestão.

E os coelhos insistiam em reproduzir-se de tal forma que, 10 anos depois, só na região de Victória já eram mortos, todos os anos, dois milhões de coelhos. Mas sem sinais da proliferação abrandar. Bem pelo contrário. Nos anos seguintes, as autoridades australianas davam conta de “exércitos” de coelhos, cujo crescimento, por área, rondava os quilómetros por ano,

Além de se reproduzirem a grande velocidade, os coelhos alimentam-se e muito. E estes não fugiam à regra. Daí que, em pouco mais de 20 anos, tenham devastado toda a vegetação de Victória, com consequências para o ambiente e para a fauna vizinha. A verdejante região começou a ficar desértica.

Como se multiplicaram, os coelhos, como bons colonos, resolveram ocupar terras e esticaram os seus domínios. Em 1920, a população já estava estimada em 10 mil milhões. A invasão obrigou a medidas extremas.

A Austrália desencadeou uma verdadeira caça, sem restrições. Anúncios nos jornais prometiam oferecer 25 mil libras a quem apresentasse um “projecto eficaz” de extermínio de coelhos. A partir daqui, foram experimentados vários métodos: envenenamento, caça indiscriminada, fumigação, colocação de armadilhas, queimadas e uso de fogo em tocas.

Até foi construída uma vedação, em Nova Gales do Sul, de 1500 quilómetros. Nada resultou. O desespero levou ao uso de armas químicas e biológicas, com a criação doenças. Um dos métodos esteve quase a dar certo: em 1950, cientistas criaram um vírus, que chegou a reduzir a população. Mas por pouco tempo. O vírus, para ser transmitido, precisava de... mosquitos. Mas estes estavam quase em vias de extinção e assim o método acabou por falhar.

Na década de 1990, a Austrália ainda enfrentava o problema da praga e sem solução. O número de coelhos passou a ficar mais reduzido só em 2000 com a introdução de um novo vírus que tinha a particularidade de matar os animais e provocar doenças nos humanos. Mas o mais importante prevaleceu: há menos coelhos e a floresta cresceu.

Coelhos em Angola

A nutricionista e consultora em cunicultura, Rachel Wakua, tem um projecto de industrialização do coelho em Angola. Em Maio, organizou uma conferência, em que explicou as intenções e o projecto. A ideia é criar coelhos para abate e incentivar o consumo da carne. A promotora pretende que o coelho “não seja visto apenas como um animal de estimação” e que possa servir de alimento a pessoas carenciadas. Rachel Wakua já conta com mais de 60 coelhos e a pretensão é criar mais animais de forma a poder baixar o preço do coelho, que tem sido vendido entre os 11 a 22 mil kwanzas.