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César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

INDÚSTRIA. Contam-se 12 empresas de transformação de vidro de obra que dependem essencialmente da importação. Vidrul é a única produtora de vidro de embalagem.

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A inexistência de uma fábrica de produção de chapa de vidro para atender a dezenas de transformadoras, a presença do negócio em apenas três províncias e o monopólio na produção do vidro de embalagem são algumas notas rápidas do sector vidreiro do país. Outra tem que ver com a redução em cerca de 89,7% da transformação do vidro nos primeiros sete meses do ano em curso.

Desde 2010 que se assistia a uma tendência de crescimento da produção de vidro de obra, impulsionada pelo dinamismo do sector da construção. Surgiram 11 novas empresas, com a concorrência a iniciar precisamente naquele ano, com o surgimento da Fábrica de Vidro do Kikolo que passou a apresentar-se como “a primeira e única fábrica de vidros temperados” do país.

Até então, a Sovidro detinha o monopólio do negócio, tendo sido superada em termos de tecnologia. Actualmente, as 12 empresas existentes estao distribuídas por Luanda, Huíla e Benguela. No global, o país tem uma capacidade de produção/transformação de perto de 300 mil metros quadrados/ano.

A actividade destas empresas sujeita-se à importação da chapa de vidro em mercados europeus, asiáticos, americanos e africanos (África do Sul e Egipto) e a sua transformação para o sector da construção e mobiliário. Com recurso ao forno e outros equipamentos com destaque para os de corte e molde, produzem desde o vidro mais simples aos temperados. Produtos decorativos como espelhos, vasos, aparadores, mesas, entre outros, também fazem parte da oferta dessas empresas.

Não há, entretanto, uma aposta no vidro para automóveis. “Com o forno que temos, podemos fazer os vidros planos para viaturas mas, talvez, futuramente, poderemos investir num forno que permita fazer vidros curvos e passarmos a fazer vidros propriamente para viaturas”, respondeu Carlos Dionísio da empresa Pureglass.

O QUE FALTA NA CADEIA 

Para que toda a cadeia do segmento da produção e transformação do vidro de obra esteja presente no país ,falta um investimento na produção de chapa de vidro. A existência desta indústria diminuiria significativamente os desafios dos gestores face à carência de divisas.

Entretanto, os diversos intervenientes apresentam-se receosos em relação à viabilidade económica de um investimento do género. “É muito elevado, no mínimo, 100 milhões de euros e seria necessário muito tempo para a recuperação do investimento. Só para ter uma ideia, em todo o continente africano, apenas existem duas fábricas deste tipo”, argumentou José Agante, da empresa Angovidro.

Por sua vez, Carlos Dionísio estima entre 10 e 15 anos o tempo necessário para que a implementação de uma fábrica de chapa de vidro em Angola seja um investimento viável, mas apenas se a actual conjuntura económica do país for ultrapassada. “Estamos a falar de uma fábrica que não produz todo o tipo de vidro. Além disso, Angola não tem capacidade para absorver toda a produção, porque estas fábricas trabalham 24 horas ao dia, são milhares de metros quadrados”, explica Dionísio.

Carlos Martins, director da Vidrul, também afasta a possibilidade de investir no segmento. “Estamos a falar de tecnologias completamente diferentes. A produção de vidro de embalagem e a produção de chapa de vidro estão completamente separadas. É a mesma coisa com os copos: também estamos a falar de vidro, o forno é igual, mas as matérias-primas são completamente diferentes”, explica o gestor, referindo que se trata de um segmento a precisar de investidores.

PRODUÇÃO DIMINUIU 90%

Dados do Ministério da Indústria mostram que a transformação de vidro no país registou uma redução de cerca de 89,7% para 23,450 metros quadrados nos primeiros sete meses do ano em curso face aos 229 mil metros quadrados do período homólogo. Como consequência, o sector assiste à menor produção dos últimos quatro anos. A mais alta registou-se em 2015, ao atingir cerca de 992 mil, resultando num crescimento de 410% face à produção de 194,3 mil metros quadrados de 2014. Nesta altura, entretanto, a produção concentrava-se essencialmente na capital. Apenas nos últimos dois meses de 2015, Luanda passou a contar com a companhia da Huila. Em 2016, Benguela engrossou o grupo.

