ANGOLA GROWING
OS DESAFIOS E OPORTUNIDADES DO SECTOR VIDREIRO

Transformação de vidro reduz 90%

INDÚSTRIA. Contam-se 12 empresas de transformação de vidro de obra que dependem essencialmente da importação. Vidrul é a única produtora de vidro de embalagem.

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A inexistência de uma fábrica de produção de chapa de vidro para atender a dezenas de transformadoras, a presença do negócio em apenas três províncias e o monopólio na produção do vidro de embalagem são algumas notas rápidas do sector vidreiro do país. Outra tem que ver com a redução em cerca de 89,7% da transformação do vidro nos primeiros sete meses do ano em curso.

Desde 2010 que se assistia a uma tendência de crescimento da produção de vidro de obra, impulsionada pelo dinamismo do sector da construção. Surgiram 11 novas empresas, com a concorrência a iniciar precisamente naquele ano, com o surgimento da Fábrica de Vidro do Kikolo que passou a apresentar-se como “a primeira e única fábrica de vidros temperados” do país.

Até então, a Sovidro detinha o monopólio do negócio, tendo sido superada em termos de tecnologia. Actualmente, as 12 empresas existentes estao distribuídas por Luanda, Huíla e Benguela. No global, o país tem uma capacidade de produção/transformação de perto de 300 mil metros quadrados/ano.

A actividade destas empresas sujeita-se à importação da chapa de vidro em mercados europeus, asiáticos, americanos e africanos (África do Sul e Egipto) e a sua transformação para o sector da construção e mobiliário. Com recurso ao forno e outros equipamentos com destaque para os de corte e molde, produzem desde o vidro mais simples aos temperados. Produtos decorativos como espelhos, vasos, aparadores, mesas, entre outros, também fazem parte da oferta dessas empresas.

Não há, entretanto, uma aposta no vidro para automóveis. “Com o forno que temos, podemos fazer os vidros planos para viaturas mas, talvez, futuramente, poderemos investir num forno que permita fazer vidros curvos e passarmos a fazer vidros propriamente para viaturas”, respondeu Carlos Dionísio da empresa Pureglass.

O QUE FALTA NA CADEIA 

Para que toda a cadeia do segmento da produção e transformação do vidro de obra esteja presente no país ,falta um investimento na produção de chapa de vidro. A existência desta indústria diminuiria significativamente os desafios dos gestores face à carência de divisas.

Entretanto, os diversos intervenientes apresentam-se receosos em relação à viabilidade económica de um investimento do género. “É muito elevado, no mínimo, 100 milhões de euros e seria necessário muito tempo para a recuperação do investimento. Só para ter uma ideia, em todo o continente africano, apenas existem duas fábricas deste tipo”, argumentou José Agante, da empresa Angovidro.

Por sua vez, Carlos Dionísio estima entre 10 e 15 anos o tempo necessário para que a implementação de uma fábrica de chapa de vidro em Angola seja um investimento viável, mas apenas se a actual conjuntura económica do país for ultrapassada. “Estamos a falar de uma fábrica que não produz todo o tipo de vidro. Além disso, Angola não tem capacidade para absorver toda a produção, porque estas fábricas trabalham 24 horas ao dia, são milhares de metros quadrados”, explica Dionísio.

Carlos Martins, director da Vidrul, também afasta a possibilidade de investir no segmento. “Estamos a falar de tecnologias completamente diferentes. A produção de vidro de embalagem e a produção de chapa de vidro estão completamente separadas. É a mesma coisa com os copos: também estamos a falar de vidro, o forno é igual, mas as matérias-primas são completamente diferentes”, explica o gestor, referindo que se trata de um segmento a precisar de investidores.

PRODUÇÃO DIMINUIU 90%

Dados do Ministério da Indústria mostram que a transformação de vidro no país registou uma redução de cerca de 89,7% para 23,450 metros quadrados nos primeiros sete meses do ano em curso face aos 229 mil metros quadrados do período homólogo. Como consequência, o sector assiste à menor produção dos últimos quatro anos. A mais alta registou-se em 2015, ao atingir cerca de 992 mil, resultando num crescimento de 410% face à produção de 194,3 mil metros quadrados de 2014. Nesta altura, entretanto, a produção concentrava-se essencialmente na capital. Apenas nos últimos dois meses de 2015, Luanda passou a contar com a companhia da Huila. Em 2016, Benguela engrossou o grupo.

