“Parece que os tribunais vivem na base do improviso desde 1975”
Aponta os vários desafios que a justiça enfrenta, afirma que o Instituto Nacional de Estudos Jurídicos (INEJ) se tornou num “ente estranho”, depois da mudança do seu estatuto orgânico passando a ser controlado totalmente pelo Ministério da Justiça. À frente da Associação dos Juízes de Angola (AJA) há praticamente cinco anos, Ismael Diogo da Silva não tem dúvidas de que nunca haverá independência dos tribunais enquanto continuarem financeiramente dependentes do Executivo. Ao notar que os tribunais vivem de improvisos desde a Independência, o também juiz de direito exemplifica com o caso de tribunais com 10 magistrados e com apenas uma sala de audiências.
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Associação dos Juízes de Angola (AJA) completa 10 anos de existência neste 2025, cinco dos quais sob a sua liderança. Qual é a avaliação que faz do contributo da organização para a melhoria da justiça?
A avaliação que se faz é de um trabalho muitas vezes incompreendido. Todavia, temos o dever de defender o aprimoramento da justiça permanentemente. Temos várias frentes, considerando as preocupações da justiça, com particularidade os tribunais e os magistrados. Temo-nos batido tanto na questão da formação dos magistrados como da legislação que gere a administração da justiça. Citamos, por exemplo, a questão do estatuto remuneratório e o estatuto orgânico da magistratura, isso é importante porque estamos a falar de uma norma que é de 1994, portanto desajustada ao novo ordenamento jurídico inaugurado pela Constituição de 2010. Há necessidade de fazer o ajuste. Imagine que o estatuto agora em vigor faz referência à categoria de juízes que já não existem. A Constituição, que é norma magna, traz a categoria de juiz que, desde logo, são os juízes desembargadores. É importante que haja uma norma que conforme tudo isso para melhorar a gestão, melhorar os direitos e os deveres de todas as categorias de juízes. Este é um aspecto, mas existem outros que devem ser melhorados.
Como quais?
Quando falamos do estatuto remuneratório, é para fazer notar que há um desajuste muito grande relativamente à remuneração dos magistrados. Outra preocupação que procuramos trabalhar, com muito afinco durante esses anos, é a questão da formação. Trabalhamos com muita força na questão da formação dos magistrados, porque entendemos que isso é muito importante. Assim, fornecemos anualmente várias formações. No ano passado, por exemplo, foram pelo menos quatro formações que foram realizadas para melhorar a capacidade técnica dos magistrados, porque não basta a formação inicial do magistrado, é importante que haja um aprimoramento constante para que o magistrado esteja em condições de atender às demandas da sociedade e a sociedade é muito dinâmica. Fizemos um pouco mais. A AJA criou uma academia de estudos forenses que permite melhorar a qualidade da formação que oferecem aos magistrados e, mais ainda, ter maior diversidade de cursos.
Os magistrados, para serem admitidos, têm de passar pelo Instituto Nacional de Estudos Jurídicos (INEJ). Nos últimos anos, têm-se reportado muitas reclamações quanto a dificuldades de ingresso no INEJ, qual é a vossa apreciação?
O INEJ, hoje, parece um ente estranho e digo o porquê. Recentemente, houve uma alteração do estatuto orgânico do INEJ. Até aqui, era administrado de forma tripartida, tínhamos o Ministro da Justiça, o Conselho Superior da Magistratura Judicial e o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público. Todavia, essa alteração recente do Estatuto Orgânico do INEJ, praticamente afasta os dois conselhos e concentra a gestão do INEJ no Ministro da Justiça. Acho que não é o melhor modelo, porque permite uma certa interferência do Executivo no Judicial. Parece-me que o modelo anterior mitigava essas interferências porque tinha participação igualitária ou equivalente dos outros conselhos que também formam no INEJ. Para nós, hoje, temos a ideia de que o INEJ é um ente estranho para a magistratura, parece que é preciso rever isso e encontrar uma solução que atenda aos interesses da Magistratura do Ministério Público e do Judicial. Agora, o INEJ tem o papel de fazer a formação inicial dos magistrados. Os magistrados normalmente passam inicialmente por um concurso de acesso e, depois que acedem ao INEJ, têm uma formação e discutia-se muito sobre se devia ser uma formação mais prática ou necessariamente uma repetição das teorias que já são aprendidas na universidade. Lembro-me que o último curso, particularmente, já vem trabalhando numa vertente mais prática E, de facto, é isso que se quer, que o candidato a magistrado aprenda como o magistrado trabalha, precisa ser na prática, não basta o estágio no final do curso. Lá é preciso saber como se faz uma sentença, quais são os caminhos da sentença, como tramitar um processo, quais são os processos que tramitam nos tribunais e quais são as especificidades de cada processo.
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