Evaristo  Mulaza

Evaristo Mulaza

18 Dec. 2024

A escolha do ano

A escolha da Personalidade do Ano de 2024 recai sobre João Lourenço. É a terceira vez que o Presidente da República e do MPLA reclama esta posição, nestas nove edições consecutivas em que o Valor Económico faz este exercício. Como já o escrevemos no fecho do ano passado, pela sua regularidade e consistência, a Personalidade do Ano escolhida pelo Valor Económico é a iniciativa do género mais experimentada na imprensa angolana.

“Em qualquer sociedade onde o Estado é o grupo que capturou o poder, a sociedade não vive bem. Essa é a realidade que temos em Angola.” A frase não é nossa. É do reverendo Daniel Ntoni-a-Nzinga, conhecido lutador pelas causas essenciais do país e intransigente defensor da justiça. Disse-a a propósito de uma reflexão aturada sobre as causas profundas da pobreza, da miséria e da fome, na grande entrevista desta semana do Valor Económico. O revendo não tem dúvidas. Todos os argumentos que tentam explicar a fome que envergonha os angolanos com sensibilidade e decência desaguam numa questão central. O Estado está capturado por um grupo bem identificado. E não há Estado capturado que trabalhe para e pela população. Quando é assim, na verdade, os papéis invertem-se. É a população que trabalha para os capturadores do Estado. Colocar o pensamento a este nível é qualquer coisa a que se chama lucidez e tudo o resto que se aproxime do patriotismo e da honradez. Abordar as causas últimas da fome e da miséria sem associá-las de forma íntima à natureza do regime, no nosso caso, é manipulação grosseira, é ignorância pura, é batota deslavada.

Não é apenas pelo níveis de degradação social. Também não é só pelos indicadores da desgraça económica. Pela natureza dos temas e pela qualidade dos conteúdos que são colocados em debate no espaço público também se mede o atraso ou o progresso de uma sociedade. Perceber onde nos encontramos com base neste quesito é tarefa fácil. Diga-se, aliás, em boa verdade, que o que se discute no espaço público é sempre fortemente condicionado ao país e à sociedade que se tem.

Embora tardia, não é uma notícia má. Pelo contrário. O Presidente João Lourenço finalmente deu a entender que está em fase avançada na curva de aprendizagem sobre o reconhecimento da fome. Melhor dito, sobre a existência da fome em Angola. Foi um processo longo e doloroso. Demorou o tempo de um mandato e, com isso, mais do que tempo, perderam-se e perdem-se vidas. Em 2019, João Lourenço não sabia que existia fome no país em que é governante pelo menos desde os 29 anos (hoje tem 70). Disse-o à portuguesa RTP. Dois anos depois, em 2021, perspectivou a fome como sendo relativa. Afirmou-o aos militantes do seu partido num comício. Agora, em 2024, foi comprometer-se, no Brasil, a erradicar a fome até 2030.