Emídio Fernando

Emídio Fernando

O líder da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola não tem dúvidas de que as relações económicas entre os dois países nunca foram beliscadas. Nem mesmo na altura do ‘caso Manuel Vicente’. João Luís Traça foi o ‘pivot’ do encontro que juntou 600 empresários portugueses para ouvir João Lourenço, durante a visita a Portugal. Olha para a economia nacional com “confiança” que, garante, tem sido transmitida pelo Presidente da República. Elogia o combate à corrupção, mas lembra que é uma tendência global e não um exclusivo de Angola. Confia que vai haver muitos investimentos portugueses em Angola, mas para quem queira apostar a médio prazo.

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Como analisa a visita de João Lourenço a Portugal?

A visita correu muito bem. Não podemos olhar para esta visita como um momento especial. Não foi. Esta visita é um caminho que dois países estão a fazer há muitos anos juntos. Atrevo-me a dizer que nenhuns outros países do mundo têm uma relação como Angola tem com Portugal. Por exemplo, se um angolano está doente, procura ajuda em Portugal. Este é um exemplo um pouco pueril, mas é um sinal das relações entre os dois países.

Nos últimos anos, houve muitos altos e baixos e os discursos repetem-se. Mudou alguma coisa?

Temos de distinguir o contexto político do contexto económico. O contexto económico sempre esteve muito bem e esteve sempre indexado à situação económica de cada um dos países.

Houve pragmatismo económico?

Prefiro chamar-lhe uma inevitabilidade económica. Para os empresários portugueses, investir em Angola, quando Portugal teve uma crise profunda, foi uma opção perfeitamente natural. Não precisamos verdadeiramente de ter o governo português a mandar uma mensagem oficial às empresas portuguesas “invistam em Angola”. Isso não aconteceu e isto é sinal de que há algo tangível na relação entre os dois países.

Mas João Lourenço usou esse discurso, quis seduzir os portugueses para investir. É preciso essa injecção?

Os políticos também precisam de fazer isso. Isso também é o papel dos políticos. Mas as relações económicas estiveram sempre além da política.

Então qual foi a necessidade de João Lourenço pedir para se investir em Angola?

Obviamente que Angola tem noção de que parte da sua estratégia para sair da crise passa por ter capacidade de ter uma boa atracção de investimento estrangeiro. Portugal é um desses países. Portanto, o desafio para as empresas portuguesas não é se vão ou não investir em Angola. O desafio é ocupar posições que são de relevo antes de empresas de outros países, a quem Angola também se está a aproximar, investirem.

É uma competição, portanto...

É uma corrida no contexto em que um bom empresário é aquele que consegue antecipar as oportunidades. Há muitas empresas portuguesas em Angola, o que faz com que Portugal esteja à frente de muitos outros países. As empresas que não acreditarem em Angola - ou as que tiverem muitas dúvidas - vão arrepender-se.

Angola tem hoje essa capacidade de atracção?

Um empresário não pode olhar só para hoje. Se os empresários investirem a pensar a curto prazo normalmente é para perder dinheiro. Angola hoje já tem capacidade de atracção para aqueles investidores que conseguem perceber que o país, com mais ou menos dificuldade, com mais ou menos tempo, tem muitas condições para dar volta à sua economia. Obviamente que a economia nos próximos anos vai estar ligada ao problema do preço do petróleo e há uma consciencialização do Governo de Angola e dos empresários angolanos de que o preço do petróleo não vai voltar aos números que atingiu há uns anos e, por isso, há uma inevitabilidade de que Angola tem de se diversificar.

Em Fevereiro, dizia que a economia angolana era menos atractiva. O que é que mudou?

A economia de Angola, quando estava no auge, era um íman. Neste momento, é para os que acreditam. É essa a diferença. É óbvio que, para a economia portuguesa, Angola perdeu atractividade.

Investir é uma questão de fé?

