Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz

Os países em vias de desenvolvimento estão cada vez mais contra o regime de propriedade intelectual imposto nos últimos 30 anos pelas economias mais desenvolvidas. Têm toda a razão em fazê-lo, porque o importante não é apenas a produção de conhecimento, mas também a forma como é utilizado, de modo a colocar a saúde e o bem-estar das pessoas à frente dos lucros empresariais.

Quando, em 1997, o governo sul-africano tentou alterar as suas leis, de forma a beneficiar de medicamentos genéricos acessíveis para o tratamento do VIH/SIDA, toda a força jurídica da indústria farmacêutica global caiu sobre o país, atrasando a sua implementação e provocando elevados custos humanos. A África do Sul acabou por ganhar o processo, mas o seu governo aprendeu a lição: não voltou a tentar melhorar a saúde e o bem-estar dos seus cidadãos desafiando o regime convencional da propriedade intelectual (PI) global.

Até agora, o governo sul-africano está a preparar-se para finalizar uma política de PI que promete expandir substancialmente o acesso aos medicamentos. A África do Sul irá agora certamente enfrentar todo o tipo de pressões bilaterais e multilaterais, provenientes dos países mais ricos. Mas o governo tem razão, e os seus passos deveriam ser seguidos por outras economias emergentes e em vias de desenvolvimento.

Nas últimas duas décadas, o mundo em desenvolvimento tem resistido seriamente ao regime actual de PI. Em grande parte, tal acontece porque os países mais ricos têm procurado impor um modelo uniforme para todo o mundo, influenciando o processo de regulamentação na Organização Mundial do Comércio (OMC) e impondo a sua vontade através de acordos comerciais.

As normas de PI que os países mais desenvolvidos normalmente defendem são concebidas não para maximizar a inovação e o progresso científico, mas sim para maximizar os lucros das grandes empresas farmacêuticas e de outras empresas capazes de influenciar as negociações comerciais. Por isso, não surpreende que o contra-ataque esteja a ser liderado por grandes nações em vias de desenvolvimento com sectores industriais relevantes – como a África do Sul, a Índia, e o Brasil.

Estes países visam principalmente a manifestação mais visível da injustiça da PI: a acessibilidade dos medicamentos essenciais. Na Índia, uma alteração de 2005 criou um mecanismo único para restaurar o equilíbrio e a justiça às normas de concessão de patentes, salvaguardando desse modo o seu acesso. Depois de superar diversas contestações em processos nacionais e internacionais, a lei foi considerada conforme as normas da OMC. No Brasil, a acção atempada do governo em tratar pessoas com o VIH/SIDA resultou em várias negociações bem-sucedidas, que fizeram baixar consideravelmente os preços dos medicamentos. Estes países têm toda a legitimidade em opor-se a um regime de PI que não é equitativo nem eficiente. Num novo artigo, analisamos os argumentos sobre o papel da propriedade intelectual no processo de desenvolvimento. Mostramos que a preponderância das provas teóricas e empíricas indica que as instituições económicas e as leis que protegem o conhecimento nas economias actuais mais avançadas são cada vez mais insuficientes para gerir a actividade económica global, e são pouco adequadas para responder às necessidades dos países em vias de desenvolvimento e dos mercados emergentes. Na verdade, são contrárias à satisfação de necessidades humanas básicas, como a prestação de cuidados de saúde adequados.

O problema fulcral é que o conhecimento é um bem público (global), tanto do ponto de vista técnico, já que o custo marginal da sua utilização por alguém é zero, como numa perspectiva mais geral, porque um aumento no conhecimento pode aumentar globalmente o bem-estar. Perante isto, a preocupação é que o mercado não forneça conhecimento suficiente, e que a investigação não seja adequadamente incentivada.

