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SONANGOL

Relatório confirma avaliação financeira

Apesar de a administração da petrolífera pública ter negado a avaliação financeira da empresa, no âmbito da reestruturação do sector petrolífero, reagindo à notícia do VALOR sobre a existência de imparidades técnicas, o relatório interno que deu origem à informação confirma a ocorrência do processo e cita exemplos como o acidente da plataforma CRX SPP, em 2013, que contribuiu com perdas estimadas em cerca de 10 mil milhões de dólares.

Após a divulgação na última segunda-feira de informações que dão conta de imparidades técnicas nas contas da Sonangol a rondar os 50 mil milhões de dólares, acumuladas nas administrações anteriores, a nova presidente do conselho de administração da empresa recusou comentar o assunto, depois de questionada na sua tomada de posse, justificando que não tinha lido a notícia do VALOR.

Na tarde de terça-feira, a petrolífera distribuiu, entretanto, um comunicado à imprensa, em que negava “a existência de imparidades”, avançando que “o comité de reestruturação não efectuou qualquer análise financeira detalhada” às contas da empresa. A nota da empresa, agora liderada por Isabel dos Santos, acrescentava que o trabalho do Comité de Avaliação e Análise para o Aumento da Eficiência do Sector Petrolífero teve como propósito a identificação de “novas formas de organização” para “tornar o sector competitivo e atractivo para os operadores internacionais”, melhorando a “performance” da Sonangol. Adicionalmente, lê-se no comunicado, “pretendeu-se identificar formas de se estabelecer capacidade de produção interna, de apoio à indústria petrolífera em Angola, reduzindo, por esta via, as importações e custos produtivos”.

No entanto, ‘O Relatório Prévio de Avaliação de Desempenho do Sector Petrolífero’, o documento interno que originou a notícia da semana passada, confirma que o comité fez um diagnóstico estruturado que analisou as mais importantes áreas do sector, “sobretudo as de produção e desenvolvimento, a de exploração, logística, distribuição, as participações societárias e a área de finanças”.

Segundo dados do documento, além dos casos de diferenças de valores recebidos e investidos, a sobrevalorização de contratos técnicos e de serviço, contaram para as imparidades situações como o acidente da plataforma CRX SPP (South Pig Plataform) que visava o início da construção da linha de gás para ligação dos blocos 0 e 14 ao projecto Angola LNG. O colapso da estrutura no mar, além de ter causado a perda de uma vida, acarretou prejuízos não inferiores a 10 mil milhões de dólares, decorrentes do afundamento da unidade de perfuração, da danificação parcial da plataforma SP e da redução de fornecimento de gás para o Angola LNG, projecto que também sofreu um acidente na planta de gás principal que motivou uma paralisação de quase dois anos, com consequentes atrasos nas entregas a clientes.

Os custos com seguros são “pagos acima dos valores de mercado, se comparados com diversas praças internacionais, e foram também objecto de estudo do comité”, devido a reclamações constantes dos operadores. “Em causa estão os seguros de áreas das operações, administrativas e outras, normalmente contabilizados como recuperáveis, mas que se apresentavam muitas vezes 50% acima do valor de referência”, explicam fontes do VALOR. A queda abrupta do preço do petróleo também não facilitou as contas e contribuiu para as referidas imparidades. Com os custos de produção à volta dos 35 dólares, Angola chegou a vender o barril do petróleo na casa dos 20 dólares. “Tecnicamente, o país chegou a pagar para produzir”. Países como o Brasil e a Venezuela, “com produção offshore similar à nossa” têm pelo menos 10 a 15 dólares a menos nos custos de produção. “Ou seja, o OPEX (custos operacionais) da subsidiária P&P é o mais caro da indústria petrolífera em Angola”.

À Sonangol são atribuídas também responsabilidades quanto ao aumento de custos de vários projectos da indústria, por conta de sucessivas demoras na aprovação de programas de exploração, de desenvolvimento e de produção de diversas ordens de trabalho de blocos, como, por exemplo, o 15 , o 17 e o 31. “Os atrasos, às vezes, atingiam os seis meses”, revelam fontes que vimos vitando.

 

O QUE SÃO IMPARIDADES?

A notícia divulgada pelo VALOR, na última segunda-feira, sobre a existência de imparidades nas contas da Sonangol, consumiu os espaços de destaque em vários órgãos de referência, incluindo a mais importante agência de informação financeira, a Bloomberg.

No entanto, entre alguns dos vários órgãos locais que retomaram a notícia, as imparidades foram assumidas como ‘rombos’ aos cofres da empresa, gerando alguma confusão generalizada, por défice de interpretação.

De acordo com as Normas Contabilísticas de Relato Financeiro (NCRF), as imparidades técnicas ocorrem sempre que o valor contabilístico de determinado activo for superior ao valor recuperável. Nestes casos, a empresa é obrigada a reduzir o valor do activo, considerando-o como gasto do exercício. Em termos exemplificativos, se uma determinada empresa tiver registado no seu activo tangível uma máquina a 500 mil kwanzas, tem de constituir necessariamente imparidade, no caso de o valor actual de mercado do equipamento for de 300 mil kwanzas. Outra das situações possíveis acontece quando a empresa reconhece, por exemplo, que determinado cliente não pode desembolsar uma dívida, no valor contabilizado nos activos. Ou seja, se a dívida do cliente for de 400 mil kwanzas e, por alguma razão, só poder pagar 200 mil kwanzas, constitui-se imparidade. Os casos que as fontes do VALOR citam, em relação às contas da petrolífera pública, figuram razões para a constituição de imparidades.

