PODER. Constituição e estatutos do MPLA determinam que João Lourenço estará inevitalmente afastado da liderança do país e do partido, depois de 2027. Estatutos fixam que o actual líder dos ‘camaradas’ não pode avançar com alterações num congresso extraordinário para apresentar-se como candidato à liderança do partido dentro de dois anos.
Evaristo Mulaza
EXCLUSIVO. Impossibilidade de alteração da Constituição, conjugada com norma estatutária que impõe o presidente do partido como o candidato a Presidente da República, coloca João Lourenço em situação de inelegibilidade na reunião magna dos camaradas que antecede a disputa eleitoral de 2027. Constitucionalistas, politólogos e sociólogos validam interpretação do Valor Económico sobre o artigo 120º dos estatutos vigentes do MPLA.
Convidado do programa ‘Essencial Entrevista’ da Rádio Essencial, emitido esta terça-feira, 20, Manuel Homem respondeu sobre o ‘choque’ entre os organizadores da manifestação do último sábado, 17, e o Governo Provincial de Luanda e explicou, ao detalhe, alguns dos temas centrais que se colocam sobre a mesa do seu gabinete na Mutamba, com destaque para o programa de reordenamento do comércio. Indiferente às críticas da Aniesa que acusa o governo provincial de falta de competência para encerrar armazéns, Manuel Homem garante que o plano é para continuar, com o foco na retirada dos grossistas dos espaços urbanos. Sobre a tentativa de corrupção que o próprio denunciou publicamente, não se compromete com uma apresentação formal de queixa às autoridades e não se esquece de lembrar, quanto ao ordenamento da capital, que Luanda sempre teve, a todo momento, um plano de urbanização.
FINANÇAS PÚBLICAS. Ministro de Estado e da Coordenação Económica colocou a dívida pública nos 72,6 mil milhões de dólares em 2019, contra os 71,9 apresentados pelas Finanças. Departamento gerido por Vera Daves esclarece que diferenças se devem a actualizações de itens como o câmbio e amortizações.
A conversa com João Melo começou pelo impasse eleitoral, passou pela futura administração de João Lourenço e não deixou de parte o legado de José Eduardo dos Santos. As ideias são claras. A oposição está equivocada, ao confundir apuramento provisório com o definitivo. João Lourenço vai combater a corrupção, porque não há alternativa a isso. E, sobre a possibilidade do poder bicêfalo, diz que não seria “positivo”. Comecemos pelo impasse eleitoral. O MPLA criticou a oposição por esta ter contestado os resultados provisórios. E, ao criticar, fez uma certa colagem da contestação ao histórico belicista, nomeadamente da UNITA. Mas é proibido contestar? Contestar é uma declaração de guerra? Afinal, há uma lei que a permite... Que eu saiba, ninguém disse que a oposição não pode contestar os resultados eleitorais. Mas, evidentemente, a sociedade angolana - e o MPLA faz parte dela - tem o direito de analisar politicamente esta contestação. Os direitos e as dignidades de uns são iguais para os outros. Por outro lado, não me parece verdade que a crítica do MPLA a mais esta contestação por parte de alguns partidos da oposição tenha como base o histórico remoto desses partidos e da experiência eleitoral dos angolanos… Mas houve essa referência na declaração do MPLA, ao apelar aos eleitores que não se deixassem iludir por quem tem um historial de destruição... Referência que reputo de incidental, porque também não me parece correcto apagar a história. De vez em quando, é necessário lembrar a história para que ela não se repita. Mas, quero reiterar aqui (para tirar essa ideia de que o MPLA apenas está interessado em rebuscar um passado longínquo) que essa narrativa da fraude já vem sendo desenvolvida pela oposição num período muito mais recente, concretamente desde antes e durante o processo de registo eleitoral. Ou seja, há um ano. Na verdade, essa narrativa estava a ser preparada e foi anunciada ao longo desse último ano várias vezes. Mas a oposição mencionou o que entende como irregularidades concretas, como a inobservância de