Nos últimos anos do século XX, a sabedoria convencional defendia que esta ineficiência do mercado poderia ajustar-se da melhor maneira, através da introdução de uma outra ineficiência: os monopólios privados, criados através de patentes restritivas e impostas de forma rígida. Mas a protecção da PI privada é apenas uma das vias para resolver o problema do encorajamento e financiamento da investigação, e tem causado mais problemas do que alguém poderia prever, mesmo aos países mais desenvolvidos. Um “matagal de patentes” cada vez mais denso, num mundo de produtos que precisam de milhares de patentes, asfixia por vezes a inovação, havendo casos em que se gastou mais com advogados do que com investigadores. E a investigação é frequentemente direccionada, não para a produção de novos produtos, mas para a extensão, alargamento e alavancagem do poder monopolista concedido pela patente.

A decisão tomada em 2013 pelo Supremo Tribunal dos EUA, de que os genes que ocorram na natureza não podem ser patenteados, constituiu um teste para saber se as patentes estimulam a investigação e a inovação, como afirmam os seus defensores, ou as dificultam, restringindo o acesso ao conhecimento. Os resultados são inequívocos: a inovação foi acelerada, levando a melhores testes de diagnóstico (para a presença, por exemplo, dos genes BRCA relacionados com o cancro da mama) a custos muito inferiores. Existem pelo menos três alternativas para financiar e incentivar a investigação. Uma consiste em depender de mecanismos centralizados para apoio directo à investigação, como o Instituto Nacional de Saúde e a Fundação Nacional de Ciência, nos Estados Unidos. Outra consiste em descentralizar o financiamento directo, por exemplo através de créditos fiscais. Finalmente, um órgão governamental, uma fundação privada ou uma instituição de investigação podem atribuir prémios a inovações bem-sucedidas (ou a outras actividades criativas).

O sistema de patentes pode ser encarado como um prémio que é atribuído. Mas este prémio impede o fluxo do conhecimento, reduz os benefícios que dele se podem extrair, e distorce a economia. Em compensação, a alternativa final a este sistema maximiza o fluxo do conhecimento, ao manter uma colectividade criativa, exemplificada pelo software de código aberto.

As economias em vias de desenvolvimento deveriam usar todas estas abordagens para promover a aprendizagem e a inovação. Afinal, há décadas que os economistas reconheceram que a determinante mais importante do crescimento (e, consequentemente, dos ganhos em desenvolvimento e bem-estar humanos) é a mudança tecnológica, e o conhecimento que a mesma implica.

Aquilo que separa os países em vias de desenvolvimento dos países mais desenvolvidos é tanto um fosso de conhecimento como um fosso de recursos. Para maximizar o bem-estar social global, os legisladores deveriam encorajar fortemente a difusão do conhecimento dos países mais desenvolvidos para os países em vias de desenvolvimento.

Mas embora a defesa teórica de um sistema mais aberto seja forte, o mundo tem avançado na direcção oposta. Nos últimos 30 anos, o regime predominante de PI criou mais barreiras à utilização do conhecimento, provocando frequentemente o alargamento do fosso entre os rendimentos sociais da inovação e os rendimentos privados. Os poderosos lóbis das economias mais avançadas que moldaram este regime colocaram claramente os últimos em primeiro lugar, como reflecte a sua oposição a provisões de reconhecimento de direitos de propriedade intelectual associados ao conhecimento tradicional ou à biodiversidade.

A adopção generalizada da protecção meticulosa de que a PI é hoje alvo também é historicamente inédita. Mesmo entre as economias que se industrializaram em primeiro lugar, a protecção da PI apareceu muito tarde, e foi várias vezes deliberadamente evitada para permitir uma industrialização e um crescimento mais rápidos.

O regime actual da PI não é sustentável. A economia global do século XXI diferirá da do século XX em pelo menos dois aspectos críticos. Primeiro, o peso económico de economias como a África do Sul, a Índia e o Brasil será consideravelmente maior. Segundo, a “economia leve” – a economia das ideias, do conhecimento, e da informação – será responsável por uma parcela crescente da produção, tanto nas economias mais desenvolvidas como nas economias em vias de desenvolvimento.

