V E

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Todos o ouvimos. Pouco depois de aterrar em Luanda, acabado de chegar da China, José de Lima Massano prometeu dias melhores a partir de Abril. Detalhou, em termos mais específicos, que os angolanos passariam a sentir os efeitos positivos decorrentes da deslocação de João Lourenço ao país mais importante da Ásia. Por razoabilidade, por ingenuidade ou por pura profissão de fé, certamente houve angolanos que lhe deram o benefício da dúvida. Não faltou quem tivesse visto nas palavras do ministro de Estado para a Coordenação Económica a ‘luz no fundo do túnel’. Mais concretamente no alívio do peso das médias empresas às quais o Estado não consegue pagar um centavo por meses incontáveis e, por arrasto, das micro e das pequenas empresas. Mais particularmente no aligeiramento do mercado cambial que corrói, sem apelo nem agravo, a capacidade de importação de bens essenciais para vários sectores da actividade económica. Mas, acima de tudo, na suavização do sofrimento dos angolanos de parcos rendimentos que todos os dias se confrontam com preços novos nas prateleiras dos supermercados, nas praças a céu aberto e nos armazéns de venda a grosso. O certo é que o Abril acabou esta terça-feira, 30, e não há quem tivesse visto concretizadas as promessas do ministro que saiu às três pancadas do Banco Nacional de Angola para coordenar a economia. José de Lima Massano até poderá ter-se referido a números e a dados que ainda não são de conhecimento público. Nada disso importa, entretanto, se vista a questão na perspectiva de como o ministro colocou a promessa e, sobretudo, na forma como foi percebida pelos angolanos.

 

Na segunda semana deste mês, uma interpelação a Filipe Nyusi, numa reunião partidária, agitou o espaço mediático e político, em Moçambique com repercussões em Angola. Óscar Monteiro, um proeminente militante e dirigente da FRELIMO, declarou com firmeza que havia um “elefante na sala”. A expressão, como se sabe, traduz uma situação incómoda que todos conhecem e reconhecem mas que ninguém ousa enfrentar. 

Por anos a fio, este espaço foi incansável nos alertas a João Lourenço para os riscos da diplomacia truculenta na abordagem do sensível dossier chinês. E os avisos sempre foram fundamentados conforme a crueldade dos factos. A China era e é o nosso principal problema externo. Por arrasto, no quesito Finanças Públicas, passou a ser também o grande problema interno. Sem abdicar do dever de defesa da soberania do país, João Lourenço tinha, por isso, a obrigação de controlar o verbo sempre que levantasse o tema chinês em praça pública. Por sua conta e risco, o Presidente decidiu ignorar por completo as críticas. Optou antes por alinhar-se a algum lunatismo que insiste em tentar convencê-lo de que, no limite, Angola pode escolher simplesmente fazer-se de caloteira. No que dizem e escrevem publicamente, os ‘influencers’ do
 
Presidente não lhe oferecem, entretanto, uma única linha sobre o que seriam as consequências económicas, sociais, políticas e reputacionais para Angola, caso se decidisse por uma escolha tão radical.

Apesar do aparente controlo absoluto que mantém sobre o partido-Estado, João Lourenço já se encontra no percurso da mais apertada curva na gestão do poder. As certezas anteriores sobre o futuro imediato do partido e sobre o seu próprio futuro dão lugar agora a um mar de dúvidas e angústia. Nos corredores palacianos da Cidade Alta e do ‘Kremlin’, admite-se o desenho de vários cenários, mas o controlo do processo de uma cada vez mais inevitável sucessão deixou de ser um dado adquirido. Ao que se comenta, todos os cenários passaram a estar em cima da mesa.

03 Apr. 2024

O turismo do milagre

A sabedoria popular proverbializou num período sem memória que, se os conselhos fossem bons, ninguém os daria de graça. Transformada quase em dogma, essa máxima popular não raras vezes revela-se entretanto falaciosa, de tão categoricamente desmentida pela experiência humana. É que, ao contrário do que fixa o adágio, há conselhos que salvam vidas, que oxigenam governos, que valem mais do qualquer minério ou metal precioso. João Lourenço sabe disso de certeza.