MAIS PROTECÇÃO PRECISA-SE

Os diversos operadores ouvidos pelo VALOR defendem que o sector já precisa de ser protegido, face à importação do vidro transformado. “Ainda há, em Angola, uma cultura de importar o vidro. Tem muito que ver também com os impostos que o Estado cobra às empresas que importam, ainda não são os que deveriam ser cobrados”, defendeu Carlos Dionísio.

Ivan Prado, secretário de Estado da Indústria (falou ainda na condiçao de director do Gabinete de Estudo e Planeamento do ministério da Indústria), defende o contrário. “Seria um erro, não existem condições face às necessidade do mercado. Eles [os operadores] têm de ser mais competitivos, porque muitos não são. Basta olhar para as quantidades que são importadas”, argumentou.

VIDRUL PREPARADA PARA A CONCORRÊNCIA 

A Vidrul tem o monopólio da produção de vidro de embalagem no país. Um cenário prestes a alterar com a entrada de um novo ‘player’. Recentemente aprovado, o novo projecto está avaliado em cerca de 120 milhões de dólares, terá uma capacidade de 180 toneladas/dia e é uma parceria entre a Sodiba (produtora da cerveja sagres em Angola) e a Industrial Africa Development (IAD) com 51% e 49% respectivamente.

Carlos Martins, director da Vidrul, garante não estar preocupado com a concorrência, mas acredita que o novo operador terá impacto nas empresas estrangeiras que vendem para Angola. “Existe mercado para as duas fábricas, não conseguimos atender a toda a necessidade do mercado. Há muitas pequenas e grandes empresas para quem não conseguimos vender. São os casos da Refriango e da Sodiba. Há também muita gente a encher bebidas espirituosas”, analisa.

Com uma produção diária de 180 toneladas, a empresa espera, com a entrada do segundo forno no princípio no próximo ano, atingir as 280 toneladas. “O novo projecto terá uma capacidade de 180 mil toneladas por dia e estaremos a cobrir, praticamente, a necessidade do mercado que andará entre 260 e 300 toneladas por dia”, calcula o gestor, que antevê um aumentar da procura interna para as 500 toneladas por dia, por conta dos projectos da agricultura. Martins manifesta-se também despreocupado em relação aos altos custos de produção em Angola, face à concorrência estrangeira e aponta como razão a protecção que beneficiam da pauta aduaneira, bem como os custos de transporte e outros inerentes à importação que, combinados, deixam o preço final muito próximos.

Em 2016, a facturação da Vidrul crecseu 20% para cerca de 6,5 mil milhões de kwanzas, impulsionada pelos reajustes nos preços devido à desvalorização do kwanza e ao aumento da energia. Já a margem de lucro está calculada entre os 10 e 15%.

Em relação às exportações, Martins adianta que a consolidação dos mercados do Gabão, RDC e República do Congo faz parte da estratégia da Vidrul, devido à proximidade geográfica. A empresa vende, actualmente, para 15 mercados (todos do continente), com a República do Congo a destcar-se como o maior comprador nos últimos anos, depois de ultrapassar a Costa do Marfim, o Mali e o Benin. “Vamos procurar consolidar os congos e o Gabão. É fundamental porque estão mais próximos. Em relação aos outros mercados, não há razões para perder qualquer um deles, mas haverá sempre muita variação”.

A rapidez na entrega e o serviço de qualidade são as vantagens que a Vidrul identifica, face à concorrência nos mercados africanos, uma vez que, em termos de custo, a produção nacional continua a “ser muito mais cara”. A tonelada de vidro à porta da fábrica em Angola custa cerca de mil dólares, face aos 400 em Portugal, por exemplo. “Ganhamos, porque conseguimos entregar mais rapidamente. Neste momento, se comprarem à Europa, pedem, no mínimo, seis meses de espera. Nós conseguimos entregar em dois dias”, explica Martins que não descarta a possibilidade de, pontualmente, exportar para novos mercados. “Neste momento, temos uma reserva de entre 5% e 6% da capacidade instalada para responder a uma eventual solicitação.”