As regras relativas à “governação” do conhecimento global devem alterar-se para reflectir estas novas realidades. Um regime de PI imposto pelos países mais avançados há mais de um quarto de século, em resposta às pressões políticas de alguns dos seus sectores, faz pouco sentido no mundo actual. A maximização dos lucros para alguns, em vez do desenvolvimento e do bem-estar globais para muitos, também não fazia muito sentido na altura – excepto no que diz respeito às dinâmicas de poder de então.

Essas dinâmicas estão a mudar, e as economias emergentes deveriam liderar a criação de um sistema de PI equilibrado, que reconheça a importância do conhecimento para o desenvolvimento, o crescimento, e o bem-estar. O que importa não é apenas a produção do conhecimento, mas também que este seja utilizado de modo a que a saúde e o bem-estar das pessoas fiquem à frente dos lucros empresariais. A potencial decisão da África do Sul em conceder acesso aos medicamentos poderá ser um marco importante no caminho para essa meta.

 

 Joseph E. Stiglitz Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001

Dean Baker Co-director do Centro de Pesquisa Económica e Política em Washington, DC.

Arjun Jayadev Professor de economia na Universidade Azim Premji e economista sénior do Instituto para o Novo Pensamento Económico.

09 Oct. 2017

Déjà Voodoo

Uma administração de Trump composta por plutocratas - a maioria dos quais obteve a sua riqueza em actividades de rentismo e não de empreendedorismo produtivo – espera ser recompensada. Mas a reforma fiscal proposta pelos republicanos recompensa mais as corporações e os ultra-ricos do que a maioria tinha antecipado.

Tendo falhado em “revogar e substituir” a Lei de Cuidados Acessíveis de 2010 (“Obamacare”), a administração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a maioria republicana do Congresso passaram para a reforma tributária. Oito meses depois de assumir o cargo, a administração só conseguiu oferecer um esboço do que tem em mente. Contudo, o que sabemos é suficiente para sentir um profundo alarme.

A política fiscal deve reflectir os valores de um país e resolver os seus problemas. E hoje, os Estados Unidos - e em grande parte do mundo - enfrentam quatro problemas centrais: aumento da desigualdade de rendimentos, crescente insegurança no emprego, mudanças climáticas e crescimento anémico da produtividade. A América enfrenta, além disso, a necessidade de reconstruir as suas infra-estruturas decadentes e fortalecer o seu sistema de educação primário e secundário com baixo desempenho.

Mas, o que Trump e os republicanos estão a propor como resposta a estes desafios é um plano de impostos que oferece a maior parte dos benefícios não para a classe média - uma grande percentagem dos quais pode realmente pagar mais impostos -, mas para os milionários e bilionários da América. Se a desigualdade já era um problema, a promulgação da reforma tributária proposta pelos republicanos torná-la-á muito pior.

As corporações e as empresas estarão entre os grandes beneficiários, um enviesamento justificado com base em que tal estimularia a economia. Mas os republicanos, e principalmente estes, devem entender que os incentivos são importantes: seria muito melhor reduzir os impostos para empresas que investem na América e que criam empregos e aumentar para todos aqueles que não o fazem.

Afinal, não é como se as grandes corporações americanas tivessem fome de dinheiro; estão sentadas em triliões de dólares. E a falta de investimento não é porque os lucros, antes ou depois dos impostos, são muito baixos. Os lucros corporativos pós-impostos como parte do PIB quase triplicaram nos últimos 30 anos.

Na verdade, com o investimento adicional financiado em grande parte pela dívida, e os pagamentos de juros serem dedutíveis a nível fiscal, o imposto sobre as empresas reduz o custo do capital e o retorno ao investimento de forma proporcional. Assim, nem a teoria nem a evidência sugerem que a oferta de impostos corporativos proposta pelos republicanos aumentará o investimento ou o emprego.

