BANCA. Na primeira vez que aborda diferentes temas do sector e da economia, desde que chegou a Angola para substituir Emídio Pinheiro, o CEO do BFA garante que o nível baixo de malparado dá ao banco margens para gerir o ‘dossier’ apenas internamente. Aponta o resgate dos correspondentes bancários e a redução do malparado como desafios imediatos do sistema bancário nacional.
O Banco de Fomento Angola (BFA) descarta a possibilidade de vir a transferir para a Recredit a resolução do crédito malparado por considerar estar em níveis possíveis, em 6%, de serem controlados usando apenas os recursos internos. A garantia é do novo CEO, Jorge Albuquerque Ferreira, que, no entanto, reconhece a importância do Recredit: “É importante que haja um instrumento que retire o crédito malparado do balanço dos bancos, mas não precisamos da Recredit. Temos um volume muito baixo. E por isso não há interesse em fazê-lo.”
O BFA estima em cerca de 15% o nível do crédito malparado “recuperável”, em toda a banca nacional, utilizando instrumentos internos. Acima desta taxa, defende, “as instituições devem recorrer a soluções, como a da Recredit, para se manterem focadas nos outros negócios”. “Quando um banco tem uma carteira de crédito malparado muito grande, a partir dessa altura, já só está a tratar disso. Já não está a tratar do negócio ‘core’. A questão da Recredit é importante para o desenvolvimento de Angola. É importante que o malparado dos bancos ou uma parte do malparado dos bancos seja retirado dos seus balanços. Enquanto não for retirado, a situação será dificil”, adverte Jorge Ferreira.
Constituída pelo Estado com uma capitalização, equivalente em dólares a dois mil milhões, a Recredit foi pensada incialmente para sanear a carteira do malparado nos bancos públicos. Depois alargou a estratégia para mais bancos. Desde que iniciou as operações, já negociou 320 mil milhões de kwanzas do BPC e de um banco privado.
Maior carteira de crédito
O BFA, garante Jorge Ferreira, teve de aplicar uma “estratégia de rigor na selecção e aprovação dos projectos” para fechar o ano com o malparado em apenas 6%. O gestor está convencido de que, se houvesse outras contas, o banco estaria na liderança: “Se tirarmos o malparado, o nosso crédito vivo fica muito acima da nossa quota de mercado natural. O problema é que, quando se fala dos bancos que têm muito crédito ou pouco crédito, aqui em Angola ou noutras partes, junta-se ao malparado. Tem de se tirar o malparado. Essa conta é muito importante, porque sempre que se faz crédito e esse crédito fica em malparado é um crédito que destrói a economia, destrói postos de trabalho.”
Imobiliário, o maior risco
Jorge Ferreira alinha com grande parte dos banqueiros quando aponta o imobiliário como a área de “maior risco” para banca em tempos de crise, alertando que os bancos devem ter “um cuidado muito grande”. “Em qualquer país, quando há uma crise, a primeira coisa que fica completamente parada e de rastos é o imobiliário”, lembra, acrescentando tratar-se de uma realidade que se está a testemunhar hoje em Angola. “Um dos temas mais difíceis que está em Luanda e em toda a periferia é sobre o imobiliário, o que há meio feito e o que há por fazer. Todo esse empreendimento [imobiliário] que está por aí é dinheiro dos bancos”, sublinha. Apesar disso, assegura que o contributo que o imobiliário tem no malparado do BFA “é quase insignificante”.
Agricultura, pescas, mineração, comércio e distribuição alimentar são, para o líder dos executivos do BFA, os negócios mais “apetecíveis”. “Há coisas muito interessantes nestes sectores”, sobretudo porque Angola tem “um mercado interessante, com cerca de 30 milhões de pessoas e uma população muito jovem”. “A primeira regra para as vendas e desenvolvimento é haver mercado. Angola tem um grande mercado. Tem condições óptimas para a agricultura, para as pescas, para explorar. O próprio Executivo tem vindo a dar passos positivos nesse sentido”.
Liquidez tranquiliza
A taxa baixa de malparado permite uma maior liquidez ao banco e é com essa variável que o banco justifica a sua posição de líderança nos vários ‘rankings’, como no mercado de valores mobiliários. O banco liderou, por exemplo, de Janeiro a Dezembro do ano passado, as transacções da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). Neste período, o banco movimentou 397,1 mil milhões de kwanzas, de acordo com o relatório e contas da bolsa referente ao ano passado.
“Como temos pouco crédito malparado, temos mais liquidez no balanço. E a nós perguntam-nos como é que movimentamos tanto dinheiro na BODIVA. A diferença está aí”, explica. A liquidez em alta também coloca a instituição na liderança no acesso às divisas nos leilões do BNA, visto que cada banco só pode arrecadar valores que correspondam até 15% dos seus fundos próprios. “Como é o que tem mais fundos próprios, a probabilidade de termos mais [divisas] é maior. Depende da dimensão dos bancos. A regra é essa. Nenhum banco pode ter, em cada leilão, mais do que 15% dos fundos próprios ou 25% do leilão”, justifica.
