Empresa de atum servia para recolha de informação
DÍVIDAS OCULTAS. Antigo responsável moçambicano admite ter sido ele a solicitar ao antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, a emissão das garantias do Estado para suportar as dívidas de 2,2 mil milhões USD, mobilizados a favor de três empresas.
A criação da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), beneficiária do dinheiro das dívidas ocultas, foi justificada, esta terça-feira, com a necessidade de se recolher informação sobre actividades suspeitas na costa daquele país lusófono.
De acordo com o antigo director dos serviços secretos moçambicanos Gregório Leão, que é arguido no processo das ‘dívidas ocultas’, durante uma audição em tribunal, “a Ematum era para a pesca de atum e também para facultar informação, através de trabalho de ‘intelligence’ sobre o que estava a acontecer no mar”.
A Ematum, conforme a acusação do Ministério Público, recebeu 850 milhões de dólares e foi uma das três firmas usadas como veículo para a materialização do esquema criminoso.
O antigo director do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) afirmou – quando questionado pelo Ministério Público sobre a pertinência da criação da Ematum, depois da fundação da Proindicus – que, na avaliação da acusação, tinha a mesma vocação – que a firma de atum iria combinar a actividade de pesca e a recolha de informações sobre embarcações envolvidas em operações suspeitas nas águas moçambicanas.
“Se aquelas embarcações [suspeitas] estavam envolvidas apenas na pesca ou noutro tipo de actividades, era isso que nos queríamos aferir”, enfatizou Gregório Leão, avançando que a Proíndicus foi pensada para actividades de defesa e segurança com cariz militar, nomeadamente a protecção das multinacionais petrolíferas envolvidas nos projectos de gás natural.
O ex-director do SISE disse ainda que vários estudos indicaram a existência de tráfico de droga e de pessoas, pesca ilegal e ameaça de pirataria nas águas moçambicanas.
O réu citou estudos que apontavam para a presença de cerca de 100 empresas envolvidas em actividades de pesca, considerando esse número exorbitante face às receitas anuais de quatro milhões de dólares que disse que eram encaixadas pelo Estado moçambicano com a actividade piscatória.
Em relação à criação da Mozambique Assets Management (MAM), outra das empresas na base das dívidas ocultas, Leão justificou a decisão com a necessidade de assegurar a manutenção da frota e equipamentos navais da Proindicus e Ematum, bem como de outras entidades não ligadas ao Estado.
Leão admitiu ter sido ele a solicitar ao antigo ministro das Finanças Manuel Chang a emissão das garantias do Estado para suportar os 2,2 mil milhões de dólares de dívidas mobilizados a favor das três empresas.
O tribunal acusa Gregório Leão de ter recebido 8,9 milhões de dólares através de depósitos feitos a favor da mulher Ângela Leão, também arguida e já interrogada no julgamento em curso.
A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal das ‘dívidas ocultas’ de se terem associado em “quadrilha” e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares, valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso, angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo governo.
As ‘dívidas ocultas’ foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
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