No ano passado, a empresa exportou cerca de 15% da sua produção, números que não devem alterar este ano, “salvo se surgir alguma solicitação fora do planeado”. Entre os modelos exportados, não constam os da Coca-Cola e Fanta em virtude de a primeira adquirir toda a produção.

Com 90 milhões das 220 garrafas/ano, os modelos da marca cuca são os mais produzidos pela empresa.

INVESTIGAÇÃO. Autoridades norte-americanas estão a investigar, sobretudo, fluxos de caixas suspeitos, enviados pelos Gupta directamente da África do Sul para o Dubai e os EUA.

FBI investiga familia Gupta e Presidente Zuma

A poderosa família de origem indiana, que domina os negócios na África do Sul, está a ser investigada pelo FBI, segundo noticiou, na semana passada, o ‘Financial Times’ com repercussão em diversos sites internacionais.

Segundo as noticias, além das escandalosas acusações de que o Presidente Jacob Zuma esteja a favorecer as actividades empresariais dos dois irmãos, o FBI está a investigar, sobretudo, fluxos de caixas suspeitos, enviados pelos Gupta directamente da África do Sul para Dubai e para os Estados Unidos.

As investigações do FBI, segundo consta, concentrar-se-ão em membros da família que residem nos Estados Unidos, no caso os sobrinhos Ashish e Amol Gupta que possuem uma empresa que recebeu dinheiro de uma empresa com sede em Dubai, ligada aos tios Atul e Ajay Gupta.

Acredita-se, no entanto, que o FBI está também a considerar as informações reveladas nos chamados vazamentos de Gupta, no início deste ano, que incluíram centenas de documentos e ‘e-mails’ detalhando o envolvimento da família em práticas de corrupção, envolvendo entidades estatais e altos funcionários do governo e políticos, incluindo o presidente Jacob Zuma e sua família. Na altura, Atul Gupta garantiu, entretanto, que os ‘e-mails’ “não são autênticos”. Por sua vez, a The Hawks, unidade sul-africana especializada no combate à corrupção, adiantou que estava a trabalhar para averiguar a veracidade dos documentos.

“Estamos, realmente, a fazer um esforço para mostrar que, no final, as pessoas podem ser levadas a juízo. Se formos ao tribunal, apenas por mera alegação, ficaremos envergonhados porque os casos serão descartados”, explicou, na altura, Yolisa Matakata, responsável máxima da instituição.

As notícias que dão conta da investigação da família Gupta pelo FBI, entretanto, motivaram reacções internacionais. Consta, por exemplo, que a Autoridade de Conduta Financeira da Grã-Bretanha (FCA, na sigla inglesa), procurou os bancos HSBC e Standard Chartered para averiguar se tais afirmações são de facto verídicas. Também Peter Hain, do Partido Trabalhista, terá enviado uma carta oficial, da Câmara dos Comuns do Reino Unido, ao ministro das Relações Exteriores britânico, Philip Hammond. Hain solicita que Hammond garanta às autoridades responsáveis pela aplicação da lei e às agências reguladoras do país que investiguem as acusações até ao fim.

Na própria África do Sul, o deputado Floyd Shivambu questionou o presidente do Senado, Cyril Ramaphosa, sobre a razão pela qual as empresas vinculadas aos Gupta não estavam a ser investigadas por suposto envolvimento em corrupção. “Porque é que o Governo não fez nada sobre os 500 milhões pagos à Trillion Capital? Porque não há uma auditoria? Vocês têm medo dos Gupta?”, inquiriu Shivambu.

A família migrou do estado indiano de Uttar Pradesh para a África do Sul em 1993, pouco antes das primeiras eleições democráticas do país. Possui investimentos nos sectores de equipamentos de informática, média e mineração.