Os republicanos também sonham com um sistema de impostos territoriais, pelo qual corporações americanas são tributadas apenas sobre os rendimentos que geram nos EUA. Porém, tal só reduziria as receitas e incentivaria as empresas americanas a mudar a produção para jurisdições de baixa tributação. Uma corrida para o fundo na tributação das empresas pode ser evitada apenas impondo uma taxa mínima a qualquer corporação que faça negócios nos EUA.

Os estados e municípios da América são responsáveis pela educação e por uma grande parte do sistema de saúde e bem-estar do país. E os impostos estaduais sobre o rendimento são a melhor maneira de introduzir um mínimo de progressividade no nível sub-nacional: os estados sem imposto sobre o rendimento geralmente dependem de impostos regressivos sobre as vendas, que impõem um fardo pesado aos mais pobres e às pessoas que trabalham. Portanto, talvez não seja surpresa que a administração Trump, composta por plutocratas indiferentes à desigualdade, queira eliminar a dedutibilidade dos impostos sobre o rendimento estadual da tributação federal, encorajando os estados a mudarem para os impostos sobre as vendas.

Abordar a panóplia de outros problemas que os EUA enfrentam exigirá mais receitas federais, e não menos. Os aumentos nos padrões de vida, por exemplo, são o resultado da inovação tecnológica, que, por sua vez, depende da investigação. Mas, o apoio do governo federal à investigação em percentagem do PIB está actualmente num nível comparável ao que foi há 60 anos.

Enquanto Trump, como candidato, criticou o crescimento da dívida nacional dos EUA, agora propõe cortes nos impostos que somariam triliões à dívida nos próximos dez anos - e não “apenas” 1,5 triliões que os republicanos alegam que seriam adicionados, graças a algum milagre de crescimento que levaria a mais receitas tributárias. No entanto, a principal lição do ‘Voodoo’ da economia pelo lado da oferta de Ronald Reagan não mudou: cortes nos impostos como estes não levam a um crescimento mais rápido, mas apenas a menores receitas.

Isto é especialmente assim agora, quando a taxa de desemprego é pouco superior a 4%. Qualquer aumento significativo na procura agregada seria cumprido por um aumento correspondente nas taxas de juros. A “combinação económica” da economia deslocaria assim o investimento; e o crescimento, já anémico, diminuiria.

Uma estrutura alternativa aumentaria as receitas e aumentaria o crescimento. Isto incluiria uma reforma real dos impostos corporativos, eliminando os truques que permitem que algumas das maiores empresas do mundo paguem impostos minúsculos, nalguns casos, muito inferiores a 5% dos seus lucros, proporcionando-lhes uma vantagem injusta sobre os pequenos negócios locais. Isto estabeleceria um imposto mínimo e eliminaria o tratamento especial de ganhos de capital e dividendos, obrigando os muito ricos a pagar pelo menos a mesma percentagem dos seus rendimentos em impostos como os restantes cidadãos. E isto levaria à introdução de um imposto sobre o carbono, para ajudar a acelerar a transição para uma economia verde.

A política fiscal também pode ser utilizada para moldar a economia. Além de oferecer benefícios para os que investem, desenvolvem investigação e que criam empregos, maiores impostos sobre a propriedade e a especulação imobiliária redireccionariam o capital para despesas que aumentassem a produtividade - a chave para a melhoria dos padrões de vida a longo prazo.

Uma administração de plutocratas - a maioria dos quais obteve a sua riqueza em actividades de rentismo e não de empreendedorismo produtivo - esperam assim ser recompensados. Todavia, a reforma fiscal proposta pelos republicanos recompensa mais as corporações e os ultra-ricos do que a maioria tinha antecipado. Evita reformas necessárias e deixa o país com uma montanha de dívidas; a consequência - baixo investimento, baixo crescimento da produtividade e enormes desigualdades – que levariam décadas para desfazer. Trump assumiu o cargo prometendo “limpar o pântano” em Washington, DC. Em vez disso, o pântano cresceu mais e mais fundo. Com a reforma tributária proposta pelos republicanos, ameaça engolir a economia dos EUA.