Por um lado, é uma questão de fé. Por outro, há muitos sinais positivos que o Governo de Angola, tendo noção disso, tem estado a dar. Os vistos estão facilitados. Significa que ir a Angola, conhecer o país, ganhar proximidade, ver as oportunidades é hoje um processo menos moroso. Há vários países em África que é dificílimo lá entrar. Angola facilita. Bem ou mal, Angola assumiu que pagar dívidas em atraso é relevante para a recuperação da confiança. Há aqui um movimento mais assumido que é o Governo dizer “nós contamos convosco”.

“Sem receios”

Receia uma instabilidade política em Angola?

Não me parece. A democracia angolana, apesar de jovem, tem demonstrado uma grande maturidade. Não antevejo uma crise política. Pode haver uma tensão, mas não uma crise. Não acredito que possa haver uma instabilidade que venha afectar a economia e que venha aprofundar a crise.

A actual situação política em Angola transmite confiança aos empresários?

Transmite. Não tenho motivos para não acreditar no futuro. E isso foi o que o Presidente de Angola veio fazer a Portugal. E o que tem feito nos outros países. Tem dado com o seu nome e com a sua presença a confiança de que os empresários precisam.

Os empresários acreditam?

Uns mais, outros menos. Sempre foi assim. Não acho que todos acreditem, mas isso não me choca.

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INVESTIR PARA MÉDIO PRAZO

Existem investidores portugueses dispostos a investir tal como sugere João Lourenço?

Existem, muitas empresas já lá estão. Quando as economias sofrem uma retracção, a primeira coisa que os investidores fazem é sair. Muitos tomaram essa decisão, entre elas, algumas empresas portuguesas. Mas as que ficaram sabem quando passam o ‘cabo das tormentas’, a economia angolana não as esquece. E essas empresas vão ter oportunidade mais rapidamente. A banca teve de sair por pressão internacional. As construtoras acabaram por ficar. Na indústria, ficaram muitas mesmo com retracção. Essas ficaram, porque entendem que vai mudar o ciclo económico. É inevitável.

Pode-se arriscar investir em Angola?

Para ter resultados a um ano, não. Não recomendo a ninguém. Os resultados chegam a três, quatro anos. Nós, em Portugal, tivemos uma crise fortíssima e demorámos muito tempo para dar a volta. As coisas demoram tempo a mudar. O executivo de Angola tem, neste momento, uma visão muito macro-económica. É importante ter uma economia macro saudável. Todos nós sabemos quando queremos tratar do macro o micro sofre. E, para as famílias e empresas angolanas, não está nada fácil.

Acredita que há empresas dispostas a arriscar para médio prazo?

Acho que sim. Quando há confiança, as coisas acontecem naturalmente. Há muito mais confiança.

Mais do que antes?

Não é forçosamente no Governo. É na economia. A percepção de que a economia vai mudar. Por exemplo, um banco português fez recentemente um evento sobre exportações. O presidente do banco dizia que os exportadores têm muito melhor rácio financeiro, porque têm a noção de que têm de se preparar para a aventura da internacionalização que tem riscos. Um dos problemas que a economia portuguesa teve foi de que houve muitos empresários que não tinham cultura, não tinham ‘ADN’ da internacionalização e não tinham noção dos riscos que corriam e foram para Angola achar que bastava comprar um bilhete de avião para conseguir montar uma operação de sucesso.

E hoje isso não acontece?

Não acontece. Os empresários aprenderam um conceito que é o risco cambial. Portugal teve-o durante muitos anos e os empresários esqueceram-se.

Esse problema ainda vai durar em Angola...

Todos nós gostaríamos que a questão das divisas estivesse melhor. O Banco Nacional de Angola (BNA) está a estruturar, assegurando que o pagamento prometido é pago a tempo e horas. Isso cria confiança. O BNA está a exigir que os bancos tenham muito maior controlo interno. O nível de ‘compliance’ que está a ser aplicado nos bancos, os que envolvem divisas, não tem nada a ver com o que acontecia há uns anos. Claramente, o modelo que Angola está a seguir é duro para as famílias, porque força a desvalorização da moeda, mas cria o caminho para se ter confiança, porque a informação é correcta e Angola sabe cada decisão que está a tomar.

