Evaristo  Mulaza

Evaristo Mulaza

Por uma questão de rigor, comecemos por precisar os factos. O Governo angolano disse que abandonou a mediação do conflito no leste do Congo. É uma afirmação escandalosamente falsa. Angola não abandonou o que quer que seja. Pelo menos, não desta vez. Pelo contrário. Foi abandonada sem direito sequer a um aviso num rascunho de uma linha. Em língua portuguesa, abandonar e ser abandonado são colocações opostas. Uma coisa chega a ser quase a antítese da outra. E, quanto mais despeito se demonstra quando se é abandonado, maior é a humilhação a que se expõe o abandalhado. Há outro detalhe importante. Quem é abandonado sem aviso prévio normalmente é um sujeito muito mal comportado. É aquele que, por regra, ignora as advertências na relação. O que desdenha os sinais e despreza todas as chamadas de atenção. 

Em menos de duas semanas, João Lourenço soma a uma escandalosa vergonha internacional uma estrondosa derrota diplomática. No primeiro caso, Angola impediu e criou entraves à entrada de figuras proeminentes da política africana e mundial que foram convidadas para uma conferência em Benguela. Algumas dessas figuras, até prova em contrário, de idoneidade e autoridade moral irrefutáveis. Até hoje não houve, entretanto, um único comentário racional que explicasse tamanha borrada. E o Governo prefere manter-se num silêncio incompreensível que alastra ainda mais a nódoa. Nem uma única palavra, descurando inclusive a coincidência de João Lourenço ser neste momento o Presidente da União Africana.  

Na entrevista à Rádio Essencial, esta terça-feira, 11, o empresário Bartolomeu Dias deu algumas respostas curtas e objectivas. O Governo de João Lourenço falhou porque escolheu algumas empresas a dedo para fazer delas parceiras do Estado, entregando-lhes tudo o que tinha e o que não tinha. O Governo de João Lourenço falhou porque deixou de haver divisas para os empresários “não alinhados ao sistema”. O Governo de João Lourenço falhou porque elegeu as contratações simplificadas e adjudicações directas que privilegiam uns poucos e discriminam os outros tantos. O Governo de João Lourenço falhou porque, como sugere o empresário, as empresas privilegiadas do sistema deixam muito dinheiro fora de Angola porque temem serem confiscadas na Angola pós-João Lourenço tal como João Lourenço fez na Angola pós-José Eduardo dos Santos. Em suma, o Governo de João Lourenço falhou porque não teve “estratégia económica”. 

Apesar das razoáveis diferenças semânticas, em termos de substância, a contradição e a mentira muitas vezes são indiscrimináveis na política. Assim como se confundem, em quase todos os casos, a irresponsabilidade e a tolice. 

26 Feb. 2025

BAJULADORES DE BORLA

A última capa de 2024 do Valor Económico escolheu João Lourenço como a ‘Personalidade do Ano’ essencialmente por duas razões. A primeira fundou-se na política doméstica. Por cobardia e medo dos dirigentes do MPLA, João Lourenço conseguiu realizar um congresso sem respaldo estatutário, impondo a sua vontade. Mandou expurgar o artigo que lhe retirava a mínima ambição de manter-se na liderança do MPLA, depois de 2026 e cumpriu-se. Foi a sua batalha política do ano e, doa a quem tenha doido, venceu-a. E continuará a soar-lhe a vitória, a menos que o Tribunal Constitucional reclame o respeito que devia merecer e anule o congresso extraordinário do MPLA, por inequívocas violações estatutárias.