INDÚSTRIA. Fábricas de óleo e sabão estão paralisadas há cerca de um ano, devido a dificuldades de importação de matéria-prima por falta de divisas.

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O Grupo Bartolomeu Dias (GBD) viu-se forçado a recorrer a um financiamento externo para ‘salvar’ as fábricas de óleo e sabonete da Nori (Nova Rede Industrial) que se encontram paralisadas há cerca de um ano, por falta de matéria-prima como consequência da falta de divisas.

A informação foi avançada ao VE pelo presidente do grupo, Bartolomeu Dias, o mesmo que acrescentou que o grupo fez recurso à ‘solução estrangeira’ porque não estava interessado em “continuar a viver na condição de pedinte”.

Segundo o empresário, a última importação do grupo foi em 2014, apesar de várias tentativas posteriores no sentido de conseguir divisas. “Não conseguimos por várias razões pelas quais muita gente reclama e vocês [jornalistas] conhecem ”, declarou o presidente do GBD, acrescentando que não pretendeu ir pela via que todo o mundo seguiu. “Uns conseguiram e outros não. Para nós, seria uma perda de tempo, porque, neste momento, não se tem muito controlo das medidas tomadas para a salvaguarda dos vários sectores”, criticou.

Sem avançar o valor do financiamento, Bartolomeu Dias estimou entre 15 e 20 milhões de dólares a necessidade do grupo. “Como há escassez de divisas e não podemos pensar só em nós, seria o suficiente para termos todas as fábricas a funcionar, não ao máximo das capacidades, mas para trabalhar a 60% e 70%”, calculou.

Em relação à instituição que concedeu o empréstimo, o empresário revelou apenas que se trata de uma entidade do Dubai. “Um mercado onde nos movimentamos bem, estamos estruturados e conseguimos buscar de créditos”, caracterizou.

Como resultado do recurso ao financiamento externo, a exportação passa a fazer parte da estratégia do grupo, devido à necessidade de adquirir divisas para honrar com o compromisso financeiro. “Temos uma estratégia interna que nos vai permitir [honrar o compromisso]. Assim como nos alimentamos com os produtos vindos da China, as nossas fábricas também podem alimentar os mercados regionais. Vamos apostar na exportação para manter as unidades fabris a funcionar”, explicou.

No período de paralisação, segundo o empresário, o grupo aproveitou fazer um ‘upgrade’ das unidades da Nori.

“Vamos retomar com maior nível de produção, estamos a instalar novas linhas de enchimento, com maior capacidade e velocidade. Vamos imprimir outra dinâmica, vamos enquadrar a fábrica no actual contexto. Com a linha do sabonete aconteceu a mesma coisa, a capacidade de refinaria mantém-se entre 150 e 200 toneladas por dia, a capacidade de enchimento passará para a ordem de 25 mil caixas/dia, que é uma média aceitável”, adiantou estimando o reinício das unidades para dentro de duas semanas.

“Neste momento, temos produtos no porto, mais de 100 contentores, vamos desalfandegar dentro de dias para retomarmos a produção destas fábricas e arrancarmos a produção de novas, temos novas unidades montadas [de sacos de ráfia, luvas e loiça sanitária] que só não arrancaram por falta de divisas.”

Bartolomeu Dias garantiu que, durante a paralisação, a empresa manteve os trabalhadores devido ao risco de vir a ter dificuldades de encontrar pessoas com as mesmas valências. “Não tínhamos hipóteses de desempregar, porque temos pessoas que levámos muito tempo a formar. Tivemos de assumir o prejuízo de mantê-las na empresa, mesmo sem trabalhar, faziam a manutenção nas nossas unidades. Se elas conseguissem outros empregos ou desaparecessem de Luanda teríamos de nos submeter a um outro processo de recrutamento”, argumentou.

Localizadas no Morro Bento, as fábricas foram inauguradas em 2007 e produzem as marcas de óleo ‘Senhorita’ e o sabonete ‘Ana’. O grupo conta com cerca de duas dezenas de empresas, em que se destacam a Diexim Expresso (aviação), Angoinform (informática), Divisão de Segurança, Internacional Travel (agência de viagem e de rent-a-car), a Diexim Rodoviária (camionagem), Sul do Kwanza (Imobiliária) e a Cleaning (empresa de limpeza).

