V E

V E

Na segunda semana deste mês, uma interpelação a Filipe Nyusi, numa reunião partidária, agitou o espaço mediático e político, em Moçambique com repercussões em Angola. Óscar Monteiro, um proeminente militante e dirigente da FRELIMO, declarou com firmeza que havia um “elefante na sala”. A expressão, como se sabe, traduz uma situação incómoda que todos conhecem e reconhecem mas que ninguém ousa enfrentar. 

Por anos a fio, este espaço foi incansável nos alertas a João Lourenço para os riscos da diplomacia truculenta na abordagem do sensível dossier chinês. E os avisos sempre foram fundamentados conforme a crueldade dos factos. A China era e é o nosso principal problema externo. Por arrasto, no quesito Finanças Públicas, passou a ser também o grande problema interno. Sem abdicar do dever de defesa da soberania do país, João Lourenço tinha, por isso, a obrigação de controlar o verbo sempre que levantasse o tema chinês em praça pública. Por sua conta e risco, o Presidente decidiu ignorar por completo as críticas. Optou antes por alinhar-se a algum lunatismo que insiste em tentar convencê-lo de que, no limite, Angola pode escolher simplesmente fazer-se de caloteira. No que dizem e escrevem publicamente, os ‘influencers’ do
 
Presidente não lhe oferecem, entretanto, uma única linha sobre o que seriam as consequências económicas, sociais, políticas e reputacionais para Angola, caso se decidisse por uma escolha tão radical.

Apesar do aparente controlo absoluto que mantém sobre o partido-Estado, João Lourenço já se encontra no percurso da mais apertada curva na gestão do poder. As certezas anteriores sobre o futuro imediato do partido e sobre o seu próprio futuro dão lugar agora a um mar de dúvidas e angústia. Nos corredores palacianos da Cidade Alta e do ‘Kremlin’, admite-se o desenho de vários cenários, mas o controlo do processo de uma cada vez mais inevitável sucessão deixou de ser um dado adquirido. Ao que se comenta, todos os cenários passaram a estar em cima da mesa.

03 Apr. 2024

O turismo do milagre

A sabedoria popular proverbializou num período sem memória que, se os conselhos fossem bons, ninguém os daria de graça. Transformada quase em dogma, essa máxima popular não raras vezes revela-se entretanto falaciosa, de tão categoricamente desmentida pela experiência humana. É que, ao contrário do que fixa o adágio, há conselhos que salvam vidas, que oxigenam governos, que valem mais do qualquer minério ou metal precioso. João Lourenço sabe disso de certeza.

 

Não é apenas pela brutalidade da repressão policial ou pelo asfixiante controlo político. Não é somente pela sólida subjugação das instituições-chave do Estado com vocação republicana. O agravamento da indecência do regime do MPLA também se mede pela inconsciência dos limites do descaramento. Claro que é tudo, particularmente, resultado da longevidade no poder.