procedimentos legais no escrutínio. Você leu a Lei eleitoral? Conhece o regulamento, as deliberações da CNE sobre o processo de apuramento provisório e definitivo? Não está em causa a minha leitura dos factos. Coloco-lhe a questão na perspectiva de como a oposição a apresenta. Está bem... Mas permita-me aqui uma crítica entre profissionais para o facto de a imprensa não estar a fazer o básico. Isto é, se uma fonte ou uma entidade qualquer nos diz alguma coisa contra a lei, acho que o básico é verificar a lei e não assumir essa afirmação como verdadeira. Mas não se trata, neste caso, de uma afirmação pessoal. Repito: é uma questão, na perspectiva dos que contestam. Está bem, vou responder. A oposição está a fazer uma confusão entre apuramento provisório e apuramento definitivo. Essa confusão é explicada, no caso daqueles comissários que entraram na CNE recentemente, já não é para três ou quatro comissários da oposição que pertencem à CNE há muito tempo, que acompanharam os processos de divulgação dos resultados provisórios, quer 2008, quer em 2012. O apuramento definitivo é que depende do escrutínio e do apuramento a nível provincial com base nas actas enviadas pelos municípios. A divulgação dos resultados provisórios nunca o foi. A divulgação provisória é feita com base nas actas, não das províncias ou dos municípios, mas das próprias assembleias de votos que são enviadas ao mesmo tempo para as províncias para que estas comecem o apuramento definitivo e para o centro de escrutínio da CNE, em Luanda. O apuramento dos resultados provisórios e a sua divulgação são uma prática comum em todos os processos eleitorais, em todo o mundo. Em todo o mundo, a população tem primeiro acesso aos resultados provisórios e inclusivamente as declarações de vitória ou aceitação de derrota são feitas normalmente com base nos resultados provisórios. Excepto naqueles casos em que a disputa é muito apertada e que realmente convém esperar os resultados definitivos. E isso porquê? Porque o apuramento definitivo pode resolver aquelas dúvidas e reclamações que não foram resolvidas na mesa de votação, na assembleia de voto ou na comissão municipal eleitoral. É por isso que normalmente em todos os países - para que os eleitores não pensem que Angola é um caso excepcional – pode haver pequenas diferenças de mais ou menos um voto entre os resultados provisórios e os definitivos. Mas, em regra, o que está a acontecer entre nós, os resultados definitivos batem genericamente certo com os resultados provisórios. E em relação à crítica mais ampla sobre a presença de observadores. Os observadores de referência que assistiram ao processo, sobretudo antigos chefes de Estado na lusofonia africana, são conotados como amigos do MPLA. Isso não ajuda a credibilizar... Considero até insultuoso colocarem dúvidas à idoneidade de personalidades como o ex-presidente moçambicano, Joaquim Chissano, por exemplo. E dou apenas este exemplo, há outros. É até insultuoso colocar a legitimidade de personalidades como esta em causa. Mas vou dar uma resposta que talvez alguns irão dizer que estou a ser radical. Por mim, se fosse eu mandar, só convidaríamos, quanto muito, observadores africanos para as nossas eleições. E aqui nem falo como quadro do MPLA. Portanto, não é a posição do MPLA. É a minha posição estritamente individual. Por mim, não convidaria nenhum observador pelo menos fora de África. Acho que isso é até um sinal de uma certa subserviência como se nós, africanos, não fôssemos capazes de construir as nossas democracias, com as nossas dificuldades, mas também com as nossas próprias capacidades. Como se precisássemos sempre de alguma tutela externa. Isso, confesso, incomoda-me como indivíduo. A Igreja Católica, por exemplo, pensa que a CNE deveria evoluir para um órgão independente dos partidos. É uma mensagem de desconfiança ao actual formato. Eu respeito profundamente a igreja católica, até porque pertenço a uma família católica. Entretanto, sobre a questão do formato da comissão da CNE, vou dar-lhe