 

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e Medalha John Bates Clark em 1979, é Professor na Universidade de Columbia, Co-Presidente do Grupo de Especialistas de Alto Nível sobre a Medição do Desempenho Económico e do Progresso Social na OCDE e Economista-Chefe do Instituto Roosevelt. Ex vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA, Bill Clinton. Em 2000 fundou a Iniciativa para o Diálogo de Políticas, um grupo de reflexão sobre desenvolvimento internacional com base na Universidade de Columbia. O seu livro mais recente - O Euro: como uma moeda comum ameaça o futuro da Europa.

Embora os plutocratas de direita americanos possam discordar sobre como classificar os principais problemas do país - por exemplo, desigualdade, crescimento lento, baixa produtividade, dependência de opiáceos, escolas pobres e infra-estruturas em deterioração - a solução é sempre a mesma: redução de impostos e desregulamentação para “incentivar” os investidores e “libertar” a economia. O presidente Donald Trump está a contar com este tipo de pacotes para ‘tornar a América grande outra vez’.

Não será, porque nunca foi. Quando o presidente Ronald Reagan tentou o mesmo na década de 1980, afirmou que as receitas fiscais aumentariam. Em vez disso, o crescimento diminuiu, as receitas fiscais caíram e os trabalhadores sofreram. Os grandes vencedores, em termos relativos, foram as grandes corporações e os ricos, que beneficiaram de taxas de imposto dramaticamente reduzidas. Trump ainda não adiantou uma proposta específica sobre os impostos. Mas, ao contrário da abordagem da administração em relação à legislação sobre cuidados de saúde, a falta de transparência não o ajudará. Embora, exista previsão de muitos dos 32 milhões de pessoas que irão perder o seguro de saúde de acordo com a proposta actual, ainda não se sabe o que está para vir, o mesmo não parece ser verdade para as empresas que irão beneficiar da reforma tributária de Trump.

Eis o dilema de Trump. A sua reforma fiscal deve ser neutra em termos de receita. Trata-se de um imperativo político: com as grandes corporações sentadas em triliões de dólares, enquanto os americanos comuns estão a sofrer, diminuir o valor médio da tributação das empresas seria inconcebível - e mais ainda, se os impostos forem reduzidos para o sector financeiro, o mesmo que provocou a crise de 2008 e que nunca prestou contas pelos danos económicos. Ademais, os procedimentos do Senado determinam que para promulgar uma reforma tributária com uma maioria simples, em vez de uma maioria qualificada de 3/5, necessária para derrotar um quase certo braço-de-ferro por parte da oposição democrata, essa mesma reforma deve ser neutra em termos de orçamento pelo período de dez anos.

Este requisito significa que a receita média de impostos vinda das grandes cooperações deverá permanecer na mesma, o que implica que haverá vencedores e perdedores: alguns pagarão menos do que actualmente, e outros pagarão mais. Podem safar-se no caso do imposto de rendimento pessoal, porque mesmo que os perdedores percebam, não estão suficientemente organizados. Em contrapartida, mesmo as pequenas empresas dos Estados Unidos conseguem entrar no Congresso. A maioria dos economistas concorda que a estrutura fiscal actual da América é ineficaz e injusta. Algumas empresas pagam uma taxa muito maior do que outras. Talvez as empresas inovadoras que criam empregos devam ser recompensadas, em parte, por uma redução de impostos. Mas a única razão para quem beneficia das reduções fiscais parece ser a eficácia dos requerentes dos lobbies. Um dos problemas mais importantes diz respeito à tributação dos rendimentos auferidos no estrangeiro das empresas norte-americanas.