A promessa de combater a corrupção ajuda a essa confiança?

Os empresários nunca gostaram de corrupção. O combate à corrupção e ao branqueamento de capitais são tendências globais, estão para além de Angola. Era inevitável que Angola também, com este ou com outro Governo, teria de seguir. Não me parece nada de especial. Era inevitável.

“Imensas oportunidades”

Em que áreas os investimentos portugueses podem dar maior contributo?

Angola é tão jovem, tão rica, com um território tão vasto, com vontade de reduzir as importações, que, para um empresário português, o número de áreas para se investir é verdadeiramente ilimitado. Em concreto, quer dizer que há potencial. Os empresários devem estar bem informados para tomarem decisões não precipitadas. Muitas empresas portuguesas têm capacidade produtiva excedentária em Angola. Não está a ser utilizada porque o mercado não está a absorver. Devemos criar soluções e incentivos para pegar nessa capacidade produtiva, como, por exemplo, no sector dos cimentos, para exportar para os países vizinhos. Como fazem parte da SADC, a questão tarifária é favorável. É uma forma de as empresas portuguesas contribuírem para o desenvolvimento da exportação angolana, mas, para Portugal, é uma oportunidade de transaccionar com aqueles mercados. Não tenho ouvido falar sobre isto pelos políticos. E isso tem de ser falado. A capacidade está parada e isso é igual a dinheiro perdido.

E são os políticos que devem falar? Não os empresários a agir?

É necessário que os políticos saibam o que se pode fazer para melhorar. E isso vai desde os estudos do contexto, como taxas que podem ser aplicadas, incentivos que o Estado português pode dar a essas empresas e o Estado angolano pode olhar para o seu regime de exportação e ver em que medida pode melhorar.

Há possibilidade também de os angolanos investirem em Portugal?

Não me parece que isso faça muito sentido. A crise da economia angolana é muito forte e muitos dos investimentos que foram feitos em Portugal estavam muito relacionados com a Sonangol. Hoje, o Governo angolano prefere que a Sonangol invista em Angola.

Portugal estaria disponível para receber investimento angolano?

Não vejo motivo para não estar. Portugal nunca teve um regime especial para o investimento angolano.

Mas não deveria ter?

Acho que a União Europeia têm regras muito apertadas e Portugal é obrigado a segui-las.

Quando Marcelo Rebelo de Sousa for a Angola poderá convidar as empresas angolanas a investirem em Portugal?

Não me parece que o contexto económico o permita. Pode dizer-se, fica bem no discurso político, nas entrevistas, mas verdadeiramente Angola não está interessada. O executivo quer é que as empresas de Angola invistam em Angola. Nem a economia angolana está a libertar divisas para que um angolano possa investir em Portugal.

Seria difícil?

Muito difícil, neste contexto.

Mas as empresas angolanas devem exportar para Portugal?

Claro. Nós, na Câmara de Comércio, defendemos que Portugal pode ser uma porta de entrada da internacionalização da economia angolana. Enquanto país da União Europeia, temos facilidade em exportar, as relações entre os dois países podem facilitar a exportação de produtos angolanos a partir de Portugal, que tenham valor acrescentado. Aqui, as empresas portuguesas podem ajudar, têm muito mais ‘know-how’ do que as angolanas. O território português deve ser olhado como uma oportunidade para os produtos angolanos.

Consegue encontrar produtos preferenciais?