outra resposta que talvez alguns considerem também radical. É uma ideia estritamente individual. Por mim, as eleições seriam organizadas pelas administrações, como acontece na maioria dos países democráticos do mundo. Mas Angola ainda não tem ainda essa maturidade democrática... Mas temos de caminhar nesse sentido. Admito que seja necessária uma fase de transição para incutir mais confiança entre os diferentes actores até se chegar a esse ponto. Mas a questão da confiança ou falta dela também depende muito da cultura individual de cada um. Tem de fazer uma pré-disposição para não se fazer da desconfiança uma estratégia. Voltemos ao impasse. A contestação dos resultados provisórios antecipa a próxima contestação, a dos resultados definitivos. Até onde acha que a oposição poderá chegar? Tem de fazer essa pergunta a alguém da oposição. Mas, francamente, não sei; não sou adivinho, não sou bruxo e realmente há coisas que não entendo, por mais esforço que faça. Por exemplo, que resultados a oposição tem que não os apresentou até agora para dizer que os resultados não são aqueles que a CNE está a divulgar? A CNE já não está a divulgar os resultados provisórios, está a divulgar os resultados definitivos feitos com base nas actas provinciais, processo do qual todos os representantes partidários estão a participar. Uns estão a assinar as actas, outros não, por terem recebido certamente instruções das suas lideranças em Luanda. Mas todos estão a participar em todas as províncias e não estão a apresentar reclamações. É bom que se note isso! Há perguntas que se colocam. Com base em quê a oposição, como nós todos imaginamos, vai impugnar os resultados definitivos, se não está a apresentar reclamações a nível inferior, nas mesas de voto, nas assembleias, nas comissões municipais eleitorais, comissões provinciais eleitorais? Acha que a oposição pode ir ao ponto de boicotar o Parlamento? Se o fizer, só terá a perder, porque o processo não pára. O facto, em primeiro lugar, de alguns comissários da oposição nas comissões provinciais eleitorais estarem a assinar as actas, o facto de previsivelmente a oposição vir a impugnar os resultados definitivos sem apresentar evidências que comprovem e justifiquem as suas reclamações, não faz parar o processo, porque o país tem leis e as instituições vão funcionar. A Assembleia vai ser empossada, o Governo vai ser constituído e quem fizer a política de cadeira vazia até ao fim só terá a perder. Mas seria um cenário incómodo também para o próprio MPLA… Sim! É evidente, mas a culpa não seria do MPLA. Ou a oposição quer ganhar na secretaria o que não ganhou no campo de futebol? Esse tempo já passou. As circunstâncias do país agora são outras, portanto as leis e instituições vão ser aplicadas, eu não tenho dúvidas. Em 2015, o João Melo escreveu uma carta aberta ao Presidente da República em que, no essencial, defendia que a estabilidade e a democracia não eram incompatíveis, mas antes conciliáveis. Agora em 2017, no período da campanha, defendeu que a oposição não está preparada para governar, inclusivamente porque não tem quadros. Parece contraditório. Parece a mesma estratégia que o MPLA vem seguindo. Aparentemente, quando a democracia tenta marcar passos, o MPLA evoca a estabilidade para defender-se... É uma leitura errada. Eu reitero aqui que os dois termos dessa equação estão interligados. Tenho a experiência de ter vivido em países com democracias mais antigas e consolidadas que a nossa. Inclusive no país considerado como o mais democrático do mundo, os Estados Unidos, e em lado nenhum do mundo a democracia é algo que não tenha regras, que possa ser confundida com instabilidade. Isso não existe! Por outro lado, a estabilidade também para ser efectiva e perene depende da democracia. Há uma relação dialéctica entre estas duas questões. A estabilidade sem democracia também não é uma coisa boa! E, aliás, tendencialmente - a história demonstra - pode ser posta em causa e questionada pelas próprias sociedades. Eu não tenho dúvidas nenhumas