V E

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Não se trata de julgar o mérito de qualquer causa. Qualquer um que não tenha conhecimento de fundo sobre a verdade dos factos de um processo-crime está sujeito a meros exercícios de especulação. A palavra da Procuradoria Geral da República representa e representará sempre uma versão dos factos. A outra, a palavra de quem é acusado, deveria ter importância equivalente. Dizemos deveria porque, em Angola, efectivamente não tem. Quando o Ministério Público anuncia a abertura de um processo-crime, até à acusação formal, os arguidos acabam praticamente condenados na praça pública. Os processos levam uma eternidade até aos tribunais e, durante essa demora, o público consome apenas a versão do Ministério Público que, com a ajuda de uma imprensa domada, se consolida como verdade incontestável. É, em parte, por essa razão que a força do Ministério Público, em Angola, se confunde com o poder dos tribunais. Não raras vezes até se fica com a impressão de que os tribunais se sujeitam ao Ministério Público. Em parte, é também próprio da natureza de um regime em que a separação de poderes não passa de uma ofensa à inteligência colectiva.

Afirmemo-lo de imediato. Se 2023 foi globalmente um ano muito mau, não há uma única razão fundamentada que leve a crer que 2024 venha a ser menos ruim. Da economia, à política, passando pelas crises na área social, tudo se projecta para que este ano, se não for pior, venha a ser pelo menos uma repetição do ano passado. 

20 Dec. 2023

2023, O FACTO

Pelo oitavo ano consecutivo, o Valor Económico escolhe a Personalidade do Ano, que faz capa da sua última edição de Dezembro. Pela sua regularidade e consistência, é a iniciativa do género mais experimentada na imprensa angolana.

A ex-chanceler alemã, Angela Merkel, costuma ser citada de forma parafraseada de que quem chega ao poder não deve reclamar do que encontra. Pelo argumento que a suporta, é uma afirmação ética, avisada e responsável. Para qualquer mortal abaixo da média, é razoável partir do princípio de que quem concorre para governar uma autarquia, uma província ou um país tem ideias para oferecer uma proposta alternativa. Para isso o conhecimento dos desafios e da realidade que se quer governar é assumido como uma inevitabilidade. Pela simples razão de que ninguém pode resolver um problema que desconhece. Tão importante quanto o domínio da realidade, é a apresentação de estratégias e planos concretos para se resolverem os problemas.

O agrónomo Fernando Pacheco não poderia ser mais assertivo, no recuso à ironia. Aos ‘novos’ proclamadores da diversificação económica chama-lhes poetas. Nós já o afirmámos aqui vezes sem conta, mas por outras palavras. As questões de fundo que ambos levantámos e até as aparentemente mais paralelas são as mesmas. Pacheco recua até 1975 para lembrar aos poetas que “nunca houve vontade de colocar a agricultura a desempenhar o seu verdadeiro papel”. Dos líricos até se podem esperar respostas com aparente sentido. Há quem eventualmente se precipite a identificar exageros, ao relativizar-se o tempo da guerra nas contas da agricultura. Há quem vá lembrar-se imediatamente de dizer que os 48 anos da Independência não podem ser contabilizados, quando se trata de sumarizar o atraso da agricultura no tempo. Mas este argumento só tem razão aparente.