Angola tem de trabalhar a marca Angola. O ‘made in Angola’ tem de ser percepcionado como sinal de alguma coisa. O ‘made in Portugal’ para foguetões ou para computadores não vende nada. Mas para têxteis e vinhos, vende. Angola vai ter de encontrar a sua marca, como madeiras, rochas ornamentais, e tem de identificar frutos ou produtos hortícolas que possam ser exportados. Mas não se pode ir a todos os mercados, a toda a hora, fazer tudo.

Tem aconselhado isso?

Sim, há necessidade de se fazer em escolhas. Por exemplo, no turismo. Deve apostar-se no turismo selvagem ou nos ‘resorts’? São dois caminhos completamente diferentes que exigem uma tomada de decisão. Não se pode seguir os dois caminhos que o dinheiro não chega para tudo.

O que perspectiva em relação ao preço do petróleo?

Há muitos especialistas que se enganaram nas previsões. A indústria do petróleo, que tem muito dinheiro para pagar aos melhores especialistas, andou enganada durante muito tempo. Se Angola tivesse percebido que a baixa do petróleo era para ficar, se calhar, não tinha tomado determinadas políticas. E muitos jornais diziam que o preço ia subir. E não. Temos uma expressão ‘low for long’, já é uma inevitabilidade, já está assumido que vai ser assim e as energias renováveis vão ter muito peso. A transição energética para um país como Angola vai ter um imenso impacto. A exploração da energia solar vai fazer uma enorme diferença. E aqui os empresários portugueses podem investir. Podemos tornar partes do interior de Angola com autonomia energética, sem ter de fazer um grande investimento em linhas de transporte de electricidade.

PERFIL

Nasceu em Portugal, há 48 anos, mas desde cedo habituou-se a ouvir as músicas de Bonga no Natal. Com o pai angolano, mãe moçambicana, de origem goesa, João Luís Traça viveu em Angola durante sete anos. Estudou advocacia, exerce-a e é sócio do escritório Miranda&Associados, que tem representações em 18 países. Dirige a Câmara de Comércio Portugal-Angola há mais de um ano e esteve muito activo na visita de João Lourenço. Tanto que ouviu o Presidente da República a fazer-lhe um agradecimento público.

Mais entendimentos e reforço da cooperação entre os dois países encerram a visita de João Lourenço a Portugal. Há acordos económicos, financeiros e até fiscais. E promessas de investimentos portugueses na saúde, educação e cultura. Portugal anuncia reforço da linha de crédito paras as empresas portuguesas.

 

Presidente da República diz que está a enfrentar um “ninho de marimbondos”. Comentou assim a oposição que lhe tem sido feita. Mas não nomeou ninguém e voltou a prometer combater a corrupção.

JLO quer combater ninho de maribondos

Em Lisboa, João Lourenço recusou-se a fazer qualquer comentário à declaração de quarta-feira de José Eduardo dos Santos, sobre ter deixado nos cofres do Estado 15 mil milhões de dólares, escudando-se num argumento: estava no estrangeiro e não queria abordar assuntos internos. No entanto, numa mini-conferência de imprensa, na Presidência da República portuguesa, passou ao contra-ataque: “Neste combate à corrupção, sabíamos que estávamos a mexer no ninho do maribondo. Tínhamos a noção de que íamos ser picados. Já começámos a sentir as picadelas. Mas isso não nos vai matar e não vamos recuar. É preciso destruir esse ninho”.

O Presidente da República não nomeou ninguém a quem dirigia a flecha envenenada nem a quem se destinava a metáfora. Isto horas depois de Isabel dos Santos, no Twitter, alertar para a possibilidade de haver uma “crise política”, por causa das posições de João Lourenço.

Apesar de garantir que não queria abordar questões internas, João Lourenço, mal subiu à tribuna da Assembleia da República portuguesa, reafirmou a intenção de “combater a corrupção e a impunidade”, prometendo “criar uma nova Angola, mais amiga do investimento privado e mais transparente”.

O combate à corrupção e a promessa de diversificar a economia dominaram parte do discurso de João Lourenço no Parlamento português.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                   *Em Lisboa