a esse respeito. Mas a prática do MPLA parece essa, a de evocar a estabilidade, quando oportuno, para defender o poder... Talvez tenha lido mal a mensagem do MPLA durante essa campanha. É óbvio que a campanha do MPLA não foi contra a democracia. O nosso candidato, desde o seu primeiro discurso, assumiu a bandeira das transformações, das mudanças que o país exige, ressalvando apenas que tudo isso tem de ser feito num quadro de estabilidade, sem colocar em causa aquilo que já foi alcançado. A mensagem foi sempre clara e espanta-me que não tenha entendido bem ou então fez uma pergunta retórica. E qual é leitura que faz da aprendizagem nessas eleições para o MPLA, uma vez que confirmam uma tendência de perda de espaço face à oposição, contando de 2008? Creio que, para já, ainda é cedo para fazer leituras mais finas. Há duas leituras, entretanto, a fazer. Uma é que a democracia está a funcionar. Quer dizer, é previsível que a tendência seja que, a cada ciclo eleitoral, a disputa seja mais apertada. Isso é natural! É a democracia que está a funcionar. Em segundo lugar, uma parte dessa perda de votos é resultado dos problemas de governação. Quer dizer, os nossos próprios erros. O partido assumiu-os claramente, quando aprovou o ‘slogan’ da última campanha. Um partido que diz “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal” é porque está a assumir que erros foram cometidos. E esses erros, em vários casos e situações, penalizaram-nos. Espero, portanto, que o nosso partido e o nosso Governo sejam capazes, até por causa da crise, de corrigir certas práticas e mentalidades e possam realmente reconquistar uma parte dos votos que perdeu agora. Eu estimo que, entre cinco e 10 por cento dos votos agora registados, sejam votos que o MPLA, se governar bem como espero, pode recuperar em 2022. E já que fala em melhorar certas práticas, é inevitável a referência à corrupção. Apesar de ser transversal à sociedade, no nosso caso, a percepção geral é a de que o próprio MPLA acaba por ser o rosto da corrupção por razões óbvias. Que garantias efectivas o MPLA pode dar à sociedade, no sentido do combate a este ‘flagelo’? Como referiu, a corrupção é transversal a todas as sociedades. O problema é a impunidade. E creio que a mensagem do MPLA e do seu candidato sobre a sua disposição para começar a combater a impunidade e, portanto, diminuir a corrupção foram claramente entendidas pelo eleitorado. Não senti, durante a campanha, apesar dos esforços que a oposição fez neste sentido, que o tema corrupção tivesse contribuído para decidir essa eleição. O compromisso que o candidato do MPLA assumiu, desde o seu primeiro discurso de pré-campanha, e depois as várias ideias e propostas que foram sendo avançadas durante a campanha, pelo próprio MPLA, para começar a combater a impunidade, creio que foram entendidos e aceites por grande parte do eleitorado. Confia que esse combate começará a ser feito? Confio e foi por isso que me envolvi na campanha do meu partido, porque conheço o Presidente eleito e estou confiante que ele vá realmente tomar as medidas necessárias para começar a combater o fenómeno que é altamente pernicioso para toda a sociedade. Em segundo lugar, porque o MPLA tem de fazer isso, se quiser realmente continuar a governar o país durante os próximos anos e décadas. Tem de fazer isso. Porque é um problema sério, real e concreto. Por outro lado, o MPLA não é o rosto da corrpção em Angola. Essa afirmação paraece-me progandística. O MPLA tem cinco milhões de militantes e são o rosto da corrupção em Angola? Será que não há outros corruptos em Angola que não sejam do MPLA? Mas repare que, na imprensa, nos últimos dias, se vão avançado nomes que poderão figurar no próximo Governo e que frequentemente são citados em escândalos de corrupção interna e externamente. A confirmar-se, será claramente uma mensagem contraditória. Não acha estranho que, num momento destes, quando o MPLA e o Presidente eleito assumiram o combate à corrupção como uma das suas bandeiras, de repente