Os democratas acreditam que, porque as corporações dos EUA, onde quer que operem, beneficiam do direito e do poder americano para garantir que não sejam maltratadas (muitas vezes assegurado via tratados), devem pagar por essas e outras vantagens. Mas, um sentimento de justiça e reciprocidade, e muito menos de lealdade nacional, não se encontra profundamente arraigado em muitas das empresas americanas, que respondem com a ameaça de deslocarem as suas sedes para o exterior.

Os republicanos, em parte por sensibilidade a essa ameaça, defendem um sistema tributário territorial, como o utilizado na maioria dos países: os impostos devem ser determinados na actividade económica no país onde tal ocorre. A preocupação é que, depois de impor uma taxa única sobre os lucros não tributados que as empresas norte-americanas detêm no exterior, a introdução de um sistema territorial geraria uma perda de impostos.

Para compensar esta questão, Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, propôs adicionar um imposto sobre as importações líquidas (importações menos exportações). Como as importações líquidas levam à destruição de postos de trabalho, devem ser desencorajadas. Ao mesmo tempo, enquanto as importações líquidas dos EUA forem tão elevadas como actualmente, o imposto traria enormes receitas. Mas há um busílis: o dinheiro terá de vir do bolso de alguém. Os preços de importação subirão. Os consumidores de roupas baratas oriundas da China ficarão pior. Para a equipa de Trump, trata-se de um dano colateral, o preço inevitável que deve ser pago para dar aos plutocratas dos Estados Unidos mais dinheiro.

Mas os retalhistas, como a Walmart, e não apenas os seus clientes, também fazem parte do dano colateral. A Walmart sabe disso - e não vai deixar que tal aconteça. Outras reformas fiscais corporativas podem ter sentido; Mas estas, também, implicam vencedores e perdedores. E enquanto os perdedores forem numerosos e organizados o suficiente, provavelmente terão o poder de deter esta reforma. Um presidente politicamente astuto que entenda profundamente a economia e a política da reforma tributária corporativa poderia criar um Congresso mais musculado em direcção a um pacote de reformas mais sensato. Trump não é esse líder. Se a reforma tributária corporativa acontecer, será uma miscelânea negociada atrás de portas fechadas. O mais provável é termos uma redução geral de impostos: os perdedores serão as gerações futuras, pressionados pelos magnatas avarentos de hoje, nos quais se incluem aqueles que devem a sua fortuna a actividades menos transparentes, como os jogos de azar.

A sordidez de tudo isto será adoçada com a alegação de que as taxas mais baixas de imposto estimularão o crescimento. Simplesmente não há base teórica ou empírica para tal, especialmente em países como os EUA, onde a maior parte do investimento (na margem) é financiada pela dívida e os juros são dedutíveis. O rendimento marginal e o custo marginal são reduzidos proporcionalmente, deixando o investimento, em grande parte, inalterado. De facto, um olhar mais atento, levando em conta a depreciação acelerada e os efeitos sobre a partilha de riscos, mostra que a redução da taxa de imposto provavelmente reduzirá o investimento.

Os países mais pequenos são a única excepção, porque podem implementar políticas no sentido de “incomodar o vizinho”, direccionadas para a caça-furtiva de empresas nos países vizinhos. Mas o crescimento global encontra-se, em grande parte, inalterado - os efeitos distributivos impedem ligeiramente tal alteração - onde um ganha à custa do outro. (E isto pressupõe que o outro não responda e incentive uma corrida para o abismo.)

Num país com tantos problemas - especialmente a desigualdade – a redução de impostos para as grandes corporações não resolve nenhum deles. Isto é uma lição para todos os países que contemplam incentivos para um desagravamento fiscal sobre as grandes sociedades/cooperações - mesmo para aqueles que não têm o infortúnio de serem liderados por um plutocrata imaturo e covarde.

 

Joseph E. Stiglitz Prémio Nobel da Económia 2001