RUI CRUZ, PCA DA IMOGESTIN

“Resolver o problema da habitação também é arrendar”

Os constrangimentos da gestão das centralidades, a caracterização e os desafios do sector imobiliário foram os temas de conversa com o PCA da Imogestin que defende a necessidade de investimento no mercado de arrendamento.

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A Imogesin é gestora das centralidades desde 2015. Qual é o balanço que faz desta empreitada?

Este desafio, pelo qual o Governo contratou a Imogestin, em Dezembro de 2014, com início em Janeiro de 2015, ocorreu num período em que houve o aprofundamento da crise económica e financeira. Entretanto, procurámos assegurar a continuidade dos projectos porque, com excepção do Kilamaba e Sequele que estavam concluídos, todos os outros estavam em execução. Tínhamos também de dar início aos projectos habitacionais que ainda não tinham tido início. Em relação aos que já tinham sido iniciados, correram no ciclo previsto, apesar de ajustados com algum atraso, devido às condições financeiras que o país viveu. As empresas chinesas, mesmo com os atrasos nos pagamentos por parte do Estado, foram concluindo. A construção das habitações está praticamente concluída em Luanda, Benguela, Huila, Namibe e Bengo (porque Kapari antes estava em Luanda mas agora é Bengo). Registou-se, entretanto, um ligeiro atraso nas infra-estruturas externas. No primeiro modelo, estava previsto que esta actividade seria feita pelos próprios empreiteiros, mas, mais tarde, o Estado chamou para si esta responsabilidade e aí voltou a sentir-se os efeitos da crise. Assim sendo, ainda não se pode fazer a comercialização das habitações destes projectos, apesar de estarem concluídas em termos de construção, devido a este constrangimento das infra-estruturas externas, que são basicamente a energia, água, o saneamento e os acessos.

E qual é o nível actual de execução destas infra-estruturas?

Estão em execução, é um trabalho coordenado pelo Ministério do Ordenamento do Território e Habitação (antes ministério do Urbanismo e Habitação). Há algum atraso na disponibilidade dos fundos por parte do sindicato bancário que organizou este financiamento ao Estado. A disponibilização das verbas iniciou há cerca de quatro semanas e teremos mais alguns meses. Esperamos que as soluções definitivas estejam concluídas entre quatro e seis meses. Devem estar todas terminadas entre Novembro e Março à excepção da Huíla, que tem o problema mais difícil do ponto de vista da energia e da água.

E em relação aos projectos que não tinham iniciado. Qual é a realidade?

São basicamente em seis províncias. A centralidade do Bengo, uma vez que Kapari tinha sido construído como parte de Luanda. As da Lunda-sul, Zaire, Malanje, Kwanza-Norte, Kuando-Kubango e Cunene. Os projectos iniciaram num formato mais reduzido. Inicialmente, estavam previstas entre duas e três mil habitações, mas o Executivo aprovou um reajustamento para entre mil e 1.500. Iniciou-se a primeira fase de construção entre Junho e Agosto, executando assim as orientações do Executivo. Quanto às vendas, houve atrasos, só as iniciámos em Luanda.

Também fazem a gestão das rendas nas unidades que já tinham sido negociadas. Como tem sido este processo e como gerem os litígios que herdaram?

É realmente um quadro que não é fácil. Temos procurado manter um diálogo com os moradores, através das respectivas comissões. Uma boa parte das pessoas que estão nestas centralidades, particularmente, no Kilamba e Sequele, cumpria com o compromisso de pagar pontualmente as prestações. Em 2016, entretanto, notou-se algum abrandamento. Registámos também uma componente, sobretudo no Kilamba, de habitações que tinham algum litígio em termos de atribuição de titularidade. Procurámos ajudar a resolver, mas é uma matéria cuja solução completa nos foge. Estes litígios acabam por ir parar aos tribunais porque são direitos de pessoas que reivindicam sobre um activo.

Em relação à redução no cumprimento do pagamento das prestações o que têm feito para evitar o agravamento da situação?

Temos procurado transmitir aos moradores que o Estado fez um esforço muito grande para a construção destas habitações e está a ser a entidade financiadora, porque, quando se vende uma propriedade no regime de propriedade resolúvel, no fundo, a entidade que o faz está a financiar, substituindo-se ao banco. A taxa de remuneração de capital que o Estado estipulou é de 3% ao ano, não tem nada que ver com as taxas dos bancos que andavam à volta dos 20%. A princípio, previa-se que os valores das prestações estariam indexados ao dólar, mas foi desindexado. Previa-se também que o valor das prestações pudesse ser actualizado com base no índice do preço ao consumidor, também o Executivo aprovou, por nossa proposta, que fosse retirado porque, senão, neste momento, as prestações anuais passavam para mais de 30%.