“É UM CRIME CONTEMPLAR APENAS A IMPORTAÇÃO”

O empresário classificou como “crime” deixar as unidades fabris paradas e permitir que as pessoas que importam óleo aumentem a sua capacidade de importação. “É um cenário perante o qual não aceito calar-me”, avisa.

Em relação aos objectivos ‘estruturantes’, Dias declara que quer “empresas geracionais”. “Não estamos aqui para hoje sermos empresários e amanhã deixarmos movidos pelo lucro fácil. Fui um dos maiores importadores do sector alimentar do país, nos anos 1992 e 93, deixei porque achei que não me dava um estatuto de verdadeiro empresário”, justificou-se.

O empresário disse ainda preferir esperar para ver concretizada a promessa de se “encontrarem os melhores mecanismos para que as escassas divisas disponíveis deixem de beneficiar apenas a um grupo reduzido de empresas e passem a beneficiar os grandes importadores de bens de consumo e de matérias-primas e de equipamentos que garantam o fomento da produção nacional”, lançada pelo presidente João Lourenço, durante o discurso sobre o estado da Nação. “É expectativa, porque, entre o falar e o fazer, ainda existem uns bons números”, salientou o empresário.

SEGURANÇA ALIMENTAR. Mundo assinalou o Dia da Segurança Alimentar no último sábado, 14. VALOR mergulha neste ‘complexo’ universo e mostra até que ponto os consumidores angolanos devem confiar no que consomem.

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O conhecimento generalizado sobre a importância dos alimentos para a saúde humana tem sido insuficiente para que todos os intervenientes da cadeia entre a produção e o consumo optem única e simplesmente pelas práticas recomendáveis e aceitáveis.

Foco nos lucros e ignorância são algumas das razões concorrentes para que muitos dos alimentos se tornem em verdadeiras armas mortíferas para os consumidores.

Dados da Organização Mundial da Saúde estimam que 600 milhões - quase uma em cada 10 pessoas no mundo - ficam doentes depois de comerem alimentos contaminados e 420.000 morrem todos os anos, resultando em perda de 33 milhões de anos de vida saudáveis.

Indicam ainda que crianças menores de cinco anos de idade carregam 40% da carga de doenças transmitidas por alimentos, com 125 mil óbitos por ano e também que as doenças diarreicas são as mais comuns como resultado do consumo de alimentos contaminados, fazendo com que 550 milhões de pessoas adoeçam e 230 mil morram anualmente.

Contágio por dioxina, em carne bovina; vacas loucas, com origem em carnes de aves e contaminação por nitofurano em milho, verdura e soja são alguns dos exemplos.

Por seu turno a forte dependência da importação e o carácter urgente que se atribui à necessidade de diversificação da economia deixam o país em condições perfeitas para a entrada tanto de alimentos como de matérias-primas contaminadas.

Um cenário que motiva interrogar sobre a qualidade do que se come no país e da actividade das instituições que têm como missão garantir a segurança alimentar no país. Para já, os estudos internacionais mostram que há muito trabalho por ser feito.

O país é 13.º pior em termos de segurança alimentar, segundo o índice global de segurança alimentar 2017, produzido pelo Economist Intelligence Unit (EIU) e divulgado recentemente. Ocupa a 101.ª posição no grupo de 113 com 33,2 pontos dos 100 possíveis, resultado de uma redução de cerca de 3,2%, comparativamente a 2016.

Vários são os factores que concorrem para esta posição de Angola, segundo as diversas opiniões de intervenientes da cadeia que concorre para a segurança alimentar. A empresária Elizabete Dias dos Santos, por exemplo, defende a necessidade de uniformização dos mecanismos utilizados na produção nacional, enquanto o biólogo Alcides Castro fala da necessidade de melhoria no armazenamento e manuseamento dos produtos.