A saúde financeira do banco permite ao CEO afastar a possibilidade de encerrar agências e reduzir colaboradores. Jorge Ferreira até apresenta o quadro contrário. A abertura, ainda este ano, de novas unidades de negócio e balcões à semelhança do que fez no ano, faz parte dos planos do banco.
Despreocupação
O CEO garante que o BFA não está preocupado com o nível de exposição à dívida interna do Estado, sobretudo depois do rescalonamento da mesma. “O que a dívida pública interna tinha era muita concentração em 2018. Ou seja, tinha uma parte muito significativa que vencia em 2018. Isso criava uma pressão grande sobre a tesouraria das finanças públicas. Mas o MINFIN, no âmbito daquilo que é o Plano de Estabilização macroeconómica, propôs aos credores uma dilatação dos prazos. Em inglês, chama-se um ‘rollover’ da dívida. Mas, no plano, o que foi escrito é ‘alteração do perfil da dívida’”, resume. Na visão do CEO, a dívida foi feita por “muito curto prazo”, pelo que entende que “era importante estender mais”, para “tornar mais suave os pagamentos”. “Com as nossas contas, e por tudo aquilo que estudámos, não vimos nisso um problema. Até porque o mundo vai ensinando várias coisas, assim como a história da vida nos ensina muitas coisas. Nunca ouvi nenhum país que tivesse feito um ‘default’ em dívida interna”, recorda o novo CEO do BFA.
Jorge Ferreira considera a nova Lei do Investimento Privado um “bom exemplo de que estão a ser dados passos para a melhoria do ambiente de negócios”, por entender que o investimento estrangeiro é uma das três fontes de entrada de capitais. “Há três grandes actividades que trazem dinheiro para um país: as exportações de bens ou de serviços, o turismo, que é uma grande fonte de entrada de dinheiro novo, e o investimento estrangeiro. Essas três coisas é que são críticas para vir dinheiro novo, dinheiro fresco.”
Desafios imediatos para a banca
Há quase um ano em Angola, Jorge Ferreira entende que a perda dos correspondentes bancários e a situação do crédito malparado são dos aspectos que mais prejudicam a economia angolana e os bancos. Para ele, os dois casos afiguram-se como os “desafios mais imediatos” da banca angolana.
“Diria que o primeiro desafio é recuperar a banca de correspondência. Esse é o mais importantes de todos, para os bancos e sobretudo para servir a economia, os clientes, as empresas. Uma das principais perspectivas é a banca de correspondência. Isso tira uma pressão grande sobre o mercado cambial e permite que o negócio internacional se faça com apoio dos bancos internacionais, que hoje os bancos angolanos não têm”, defende.
Como segundo desafio, aponta a “resolução de uma parte signtificativa do crédito malparado” porque “funciona para os bancos como uma pessoa que corre, mas que tem uma bola de ferro amarrada ao pé”, exemplifica.
BPI e a redução na exposição em Angola
Jorge Ferreira acredita que o BPI vai reduzir, ainda mais, a exposição no BFA, apesar de não se tratar de uma obrigação, sobretudo pela condição de “banco sistémico europeu” do Caixa Bank, que é o accionista principal do BFA com 85% das participações.
Entende que o BPI só não acatou ainda a recomendação do Banco Central Europeu (BCE) pela importância do BFA para o BPI e foi dando tempo “para ver se Angola consegue ter ou não a equivalência”.
“Como Angola não está reconhecida na equivalência de supervisão bancária europeia, aos bancos sistémicos europeus não lhes é recomendável que estejam expostos a países em que não há equivalência de supervisão bancária. No entanto, esta recomendação do BCE é de Dezembro de 2016. Já tem quase um ano e meio. Não posso falar pelo BPI, nem pelo Caixabank, mas acredito que foram ganhando tempo para ver se Angola consegue ter ou não a equivalência.”
Adeus ao BPI
Jorge Ferreira não entrou no BFA em representação do BPI, mas foi contratado pelo banco angolano, ao BPI, para substituir Emídio Pinheiro. Trabalhou 23 anos no banco português e a entrada no BFA obrigou-o a desvincular-se do BPI. “O BCE impôs um conjunto de regras ao BPI para continuar a ser accionista do BFA. Primeiro é que tinha de perder a maioria do capital. Está cumprido, tinha 52%, passou para os 48%. A segunda regra foi que não podia ter nenhum administrador na comissão executiva e terceira regra é que no conselho de administração só podia ter dois administradores. São estas três regras. E estão cumpridas”, assegura Jorge Ferreira.
O novo CEO garante ter encontrado o banco com uma situação patrimonial “positiva”, sustentada pelos principais indicadores do ano passado. O BFA fechou o balanço com lucros de 416,4 milhões de dólares, de acordo com os dados não auditados de 2017.
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