Que outras mecanismos podem ser accionados, além da sensibilização?

É uma questão que vai ser equacionada a curto prazo. Há a necessidade de assegurar que haja um compromisso maior por parte dos compradores em honrar os pagamentos. O Ministério do Urbanismo, com a nossa colaboração e de outras entidades, preparou um projecto de diploma que define qual é o atraso máximo permitido, findo o qual o Estado pode fazer a rescisão do contrato e reaver a habitação. O normal e o que se passa em todo o mundo quando há o regime de propriedade resolúvel é fazer o pagamento através de uma consignação directa do seu rendimento. É compreensível que assim seja em Angola em que o Estado está a vender a casa abaixo do custo de construção. Têm de ser criados mecanismos legais para que se possa reter os valores directamente da remuneração das pessoas.

Em relação a esses prazos, qual lhe parece que deve ser a proposta?

A nível internacional, normalmente, nunca passa de 10 a 12 meses. Esta é a prática internacional e acredito que será dentro destes padrões que este pacote legislativo vai ser equacionado.

Actualmente, quais são os níveis de incumprimento?

Podemos dizer que esta margem andava, em projectos como o Kilamba, à volta de 40%. No Sequele, a média também anda à volta disso. O que notamos também é que, neste período eleitoral, algumas pessoas criaram a ideia de que eventualmente as casas lhes poderiam ser entregues sem pagamento. Terá havido alguns políticos que passaram esta mensagem, que é irresponsável.

Quais são as receitas dos pagamentos?

Tínhamos uma média à volta de doismil milhões de kwanzas num trimestre. Ou seja, cerca de 700 milhões de kwanzas por mês, mas houve uma redução.

E qual é a percentagem da Imogestin?

O quadro é o seguinte: esta receita é do Estado, vai para o fundo de activos para o desenvolvimento habitacional. A nossa forma de remuneração está no diploma, estão definidas duas formas. Uma corresponde a uma percentagem sobre o valor do investimento, esta percentagem é de 2%. A outra é uma remuneração variável. É um prémio no caso de a Imogestin reduzir os custos destes projectos.

E têm conseguido esta redução?

Sim. Temos provas de como é que reduzimos os custos em 2015 e 2016. Renegociámos contratos com empreiteiros, empresas de fiscalização e com projectistas, o que conduziu a economia de dezenas de milhões de dólares. Vamos demonstrá-las ao Executivo o que estava no contrato e o que conseguimos reduzir. Em alguns casos, em empresas de fiscalização, conseguimos reduções na ordem dos 50%. Em obras com os empreiteiros, nos trabalhos extracontratuais, conseguimos reduzir os custos unitários em 30% e 40%, face ao custo do contrato.

É fácil renegociar com as empresas chinesas?

Damo-nos com as empresas chinesas desde 2010, quando passamos para o Nova Vida, temos sete anos de experiência. Não é fácil, mas os tempos ajudaram a mudar a atitude destas empresas. No início, era muito difícil, porque a cultura das empresas chinesas era de obras do Estado e não estavam muito habituadas que alguém lhes dissesse que não quer determinado projecto ou que devem reduzir os custos. Ainda é um diálogo difícil, mas, comparando a 2010, houve uma mudança significativa de atitude, mentalidade e de compreensão da nossa realidade. Por uma questão de justiça, devo dizer que as empresas chinesas, como na sua maioria são do estado, fazem uma coisa que outras empresas de qualquer outra parte do mundo não fazem: com ou sem pagamento, concluem a obra. Houve empresas que fizeram projectos com o primeiro pagamento apenas. Esta é uma atitude que nunca encontraremos em outra empresa.

Para a segunda fase, empresas angolanas estão a participar na construção. Qual é o balanço que faz do desempenho destas empresas?

Estão no início das obras, mas conhecemos as empresas e precisamos de assegurar que os pagamentos tenham alguma regularidade. Nem sempre o contexto do país permite que se pague pontualmente ou a totalidade do valor, mas, desde que haja o compromisso do Estado e das instituições financeiras envolvidas, estas empresas estão disponíveis para a execução das obras e estou convencido de que os prazos serão cumpridos. Poderemos ter pequenas derrapagens mas o que será normal, sobretudo agora que estamos com grandes problemas de importações.