comecem a circular estas listas? É evidente que se trata, a meu ver, de manobras políticas justamente para dar a impressão à opinião pública de que não vai haver mudança nenhuma, de que o MPLA não vai mudar nada e que João Lourenço não vai fazer mudança nenhuma. Não há nenhum Governo, pelo menos em Angola, constituído. Ou que seja anunciado na imprensa antes do tempo. Eu não dou importância nenhuma a essas listas. Vamos aguardar que saia a lista do Governo para então comentar. Não posso fazer comentários antecipados a pseudo-factos. Mas a luta contra a corrupção exigirá necessariamente que João Lourenço ‘dispare fogo amigo’. Concorda? Até na guerra há fogo amigo. Mas creio que o importante aqui é assinalar que o MPLA e o novo Governo, sob a liderança de João Lourenço, vão certamente, e não tenho dúvidas, assumir esse combate. Agora, esse combate tem de ser de todos. Que ninguém tenha dúvidas de que a corrupção não se extingue por decreto. Isso não acontece. Como escreveu o economista Alves da Rocha - e eu concordo com ele - a corrupção em Angola é um problema vertical e transversal. Portanto, toda a sociedade tem de ser envolvida no combate a esse fenómeno. Durante a campanha, o MPLA propôs um pacto nacional contra a corrupção. Aliás, foi o único partido que não se limitou a dizer que ia combater a corrupção. Isso parece-me acertado e necessário, porque acabamos por fazer sempre uma grande discussão, um debate sobre isso. Em primeiro lugar, definir bem o que é isso de corrupção, quais as práticas que fazem parte desse conceito que, muitas vezes, na linguagem comum, se confunde com a má gestão, por exemplo. Ou com o tráfico de influências. É preciso discutir-se bem os conceitos, as práticas e depois as medidas necessárias para tomá-las, mas medidas que funcionem. Não basta criar uma boa lei europeia, se depois não há condições culturais, sociais para aplicá-la. Na Nigéria, o presidente Buhari mandou confiscar recursos da ministra dos Petróleos do Governo de Goodluck Jonathan. Acha que, no nosso caso, terá de acontecer isso?Será preciso começar a prender ‘peixes graúdos’? Não sou muito a favor. E, aliás, muitos políticos angolanos, inclusivamente da oposição, não se declararam, durante a campanha, muito a favor de caça às bruxas e perseguições. Acho que é preciso discutir amplamente. Este é daqueles temas que têm de ser discutidos e negociados entre o Governo, a oposição e a sociedade civil para encontrar as leis, as medidas a tomar para que realmente o combate à corrupção seja efectivo. Outros países naturalmente terão outros caminhos. João Lourenço esteve em Espanha e definiu-se como um Deng Xiaoping, em entrevista à agência EFE. Ora, Xiaoping, especialmente em relação às transformações económicas, foi, em certa medida, a antítese de Mao. É uma mensagem implícita de ruptura? Sou um profissional de comunicação social há mais de 40 anos. Sei que a imprensa só gosta de sangue, mas creio que talvez esteja a dar uma importância e a fazer uma leitura um pouco esforçada das palavras que o presidente eleito proferiu à agência EFE. Para saber mais detalhes terá de perguntar a ele, mas creio que - pelo menos li assim as respostas que João Lourenço deu à agência espanhola - ele referia-se à necessidade de se reformar realmente a economia do país, fazendo Angola entrar num novo ciclo, pós-petróleo, de desenvolvimento. Como, aliás, ele disse durante a sua campanha. Referindo-se ao legado dos seus antecessores, disse que - estou a citar de fora -, enquanto Agostinho neto foi o presidente que trouxe a independência, José Eduardo foi o presidente que manteve a integridade territorial, conquistou a paz, promoveu a reconciliação e a reconstrução do país e que agora é chegada a hora do desenvolvimento. Creio que ele se referia a isso, ou seja, a esta caracterização de Deng Xiaoping como grande reformador da economia chinesa. “A prática do MPLA é do comando único” José Eduardo deixa a chefia de Estado, mas vai manter-se no partido. E não está necessariamente muito claro se