Evaristo  Mulaza

Evaristo Mulaza

Os sinais do desconforto que mantêm arrefecidas as relações entre Angola e China não estão incrustados nas entrelinhas. Estão expostos, às claras. Quem tem olhos de ver, identifica-os com riqueza de detalhes em discursos, mas também em gestos e accções concretos. Do lado angolano, o protesto mais sonante até ao momento foi a desfeita de João Lourenço que desmarcou uma deslocação à China à porta de um evento entre Xi Jinping e líderes africanos em 2024. Antes disso, foram as críticas contra a colateralização do petróleo para os chorudos empréstimos chineses. 

16 Apr. 2025

PORQUÊ A FILHA?

As diferenças de circunstâncias e dos factos não dissimulam as semelhanças. A questão central mantém-se. João Lourenço quase que recorreu ao escárnio para atirar-se contra o seu antecessor que colocou filhos na liderança de instituições públicas importantes. No entanto, não foi preciso chegar a meio do seu último mandato para também, neste particular, exibir a sua face da contradição. Incoerência - insista-se - que se tem destacado sobremaneira entre os traços da sua personalidade política. 

João Lourenço prometeu baixar os preços dos combustíveis em 2022, com recurso a uma hipótese fantasiosa. Acontece que o país estava em plena campanha eleitoral, pelo que não foi fácil perceber se João Lourenço partia de uma base mal informada ou se recorreu ao embuste de forma consciente. Se foi manipulado pelos seus auxiliares ou se decidiu manipular os angolanos por sua conta e risco.

Embaixadores de vários países ocidentais perfilaram-se nas últimas semanas para dizer, com eufemismos, que Angola não é um bom país para se investir. Os constrangimentos apontados sem reservas centraram-se, sobretudo, nos embaraços burocráticos e na perturbada conjuntura económica. A questão política, apesar de endossar as críticas, passou com mensagens mais subtis. Ninguém foi ao ponto de afirmar, com palavras directas, que a crispação do ambiente político impõe um quadro de impressibilidade que assusta os investidores. 

Por uma questão de rigor, comecemos por precisar os factos. O Governo angolano disse que abandonou a mediação do conflito no leste do Congo. É uma afirmação escandalosamente falsa. Angola não abandonou o que quer que seja. Pelo menos, não desta vez. Pelo contrário. Foi abandonada sem direito sequer a um aviso num rascunho de uma linha. Em língua portuguesa, abandonar e ser abandonado são colocações opostas. Uma coisa chega a ser quase a antítese da outra. E, quanto mais despeito se demonstra quando se é abandonado, maior é a humilhação a que se expõe o abandalhado. Há outro detalhe importante. Quem é abandonado sem aviso prévio normalmente é um sujeito muito mal comportado. É aquele que, por regra, ignora as advertências na relação. O que desdenha os sinais e despreza todas as chamadas de atenção.