Morte de Dhlakama gera incertezas nas negociações de paz
LUTO. Acordo sobre descentralização está fechado e deve começar a ser efectuado a partir do próximo ano, por altura das eleições agendadas para Outubro de 2019. Mas morte de Dhlakama pode provocar recuos no processo.
Incerteza no processo de paz deverá ser uma das consequências mais imediatas provocada pela morte do presidente da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), Afonso Dhlakama, tendo em conta que os termos das negociações eram feitos directamente entre ele e o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi. As dúvidas foram apontadas por analistas políticos, logo a seguir à morte do líder da Renamo, na passada quinta-feira.
Em Agosto de 2014, o governo moçambicano e a Renamo chegaram a acordo para a cessação imediata das hostilidades militares. O entendimento aconteceu depois de quase um ano e meio de conflito armado e mais de 70 rondas de negociação.
As duas partes chegaram ainda a consenso sobre a alterações em relação à nomeação de governadores provinciais, administradores de distritos, presidente das autarquias e introdução na governação das províncias da figura de secretário de Estado, nomeado pelo Presidente da República. Prevê-se que os acordos entrem em vigor a partir do próximo ano, por altura das eleições agendadas para Outubro de 2019.
A Renamo defende, por exemplo, a nomeação de administradores distritais pelos governadores que serão eleitos, pela primeira vez, nas eleições gerais de 2019, posição já aceite pelo governo, embora a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, defendesse inicialmente que os administradores fossem nomeados pelo ministro da Administração Estatal até 2024, altura em que passarão a ser indicados por eleição.
No entanto, analistas moçambicanos e angolanos consideram que a morte de Afonso Dhlakama abre incertezas em relação à aplicabilidade dos acordos, uma vez que ele era o rosto do partido nas negociações. “O presidente Nyusi fica sem o arrimo para poder continuar este processo de paz como tinham engendrando”, afirma o académico moçambicano Lourenço do Rosário, em entrevista ao jornal o País, de Moçambique.
Lourenço do Rosário descreve Dhlakama como um líder, que “congregava fidelidade, lealdade e, ao mesmo tempo, obediência”, quer dos políticos quer dos militares, e defende que essas características podem ser fundamentais para a eleição de novas lideranças.
O acadêmico conviveu com o líder da Renamo e descreve-o como “muito lúcido, mas também muito inconstante”. “Sabia o que queria, era difícil de demovê-lo das suas próprias ideias, mas tinha objectivos, que era ser o presidente”, sublinha.
Já o especialista angolano em relações internacionais Augusto Báfua Báfua entende que a Renamo corre risco de cair em irrelevância política. “A maior parte das pessoas não vota na Renamo, mas sim em Dhlakama, que era o maior activo do partido”, argumenta, acrescentado que “não há um nome com destaque para substituir o líder histórico”. A Renamo deve ser dirigida pelo seu secretário-geral, até à eleição de um novo presidente.
Apesar da assinatura do Acordo Geral de Paz de 1992, que criou alicerces para a instauração de democracia e a realização das primeiras eleições multipartidárias, nos últimos cinco anos, o país foi registando conflitos militares envolvendo a Renamo e o governo. Para Augusto Báfua Báfua, as insurreições foram originadas pelas altas patentes da Renamo não terem sido “devidamente acomodadas com cargos de destaque” nas forças armadas de Moçambique, polícia e serviços de inteligência e segurança de Estado.
Da Frelimo para a Renamo
Afonso Dhlakama, nascido em Sofala a 1 de Janeiro de 1953, foi um dos combatentes criados pelo regime ‘branco’ da África do Sul. Começou, aliás, a carreira política na Frelimo, mas nunca combateu o regime colonial. Integrou o partido que viria a liderar a independência nacional, em 1974, na região de Sofala, já a guerra contra os portugueses tinha terminado. Dois anos depois, surge a fundar a denominada Resistência Nacional de Moçambique (RNM), patrocinada pelo regime do ‘apartheid’ da África do Sul e pelos EUA, que temiam a influência comunista na África Austral.
Após a morte do presidente do presidente da RNM, André Matsangaíssa, em circunstância que nunca foram esclarecidas, Afonso Dhlakama assume a liderança do movimento. Mas conflitos internos resultaram no desmembramento da RNM, tendo Dhalakama criado a Renamo, ainda com o apoio militar sul-africano. Intensificou a guerra a partir de 1977, começando por criar uma base militar em Maringwé, na Beira, e que só viria a terminar com os acordos de 1992 e ratificados com as eleições em Novembro de 1994.
Pai de oito filhos e casado com Rosária Mbiriakwira Dhlakama, perdeu todas as eleições em Moçambique, mas foi eleito deputado até voltar, de novo, à guerrilha, há dois anos, opondo-se ao governo da Frelimo.
O espectro da guerra voltou a Moçambique depois de mais de 20 anos de paz. Em 1984, Moçambique, sob o governo da Frelimo, e a África do Sul, ainda sob o ‘apartheid’, chegaram a assinar o Acordo de Nkomati, que previa que cada país acabasse com o apoio aos movimentos armados e assim terminar com a guerra. A 4 de Outubro de 1992, o líder da Renamo assinou com Joaquim Chissano (na altura presidente de Moçambique), em Roma, o Acordo Geral de Paz, pondo fim a uma guerra civil que durou cerca de 16 anos, que destruiu a economia e as infra-estruturas do país, tendo provocado centenas de milhares de mortos e que colocou Moçambique na lista dos três países mais pobres do mundo.
JLo do lado errado da história