deixa o partido em 2018 ou se deve continuar até ao fim da próxima legislatura, colocando-se o tal debate sobre a possibilidade do poder bicéfalo. Qual é a sua opinião em relação a este assunto? Este é mais um exemplo de como a imprensa, lamentavelmente, só gosta de sangue. Porque não ouvi ainda nenhuma afirmação pública nem do Presidente José Eduardo dos Santos, nem de ninguém do partido ou alguém próximo ao Presidente que nos permita suspeitar de que ele não deixará a vida politica em 2018. Mas já tivemos pronunciamentos de figuras relevantes como, por exemplo Lopo do Nascimento, que criticou essa possibilidade… Criticou essa hipótese em tese, com certeza. Porque, repito, pode ser que esteja enganado, mas nunca vi uma afirmação que nos permita dizer que o Presidente vai continuar na vida política depois de 2018.Os factos até agora demonstram isso. O Presidente disse que não seria mais candidato a Presidente da República em 2017 e cumpriu a sua palavra. Propôs ao partido a indicação de um novo candidato, as eleições ocorreram e esse candidato foi eleito. Um outro facto é que o Presidente José Eduardo disse que vai abandonar a vida política em 2018. Não conheço qualquer outro facto a respeito disso. Mas caso acontecesse, seria um problema? Vou responder-lhe também no plano teórico. Se, no plano teórico, hipoteticamente isso acontecesse, creio que não seria uma coisa positiva e favorável ao processo. Desde logo, essa não é a prática do MPLA. A prática dentro do nosso partido é a prática do comando único. E costuma a dizer-se que em equipa que vence não se mexe. Portanto, se essa prática funcionou bem até agora, e eu reputo que sim, é bom, na minha opinião, manter. Porquê, necessariamente? Acha que seriam poderes inconciliáveis? Não seriam poderes inconciliáveis, nem seria impossível. Seria difícil, porque não podemos esquecer que estamos em África, um continente onde a questão do poder tem uma certa configuração que não é igual à da Europa actual, porque a Europa também já passou por isso. E também não é a mesma de outros continentes ou de outras sociedades, porque cada sociedade tem a sua peculiaridade. E, em termos da África central e austral que são as duas regiões com as quais Angola está mais próxima, em termos culturais, a coabitação de poderes é extremamente difícil. Mas João Lourenço parece ter outra opinião. Na entrevista que deu em Espanha, respondeu a essa questão e indicou que não via problemas nessa possibilidade, até porque, como argumentou, vai liderar um Governo sufragado através do MPLA. Você está a fazer a entrevista com João Lourenço ou comigo? Estou a assinalar o que pareceu ser o posicionamento de João Lourenço, pelo menos em relação a esta matéria… É óbvio que o presidente eleito tem as suas leituras, tenha as suas informações e tenha a sua postura que ele entende ser a mais adequada. Afinal de contas ele é que foi eleito. Eu não me candidatei a nada. Portanto, estou a emitir aqui opiniões individuais que não têm nada que ver com a opinião do meu partido e muito menos com a opinião do candidato eleito. Em relação ao legado do Presidente José Eduardo dos Santos o que destacaria? Já escrevi sobre isso. Acho que há três ou quatro aspectos a mencionar. José Eduardo dos Santos conseguiu manter a integridade territorial do país que esteve seriamente ameaçada. Foi o homem que conseguiu conquistar a paz. José Eduardo dos Santos foi um reconciliador. Promoveu a reconciliação com os antigos adversários. Sem esquecer a grande obra de reconstrução do país que, com falhas maiores ou menores, aí está e é um ponto de partida para uma verdadeira política de desenvolvimento. Portanto, essa é uma obra que ninguém em sã consciência, honesto, pode tentar diminuir. Acho que ele deixou um legado altamente positivo. Certamente a história há-de fixar o papel que ele desenvolveu em Angola. E em relação a falhas? Prefiro responder a esta pergunta daqui a uns anos, quando a história tiver feito o seu trabalho.
Festas em Angola deixaram de ser negócio rentável