Liderança e infra-estruturas

Bartolomeu Dias e Luís Cupeñala encaram desafios de África

ANÁLISE. Dois empresários com experiências e vivências internacionais falam do que o continente precisa para ultrapassar os grandes desafios: défice dos dirigentes e falta de infra-estruturas adequadas.

Bartolomeu Dias e Luís Cupeñala encaram desafios de África

 

O continente não pode depender de caridade para melhorar as condições das suas populações e para contornar a situação de “quase de impasse” que se coloca ao seu desenvolvimento. Quem o diz é o empresário Bartolomeu Dias, quando convidado a analisar os desafios de África na celebração dos 58 anos da fundação da Organização da Unidade Africana (OUA). 

“Tenho assistido, várias vezes, ao exercício que alguns líderes africanos fazem de quererem ir a outras partes buscar oportunidades ou consolo. No meu ponto de vista, é reprovável, porque África tem condições para caminhar sozinha com o seu povo, tem intelectuais e tem capacidade humana muito forte”, sublinhou o empresário, que ilustra a sua tese com os exemplos de um nigeriano ter conseguido decifrar um código que há 30 anos no Japão não se conseguia e de um camaronês que se encontra na agência espacial norte-americana, a NASA. “Há pessoas que, de forma anónima, se têm destacado nos vários pontos do mundo e aqui em África não encontram suporte nem do governo, nem de pessoas com capacidade de manter essa capacidade interna em África”, lamentou.

Bartolomeu Dias destacou as potencialidades naturais do continente e apontou o défice das lideranças em África como um desafio que o continente deve ultrapassar para “sair do fundo do poço”. “Os dirigentes africanos têm défice, não digo todos, porque nós começamos a ver alguns a destacarem-se no desenvolvimento dos seus países, como é o caso patente do presidente do Ruanda e do falecido presidente da Tanzânia.”

EVASÃO DE CAPITAIS

Para o empresário, a falta de estabilidade política, social e económica, leva muitas pessoas, “mesmo as que não roubam”, a guardar o seu dinheiro em lugares que acreditam ser seguros. Essa atitude prejudica o continente que, sem investimentos, “nunca vai ser seguro”. O débil sistema de justiça também contribui para isso. “Quando a justiça é parcial, quando a justiça é controlada politicamente, quando a justiça não é a justiça de facto, nós temos esses problemas”, atesta, observando que a corrupção não poupou a justiça. “Temos muito bons juízes, mas, no meio disso, também temos péssimos.”

Sobre a Zona de Comércio Livre, Bartolomeu Dias, que assistiu à assinatura do acordo no Ruanda, acredita na iniciativa, mas adverte que os países subscritores devem criar estratégias para não serem “simples consumidores”. Angola, entende, tem de criar essas capacidades para competir, em equilíbrio, com países que possuem um sector financeiro e industrial forte.

DÉFICE DE INFRA-ESTRUTURAS

Falta também ao continente infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias, eléctricas e de telecomunicações adequadas, de acordo com Luís Cupeñala. A isso, entende o empresário, acresce-se a falta da industrialização do continente para produzir bens com valor agregado e exportáveis para o mercado internacional.

Na lista das insuficiências, Cupeñala acrescenta a investigação científica e a aposta nas novas tecnologias, além de um ambiente de negócios “consistente e políticas públicas adequadas”.

Este homem de negócios, que conta com experiência empresarial no continente, defende ainda a circulação de bens, capitais, pessoas e tecnologias entre os 54 países. “Estamos certos de que os acordos de livre comércio continental assinados e ratificados pelos governos e chefes de estados africanos possam dar um novo alento e esperança”, antecipa.

A instabilidade política, económica e social, ainda prevalecente em algumas regiões do continente, soma-se a outros problemas que impedem os avanços económicos, o progresso e o desenvolvimento sustentável do continente africano.

RELAÇÕES ÁFRICA-CHINA

Aos olhos do presidente da Câmara de Comércio Angola-China, a relação do gigante asiático com África é “bastante próspera”, argumentando que a China compreendeu cedo “os pontos fracos” do continente. “A China definiu oito grandes iniciativas que passam necessariamente por interconectar o continente com infra-estruturas adequadas, a agricultura, industrialização e a aposta na educação com qualidade e estimular o uso das novas tecnologias bem como a investigação científica, de entre outros pontos”, enumera, ao mesmo tempo que desafia o continente a oferecer uma “liderança ousada e visionária” na cooperação estratégica com a China.

PIOR RESCISÃO EM 50 ANOS

Segundo o relatório do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), em 2020, África sofreu a pior recessão em mais de 50 anos, devido à pandemia da covid-19, visto que o seu PIB diminuiu em 2,1%. Para 2021, o BAD prevê um aumento de 3,4% no PIB africano.

O incremento recente das despesas com juros como parte das receitas compromete, para muitos países, a capacidade de cumprirem as obrigações da dívida prestes a vencer, diz o documento, que enfatiza a decrescente liquidez disponível de muitos países.

O relatório diz igualmente que problemas relacionados com a governação económica, a corrupção e a má gestão foram identificados como causas dos episódios de sobreendividamento que ocorreram recentemente em alguns países.

Cerca de 30 milhões de africanos caíram na pobreza extrema em 2020, em resultado da pandemia, e estima-se que cerca de 39 milhões de africanos possam cair na pobreza extrema em 2021.