Por sua vez, Maria Paula Parmigiani, directora técnica da Bromangol, apresenta como razão a falta de divulgação do trabalho que tem sido feito nos últimos anos no país.

“A leitura técnica desta situação remete ao facto da não divulgação e tratamento dos resultados emitidos pela Bromangol em relação a todo o trabalho já efectuado cá em Angola. São gerados aproximadamente 21 mil resultados analíticos/mês, encaminhados às autoridades competentes. Ao longo destes quase cinco anos de trabalho, foram recolhidas aproximadamente 300 mil amostras de produtos alimentares em vários pontos fronteiriços (Porto de Luanda, Aeroporto de Luanda, Porto do Lobito, Santa Clara e Katuitui – fronteira com a Namíbia”, precisou.

Por outro lado, o Índice Global de Segurança Alimentar mostra que os Estados Unidos da América são mais bem posicionados de entre os que mais exportam alimentos para o país. Os EUA ocupam o segundo lugar do ‘ranking’ a nível mundial, depois da Irlanda, enquanto Portugal, que é quem mais vende para Angola, encerra o top 20 do índice. No entanto, Portugal ocupa o primeiro lugar no que diz respeito aos itens da qualidade e segurança alimentar (um dos três de avaliação do índice).

SEGURANÇA ALIMENTAR. Operadores responsáveis pelo controlo da qualidade dos produtos alimentares asseguram que o país está mais protegido. Apontam, no entanto, pontos fracos a corrigir, com destaque para as condições de acondicionamento e de manuseio.

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Colocada na 101.ª posição no Índice Geral de Segurança Alimentar deste ano, Angola intensificou o debate sobre a protecção da saúde pública, por via do controlo de qualidade dos produtos alimentares, sobretudo nos últimos seis anos, com a entrada em vigor de um Decreto Presidencial que tornava obrigatória as análises laboratoriais dos alimentos importados à entrada. Amparado pelos elevados níveis de importação no país e pelas melhores práticas internacionais, o Decreto 275/11, de 28 de Outubro, determinava a obrigatoriedade de análises laboratoriais à entrada, tornando ao mesmo tempo facultativas as análises pré-embarques, ou seja, as realizadas no país de importação.

Na altura e nos anos subsequentes, a alteração desencadeou reacções diversas, com os importadores, sobretudo, a sinalizarem a possibilidade de consequências imediatas nos preços sobre o consumidor final, considerando os custos das análises estabelecidos pelo Governo e cobrados pela Bromangol, o laboratório contratado, na altura, pelo Serviço Nacional das Alfândegas, através de um concurso aberto a empresas nacionais e estrangeiras.

Mas vários observadores consultados agora pelo VALOR analisam que, mais do que os receios sobre a alteração de preços, a resistência de vários operadores se explicava, sobretudo, na perspectiva de redução das margens do negócio de importação. Para observadores, as análises laboratoriais perspectivavam a proibição da entrada de toneladas de produtores alimentares eventualmente contaminados que, em circunstâncias diferentes, poderiam ser comercializadas no país, colocando gravemente em risco a saúde pública.

A leitura converge com os factos mencionados pelo laboratório responsável pelas análises laboratoriais dos produtos importados. Em respostas enviadas ao VALOR, a empresa assinala uma “tendência de diminuição” das amostras contaminadas, tanto por contaminantes, como por contaminantes químicos. “Isso reflecte a preocupação do país e dos importadores em trazerem produtos mais frescos, com prazo de validade maior, origem conhecida, melhores condições de transporte entre outros factores que possam afectar a Segurança Alimentar”, analisa a empresa.

Considerado o laboratório mais avançado e com a acreditação internacional mais elevada no país, a Bromangol assinala também, como garantia da melhoria da segurança alimentar em Angola, as alterações no processo de análises laboratoriais aos produtos importados introduzidas pelo Decreto Presidencial 140/16. Ao contrário da norma anterior, o novo regulamento coloca aos importadores a obrigatoriedade de aguardarem pelos resultados das análises, antes de colocarem os produtos no mercado. “É uma questão ultrapassada”, considerava Carla Martins, directora de Processos e Auditoria da entidade, em entrevista ao VALOR em Abril passado.

