O ‘sim’ e o ‘não’ na visão de três especialistas
COMÉRCIO INTERNACiONAL. Uns defendem uma integração a passos lentos na Zona de Livre Comércio Continental Africana. Outros lançam o desafio e até preconizam que chegou o momento da diversificação. Perda da autonomia financeira e económica ainda é dos maiores receios.
Angola está a um passo da ratificação da integração à Zona de Livre Comércio Continental Africana (ZLEC), mas o processo está longe de gerar consensos entre especialistas, quanto às consequentes vantagens e desvantagens para a economia nacional.
O investigador do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL) do ISCTE-IUL, Eugénio Costa Almeida, considera que “ainda não estamos em condições” de avançar para a ZLEC sem que haja garantias de salvaguarda dos principais interesses do país. “Não é em vão que a África do Sul, apesar de já a ter ratificado, dá preferência à plena Zona de Livre Comércio da SADC”, exemplifica.
Eugénio Costa Almeida refere que, além do petróleo e dos diamantes que têm sido dos produtos mais exportados por Angola, há também o café e o algodão e talvez o sisal que podem ser competitivos na zona, mas lembra que há outros países como a Costa do Marfim, no café, e o Mali, no algodão, que são os principais produtores e exportadores destes dois produtos. “Externamente, teremos as nossas armas. Com a entrada na ZLEC, iremos estar contingenciados às regras da organização”, acautela.
O investigador questiona ainda o que servirá ter “uma ZLEC para defender os nossos interesses, se a matéria-prima continua a ser transformada no exterior, por não termos industrialização”.
Diferente de muitos analistas e investigadores, Eugénio Costa Almeida afirma “ser cedo para poder aquilatar das vantagens e desvantagens da integração de Angola na ZLEC”. “Pessoalmente, advogaria uma entrada ‘step-by-step’, na linha do que é praticado pelos Estados sul-americanos no Mercosul, sermos Estado-associado dentro da organização”.
Já para o economista e professor universitário Jonuel Gonçalves, “o começo da execução não deverá ser antes do médio prazo”.
O economista recorda que o conjunto das economias africanas está num estado que não permite tomar todas as medidas para se criar um mercado comum. “Podem tomar-se medidas e criar novas premissas e pontos de partida”, refere.
O economista estima ser “importante” introduzir a diversificação nas várias economias que são viáveis e tornar viáveis as que não são. Conforme observa, uma grande parte das economias africanas não é viável, sendo que os países são pequenos, com mercados reduzidos e poucos recursos. Mas, ainda assim, nota que a ratificação “traz vantagens políticas e não isola Angola” do conjunto africano. “Isso dá a noção de pan-africanismo e ser África num contexto mundial. A criação de um grande mercado que passa a ser mundialmente tratado em termos colectivos. Alguns países já olham para África como se fosse um mercado só. Há países que constatam que as suas relações com os países individualmente têm um impacto muito pequeno nem representam nem 0.5%, mas, se somadas as 54 economias africanas, já dão um percentual importante”, sublinha.
Jonuel Gonçalves aconselha o reforço das entidades de integração regional com mais papel económico do que político e lembra que diversos mercados comuns começaram por sectores, sendo que a União Europeia começou com uma comunidade que se chamava de carvão do aço. “Angola pode, dentro deste projecto, propor que haja livre comércio de alguns produtos e não de outros. Para fasear por aí”.
O economista entende que uma das coisas que parece difícil no curto prazo é estabelecer um bom calendário para a redução das tarifas alfandegárias sem a quail não há livre troca. “Angola é um país que tem pensado pouco a sua economia mesmo a médio prazo. Vive no curto prazo dependendo dos preços internacionais e voltado para um só produto. Se esta noção de livre troca continental for realmente bem assimilada pelos deputados que votaram para a ratificação, devem tirar como primeira conclusão a feitura de um mercado angolano que seja competitivo e que contribua para o mercado continental. Mas só com o petróleo não vai contribuir, temos a ligação da construção das economias viáveis, Angola faz parte deste grupo. E, em segundo lugar, reforçar as entidades de integração regional e trabalhar bastante os calendários e as pessoas adequadas para gerir esses calendários”.
O especialista em Relações Internacionais Augusto BáfuaBáfua acredita, por sua vez, que Angola vai ganhar com este acordo dada a sua extensão, as suas terras aráveis e férteis e a população que é “muito jovem e automaticamente consumidora”. “Angola, se conseguir colocar produtos com a mesma qualidade e quantidade que outros países do mundo e com preços reduzidos, pode ser competitiva”.