A gestão das centralidades teve um grande impacto nas receitas da Imogestin. Até então quais eram os principais negócios da empresa?

A Imogestin tem projectos próprios, não temos só projectos do Estado. Fazemos 20 anos no próximo ano. O Estado convidou a Imogestin, porque já tínhamos sido convidados para corrigir os problemas que aconteceram no Nova Vida. O projecto é de 2000 e fomos convidados pelo Ministério das Obras Públicas e Habitação, na altura, para fazer a mediação. Em 2009, o Executivo convidou-nos para fazer a gestão da construção e posso dizer que, a partir de 2009, o Estado só disponibilizou cerca de 40 milhões de dólares para a segunda fase, enquanto foram gastos 350 milhões de dólares na construção com o dinheiro dos próprios compradores. Foi este modelo que levou o Executivo a convidar a Imogestin na perspectiva de reduzir os custos.

Quais são os principais projectos da Imogestin?

Aqui, em Luanda, temos projectos como as torres Kianda que estão na marginal. É um projecto de cerca de 350 milhões de dólares em parceria com outros accionistas. Nós e a ENSA temos mais de 50% e trata-se de um projecto de mais de 100 mil metros quadrados da área de construção. Temos outros projectos como o Muxima Plaza, projectos como os hotéis Terminus que são propriedade da Imogestin. Temos projectos noutras províncias, quer terrenos para a construção, quer de projectos. Gerimos este património, somos uma empresa privada com capital social maioritário do BAI com 50%. É inquestionável que a centralidade representou uma receita significativa, mas é uma receita que está ligada a um processo quer de investimento, quer de desempenho.

Nunca ouviu comentários de que a Imogestin beneficiou de alguma facilidade para ser a escolhida?

As razões que levaram o Executivo a convidar-nos foram esplanadas e transmitidas pelo anterior presidente e Titular do Poder Executivo. Foi a experiência que tínhamos do projecto Nova Vida, a demonstração de que era possível fazer estes projectos com menos gastos do Orçamento Geral do Estado. Foi essa razão, não foram outras, não foi por razões de simpatia. Fomos convidados num contexto em que não tínhamos recursos humanos e tivemos de fazer uma adaptação rápida e penso que o desempenho está aí para ser avaliado. Pelo menos, da parte do promotor, fomos recebendo indicações de que teremos alcançado os objectivos.

As centralidades impactaram no imobiliário. Actualmente, qual é a caracterização que faz do sector?

As centralidades tiveram os seus efeitos no sector imobiliário. Houve um aumento significativo de oferta de habitação, o que conduziu a uma procura menor no sector privado e a uma redução dos preços. O Estado colocou, no mercado, habitações a preços bastante inferiores àqueles que o sector privado colocava e houve este efeito de redução de preço. Pode dizer-se também que a colocação desta oferta criou alguma pressão no sector bancário no sentido de financiar, mas, como o Executivo depois optou pela venda da maioria das habitações no regime de propriedade resolúvel, o Estado passou a ser a entidade financiadora. O sector bancário não foi tão envolvido como se desejava e como é normal no mercado imobiliário. Mas também, com a conjuntura económica e financeira que Angola atravessou, o sector bancário não seria capaz de responder e as casas estariam aí por se vender.

O Estado acertou na decisão então?

A política do Estado foi dirigida a um segmento da classe média e média baixa. Este nicho de pessoas acabara por ser o principal beneficiário, o que é normal. Mas, em termos de habitação social, o que se deseja é que os grandes beneficiários sejam pessoas de baixa-renda. Mesmo para os de média renda é preciso encontrar soluções para elas. Há outra componente que acho que precisamos de corrigir.

Como quais?

Este conjunto de habitações das centralidades voltou a manter a ideia de que resolver o problema habitacional é comprar casa, não deve ser assim. Os países não podem continuar a ter esta lógica, porque existe um esforço financeiro muito grande. O arrendamento tem de ser a alternativa e a solução principal. A maior parte dos países desenvolvidos não tem o programa que a Europa do Sul tem. Nós copiamos do Sul da Europa, de países como Portugal, Espanha, Itália e da Grécia que tiveram grandes crises imobiliárias e em que muita gente perdeu as casas justamente porque obrigam jovens a uma taxa de esforço financeiro elevadíssima, durante 30 anos, o que não permite que uma família tenha um desenvolvimento normal. Julgo que o Estado, nos próximos anos, terá de esfoçar-se de modo a incentivar e regular o sector privado no sentido de construir para o arrendamento.