Pontos fortes e fracos

A indicação da Bromangol sobre a redução de contaminantes nas análises laboratoriais é confirmado pelo laboratório central do Ministério da Agricultura. “Diminui consideravelmente”, declara Ayrlton Fragoso, técnico do departamento de amostras, referindo-se ao número de amostras contaminadas. “No passado, por não haver muito controlo, as pessoas mandavam tudo e mais alguma coisa para Angola. Ainda existem alguns casos, mas reduziu muito”, argumentou.

Por sua vez, Luiz Matos, director do Alimenta Angola, assegura que sempre foram criteriosos na escolha dos fornecedores pelo que não têm históricos de importação e comercialização de alimentos impróprios para o consumo.

“Para evitar quaisquer problemas desse género, seleccionamos somente fornecedores distintos em qualidade, modernidade e com padrão de industrialização controlados por rígidos sistemas de inspecção, o que garante atendimento das legislações internacionais”.

O armazenamento e manuseamento dos produtos é um dos aspectos que deve melhorar, segundo os especialistas.

“Temos uma grande debilidade interna que tem que ver com a questão do acomodar as mercadorias. Temos muitos problemas ligados à questão do armazenamento, sobretudo para os produtos frescos”, adianta o microbiólogo Alcidis Castro (ver entrevista pag. 9).

No entanto, a bióloga Málwa Chaves, afecta ao INADEC assegura que, “comparando ao que acontecia, os prestadores de serviço melhoraram bastante” no que ao armazenamento e manuseamento dos produtos diz respeito.

Sobre esta temática, Luiz Matos assegura que o Alimenta Angola opta pelas melhores práticas, possuindo “instalações adequadas para armazenamento de acordo com padrões internacionais, com áreas específicas para cada tipo de mercadoria, com câmaras individuais de temperatura controlada de 4ºC a 8ºC, outra 12ºC a 16ºC e ainda uma congelada de -18ºC a -22ºC, além do armazém seco para alimentos não perecíveis”. Continuando, admitiu que “o manuseio é, sim, um ponto de controlo, visto que pode alterar as condições dos produtos se houver quebra da cadeia de frio. Para que isso não ocorra, os funcionários são treinados no trato destas mercadorias, cuidando inclusive da temperatura dos expositores”.

Por outro lado, a empresária Elizabete Dias dos Santos que opera no sector avícula e pesca aponta como uma das fraquezas do sistema a não uniformização dos processos de produção.

“Temos debatido muito quer com o Ministério da Agricultura, quer com associação dos produtores nacionais relativamente à necessidade de uma padronização das unidades. Infelizmente, a estrutura que nós usamos para a protecção, quer das espécies animais, como da matéria-prima é diferenciada de outros produtores. Cada um de nós utiliza os seus critérios e sem esta padronização cada um tem a sua realidade e não está em condições de falar das práticas do sector com propriedade. Ainda bem que existem estas situações para que cada um de nós começar a reflectir se não há necessidade desta padronização da nossa actividade.”

Continuando, garantiu que as unidades que dirigem cumprem com os procedimentos exigidos. “Temos laboratórios de análises internos, paralelamente os ministérios que controlam as nossas actividades como é o caso do da Agricultura.

Depois, há uma serie de parceiros estratégicos, temos acordos com laboratórios internacionais que fazem o controlo da nossa actividade. Todos os animais que utilizamos são credenciados, trabalhamos com grupos que têm sempre em atenção a segurança higiene e os cuidados alimentares e temos de estar sempre com os procedimentos que nos são exigidos. Depois, a nível nacional, temos os ministérios de tutelas”.

A fraca cultura do consumidor é outro dos pontos fracos do país, segundo a bióloga Málwa Chaves, sublinhando que os consumidores não têm o hábito de reclamar pelos produtos alimentares e, sequencialmente, o INADEC recebe muito poucas denúncias.