BáfuaBáfua defende que, quanto à integração, o país e o continente “não têm nada a perder”, referindo que “não se perde nada porque quem vai a um mercado vai para comprar e vender”. “Angola ainda é um grande comprador. Tem pouca produção interna. Há pouca compra pelo continente. A maioria das compras é proveniente da China, Europa alguma parte da América do Norte e do Sul. Mas, com esta aprovação do acordo, Angola vai comprar muito mais do continente. E, de forma paulatina, pode deixar de ser comprador, mas também comprador e vendedor”, sublinha.
Lembrando que África é o continente que menos trocas comerciais faz entre si, BáfuaBáfua nota que a média está entre os 15% e os 18%. “Esta mudança de paradigma pode proporcionar emprego aos africanos e a capacidade de criar indústrias africanas e para a exportação para outras partes do mundo e ninguém melhor do que os próprios africanos para produzirem produtos para África. Mas, para isso, tem de ser pensado e feito por africanos. Os outros continentes desenvolveram-se com produção local”, defende.
Para Báfua Báfua, Angola “esteve bem nos últimos três anos por conseguir ultrapassar a ideia de ser um país fechado, que não interagia no comércio”, com a eliminação de vistos para quase todos os países da SADC. “Angola está a trabalhar nas barreiras aduaneiras, mas é necessário ultrapassar as tarifas e fazer com que os transportes tenham infra-estruturas que façam com que os produtos sejam baratos e competitivos”.
O gigante que não é tão gigante
Em Angola, sempre se temeu os efeitos de uma maior abertura do país ao continente e principalmente na região austral por causa da economia sul-africana. Hoje, as opiniões continuam a divergir, mas já com mais vozes a admitirem que a África do Sul “não é a mesma por causa das constantes lutas políticas e sociais” e que “engolir Angola será tarefa árdua”.
Eugénio Costa Almeida considera “difícil” que a “potência sul-africana engula a potência angolana”. “Sei que há compatriotas nossos que não apreciam (não gostam mesmo) que eu diga que somos uma potência, ainda que com um ‘p’ pequeno”, realça. “Por razões distintas bem definidas, África do Sul já não é o ‘papão’ que era antigamente e concentrou-se, quase em exclusivo, no cone austral, bem austral, do continente”.
O investigador considera que Angola já é suficientemente crescida, com “voz bem activa no contexto africano, para ser um peão das imperativas vontades sul-africanas”.
Por seu lado, Jonuel Gonçalves está convencido de que Angola “pode fazer frente à África do Sul, em determinadas áreas e se definir bem os grandes eixos da diversificação que assenta no agro-alimentar”. “O receio de as economias pequenas serem engolidas existe, mas, se o mantivermos, a fragmentação vai continuar. Se um país como Angola diversificar a sua economia não vai ter receio de ser engolida por economias grandes como a sul-africana”, conclui.
Já BáfuaBáfua descarta a ideia de se temer que África do Sul possa ser um “bicho papão” para Angola e aconselha as pessoas a ultrapassarem a “afrofobia”. “Temos medo desta invasão. A grande maioria dos produtos vendidos em Angola provém da China e de Portugal e ninguém fala disso. Angola ficou independente de Portugal do ponto de vista político, mas não económico. Ninguém fala dos produtos brasileiros que consumimos.”
O que Angola pode vender
Para BáfuaBáfua, Angola pode vender “muita coisa”. Sendo “o mais fácil o petróleo, é possível vender produtos agrícolas em bruto e, mais tarde, transformados”.
Eugénio Costa Almeida alerta que o que “conta é a qualidade dos produtos”. O investigador recorda que, à partida, o país tem petróleo, mas que a Nigéria, a Líbia, a Argélia, a Guiné Equatorial e o Senegal também têm esse produto para exportar e circular pelo continente. E que também há muita oferta de diamantes pelo continente, mas que “Angola parte em vantagem por já transformar”. Cita também a madeira que há noutros países, como Moçambique, e provavelmente com menores custos de produção/extracção. Teremos de analisar, ponderar e aquilatar quais as nossas principais valências qualitativas para competirmos no futuro mercado interno continental. De momento, vejo muito poucas ou nenhumas”, sublinha.
Eugénio Costa Almeida faz uma comparação que minimiza a importância de Angola: “Se a Nigéria é um país em desenvolvimento, decréscimo do preço do crude, nosso principal factor indicativo para o OGE, coloca-nos em posição inferior aos nigerianos que não são necessária e totalmente monodependentes do crude como nós.”
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