MAIS PROTECÇÃO PRECISA-SE

Os diversos operadores ouvidos pelo VALOR defendem que o sector já precisa de ser protegido, face à importação do vidro transformado. “Ainda há, em Angola, uma cultura de importar o vidro. Tem muito que ver também com os impostos que o Estado cobra às empresas que importam, ainda não são os que deveriam ser cobrados”, defendeu Carlos Dionísio.

Ivan Prado, secretário de Estado da Indústria (falou ainda na condiçao de director do Gabinete de Estudo e Planeamento do ministério da Indústria), defende o contrário. “Seria um erro, não existem condições face às necessidade do mercado. Eles [os operadores] têm de ser mais competitivos, porque muitos não são. Basta olhar para as quantidades que são importadas”, argumentou.

VIDRUL PREPARADA PARA A CONCORRÊNCIA 

A Vidrul tem o monopólio da produção de vidro de embalagem no país. Um cenário prestes a alterar com a entrada de um novo ‘player’. Recentemente aprovado, o novo projecto está avaliado em cerca de 120 milhões de dólares, terá uma capacidade de 180 toneladas/dia e é uma parceria entre a Sodiba (produtora da cerveja sagres em Angola) e a Industrial Africa Development (IAD) com 51% e 49% respectivamente.

Carlos Martins, director da Vidrul, garante não estar preocupado com a concorrência, mas acredita que o novo operador terá impacto nas empresas estrangeiras que vendem para Angola. “Existe mercado para as duas fábricas, não conseguimos atender a toda a necessidade do mercado. Há muitas pequenas e grandes empresas para quem não conseguimos vender. São os casos da Refriango e da Sodiba. Há também muita gente a encher bebidas espirituosas”, analisa.

Com uma produção diária de 180 toneladas, a empresa espera, com a entrada do segundo forno no princípio no próximo ano, atingir as 280 toneladas. “O novo projecto terá uma capacidade de 180 mil toneladas por dia e estaremos a cobrir, praticamente, a necessidade do mercado que andará entre 260 e 300 toneladas por dia”, calcula o gestor, que antevê um aumentar da procura interna para as 500 toneladas por dia, por conta dos projectos da agricultura. Martins manifesta-se também despreocupado em relação aos altos custos de produção em Angola, face à concorrência estrangeira e aponta como razão a protecção que beneficiam da pauta aduaneira, bem como os custos de transporte e outros inerentes à importação que, combinados, deixam o preço final muito próximos.

Em 2016, a facturação da Vidrul crecseu 20% para cerca de 6,5 mil milhões de kwanzas, impulsionada pelos reajustes nos preços devido à desvalorização do kwanza e ao aumento da energia. Já a margem de lucro está calculada entre os 10 e 15%.

Em relação às exportações, Martins adianta que a consolidação dos mercados do Gabão, RDC e República do Congo faz parte da estratégia da Vidrul, devido à proximidade geográfica. A empresa vende, actualmente, para 15 mercados (todos do continente), com a República do Congo a destcar-se como o maior comprador nos últimos anos, depois de ultrapassar a Costa do Marfim, o Mali e o Benin. “Vamos procurar consolidar os congos e o Gabão. É fundamental porque estão mais próximos. Em relação aos outros mercados, não há razões para perder qualquer um deles, mas haverá sempre muita variação”.

A rapidez na entrega e o serviço de qualidade são as vantagens que a Vidrul identifica, face à concorrência nos mercados africanos, uma vez que, em termos de custo, a produção nacional continua a “ser muito mais cara”. A tonelada de vidro à porta da fábrica em Angola custa cerca de mil dólares, face aos 400 em Portugal, por exemplo. “Ganhamos, porque conseguimos entregar mais rapidamente. Neste momento, se comprarem à Europa, pedem, no mínimo, seis meses de espera. Nós conseguimos entregar em dois dias”, explica Martins que não descarta a possibilidade de, pontualmente, exportar para novos mercados. “Neste momento, temos uma reserva de entre 5% e 6% da capacidade instalada para responder a uma eventual solicitação.”

No ano passado, a empresa exportou cerca de 15% da sua produção, números que não devem alterar este ano, “salvo se surgir alguma solicitação fora do planeado”. Entre os modelos exportados, não constam os da Coca-Cola e Fanta em virtude de a primeira adquirir toda a produção.

Com 90 milhões das 220 garrafas/ano, os modelos da marca cuca são os mais produzidos pela empresa.