Mas haverá iniciativa privada suficiente para dinamizar este segmento?

A experiência diz que o Estado vai ter de promover também isso, ou seja, terá de ser o promotor, mas de uma forma de parceria público privada. É necessário aumentar a oferta de habitação para o arrendamento a custos que estejam ajustados ao nível dos rendimentos das pessoas e em que o Estado não seja o operador principal. Define as regras do jogo, estabelece as parcerias, tem os terrenos, pode fazer infra-estruturas e esperar que promotores privados promovam estes produtos e colocam no mercado. Quando tivermos uma oferta significativa, as pessoas perceberão melhor que o investimento para a compra é prejudicial para a economia porque desvia recursos que poderiam ir para o sector produtivo.

Está difícil a aplicação da lei sobre o arrendamento. O que está em causa?

O Estado também terá contribuído para isso, quando definiu que o objectivo das centralidades é a venda das habitações. Induziu as pessoas a pensar que ninguém quer ter casas arrendadas por causa da instabilidade do mercado de arrendamento. Sabemos que uma boa parte das pessoas de renda baixa é arrendatária. Provavelmente o número de donos já terá aumentado, mas, há uns anos, a maioria era arrendatária e o senhorio se acordasse mal disposto aumentava o preço ou solicitava a casa. Ou seja, há um mercado de arrendamento informal. O mercado formal não recebe, porque toda a gente criou a ideia de que ter casa é comprar casa, é preciso mudar esta maneira de abordagem para o entendimento de que resolver o problema de habitação também é arrendar. Há uma ideia básica que precisa de ser retida: a casa deve estar ligada ao rendimento das pessoas.

Haverá outras razões que dificultam a formalização do mercado de arrendamento?

Actualmente, a economia angolana ainda não tem um dinamismo que leve à circulação das pessoas. O mercado de trabalho ainda é muito rígido, o maior empregador é o Estado e as pessoas não têm este risco de trabalhar em Luanda e depois irem para Benguela ou para Huila, por exemplo. No futuro, acontecerá e as pessoas perceberão que comprar não é o melhor. O que se deseja é que o sector privado associe projectos geradores de empregos a programas habitacionais. Se uma empresa fizer um investimento, imaginemos, no sector mineiro, seja na Huila, no Huambo ou na Lunda, o Estado deve associar a este programa incentivos para esta empresa construir habitação para que os trabalhadores tenham uma habitação e paguem uma renda. Hoje, as centralidades estão a puxar as pessoas para as grandes cidades. Só há hipóteses de se tirarem as pessoas das grandes cidades para o interior se houver emprego no interior, então temos de incentivar as empresas que vão fazer grandes investimentos a associar a habitação.

Qual é a percentagem de casa em arrendamento nas centralidades?

Só agora no Dundo, Lunda-Norte, face à realidade social e económica da província, que é muito diferente da maior parte das províncias, propusemos o arrendamento que poderá ser estendido para as outras províncias. Aquela região não tem um desenvolvimento como tem as outras províncias e os rendimentos dos trabalhadores são baixos. Mesmo colocando preços de venda igual ao das outras províncias, a Lunda-Norte não tem pessoas com poder para comprar.

Então, neste momento, nas centralidades, todos estão no regime de propriedade resolúvel?

Exactamente. Foi concebida assim, por um lado, para o Estado ter o retorno, mas também foi feita na perspectiva de vender casas às pessoas. Se houver arrendamento, estou convencido de que muitos jovens vão preferir o arrendamento porque serão contratos plurianuais e renda é estabilizada. O mercado de arrendamento tem de se desenvolver e o sector privado, hoje ainda não, mas caminhará para tornar apetecível o negócio do mercado de arrendamento.

Actualmente, qual é a receita da Imogestin?

No último ano, tivemos uma receita em kwanzas, equivalente a de cerca de oito milhões de dólares.

PERFIL

Rui António da Cruz nasceu em Ambaca, província de Kwanza-Norte, tem 63 anos e ao longo da vida foi juiz no Tribunal Supremo por 18 anos. Professor universitário durante 30 anos, é membro fundador da Associação Fiscal Angolana. É ainda accionista e presidente do conselho de administração da Imogestin. Tem no ensino a sua maior paixão.