O especialista sénior em Contabilidade, Edson Samvura, resume o conceito: “A imparidade é definida como perda por redução ao valor recuperável de um activo provocada pelo efeito negativo de factores económicos, tecnológicos, etc..”

Vários outros especialistas consultados pelo VALOR mencionam, por exemplo, as perdas da Sonangol registas no Millennium BCP, declaradas em cerca de 1,5 mil milhões de dólares, segundo a imprensa portuguesa que avançava a informação na última quarta-feira. Os mesmos observadores lembram que imparidades técnicas existem em quase todas as empresas do sector, especialmente em fases de baixa do preço do petróleo, “não sendo um fenómeno exclusivo da Sonangol”.

 

‘O CASO’ 32 MIL MILHÕES USD

Tal como sucede agora com o comunicado da Sonangol, em Janeiro de 2012 o Governo viu-se obrigado a responder a uma denúncia da ONG britânica Human Rigths Watch (HRW) sobre o alegado desaparecimento de 32 mil milhões de dólares dos cofres públicos, relacionados com as actividades da petrolífera pública. O valor correspondia a cerca de um quarto do Produto Interno Bruto. A denúncia da HRW assentava num relatório de inspecção a Angola do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado em Dezembro de 2011, que indicava fundos públicos gastos ou transferidos, entre 2007 e 2010, entretanto não inscritos nos Orçamentos Gerais do Estado.

Na altura, as autoridades admitiram discrepâncias de registo contabilístico nas contas nacionais, atribuindo a diferença a possíveis transferências de fundos para contas de garantia no estrangeiro ou ao registo inadequado das operações parafiscais realizadas pela Sonangol ou por outras entidades fora do Governo central. O Fundo considerava, entretanto, no seu relatório que o mais provável é que Sonangol estivesse a ocultar fundos que recebia. Várias outras denúncias haviam-se antecedido como a do alegado desaparecimento de 4,2 mil milhões de dólares das contas do Estado entre 1997 e 2002, feita também pela HRW em Janeiro de 2004. Mais recentemente, Francisco de Lemos, então PCA da Sonangol, viu-se também obrigado a desmentir notícias sobre a falência do modelo de gestão veiculadas pela imprensa internacional.

 

Nova organização

CONSELHO SUPERIOR DE ACOMPANHAMENTO DO SECTOR PETROLÍFERO (COSASP), Órgão colegial, cuja direcção dependente do titular do poder executivo. A sua atribuição é a de exercer, de “forma integrada e coordenada” a função accionista do Estado nas sociedades gestoras de participações sociais que têm, por sua vez, a gestão de várias participações sociais antes detidas pela Sonangol. O COSASP também emite pareceres sobre os planos anuais e plurianuais do sector petrolífero, aprova investimentos de “elevado montante e de natureza estratégica” e faz o respectivo acompanhamento.

AGÊNCIA PARA O SECTOR PETROLÍFERO, A Agência é uma entidade pública que integra a “Administração Indirecta do Estado”, e tem, como tarefas, a coordenação, regulação e avaliação de desempenho do sector petrolífero. Responsabiliza-se também pela preparação e negociação da atribuição dos blocos petrolíferos e resolução, por via administrativa, dos conflitos que ocorram entre as tutelas sectoriais e os diversos actores na indústria do petróleo e gás.

MINISTÉRIO DOS PETRÓLEOS “O Ministério dos Petróleos mantém as competências que presentemente lhe estão acometidas, sem prejuízo dos acertos que são introduzidos com vista a assegurar a articulação e coordenação que necessariamente tem que ser feita em função das atribuições e competências da Agência”, segundo o decreto presidencial que define a reorganização do sector.

 

Novo rumo na indústria

A chegada de Isabel dos Santos à liderança da Sonangol parece ter gerado consenso na indústria. Numa breve nota, enviada ao VALOR, a petrolífera britânica a operar em Angola, BP, diz compreender que o Estado angolano precise de reestruturar a Sonangol e o sector petrolífero, já que são “a espinha dorsal da economia”. A multinacional, que opera em vários blocos, espera que as mudanças contribuam para “um melhor ambiente de negócios, aumentando a competitividade e a eficiência dos petróleos em Angola”.

À margem da última conferência da Câmara de Comércio EUA Angola, o director-geral da Chevron em Angola, John Baltz, mostrou-se “optimista” e manifestou apoio à direcção da Sonangol, nomeada pelo Presidente da República, “porque o acto do Governo demonstra claramente o rumo que se pretende seguir”. Na última quinta-feira, no primeiro encontro de Isabel dos Santos, com as empresas do sector, Baltz acrescentaria que “o foco da Sonangol na redução de custos, transparência e rentabilidade é perfeitamente alinhado com as metas de Angola e da Chevron”.

Para a francesa Total, a maior produtora de petróleo angolano, com 40% dos 1,75 milhões barris que Angola produz por dia, a “nova” organização da Sonangol veio no “momento certo”. A empresa quer continuar a fazer novos investimentos em Angola, mas, para isso, “os preços têm de melhorar a nível dos 50 e 60 dólares por barril”, segundo Jacques Azibert, director-geral da empresa em Angola.

O presidente da Associação das Empresas Contratadas da Indústria Petrolífera Angolana (AECIPA), Braulio de Brito, concorda, por sua vez, que a reforma do modelo de negócio do petróleo foi oportuna “e decorre da visão estratégica do Presidente da República, sobre uma indústria que constitui o principal suporte da economia nacional”.

Vários observadores ouvidos pelo VALOR entendem que os objectivos da nova administração da Sonangol “exigem, entre várias acções, a renegociação de contratos ou mesmo a sua substituição, visando a maximização dos lucros”.