Entre a alta tensão e a amizade colorida
HISTÓRIA. Relações entre Angola e Portugal nunca foram totalmente pacíficas. Cada período de ‘namoro’ era interrompido por lutas diplomáticas. Primeiro, por causa da ideologia e da guerra. Depois, por causa da justiça. Era quase uma fatalidade diplomática: sempre que, em Portugal, o Partido Socialista (PS) chegava ao poder, as relações entre Luanda e Lisboa deterioravam-se. Vivia-se no tempo da guerra fria, em que Angola, além de um fortíssimo ponto estratégico na gestão de interesses dos EUA e de União Soviética, funcionava como um laboratório ideológico em que o liberalismo económico se opunha ao socialismo científico. Pelo meio, Angola enfrentava uma guerra civil, total, que paralisava todo o país e tinha a UNITA no centro do furacão. Na liderança, Jonas Savimbi variava na ideologia entre ser apoiado pelos EUA e o restante mundo ocidental e estar suportado por uma África do Sul, racista, governada por uma minoria ‘branca’ que defendia a separação de raças. Do outro lado, o MPLA, partido no poder desde a independência, assumidamente pró-soviético, marxista-leninista e apoiado por Cuba. Neste caldeirão ideológico, por Portugal, metia-se o PS, sobretudo Mário Soares, anti-comunista e ‘velho’ amigo da UNITA e de Jonas Savimbi. A guerra em Angola reflecte-se assim nas relações entre os dois países, especialmente até 2002. Chovem da parte de Luanda acusações de tentativas de ingerência interna. Por Lisboa, circulam e são apoiados todos os oponentes ao Governo do MPLA. O clima de crispação é mais alto nesses anos, em especial na década de 1980, só travado primeiro pela ascensão de Aníbal Cavaco Silva, à liderança do executivo português, em 1985, e, mais tarde, pelas sanções impostas pelas Nações Unidas à UNITA, a partir de 1994. Desde a declaração da independência que se adivinha uma tensão entre os dois países. Lisboa demora a reconhecer oficialmente o novo Estado, acabando por acontecer só em 1976, sendo a 88º país a fazê-lo. Já o novo poder, em Portugal, abraça as ideias capitalistas, enquanto Angola não larga o mundo soviético. Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano, e Ramalho Eanes, chefe de Estado português, conseguem um primeiro entendimento de cooperação e económico, num encontro em Bissau, em 1977. Mas, nos bastidores, vive-se um clima de crispação, só ultrapassado no funeral de Agostinho Neto, em 1979. Mas teve de haver uma segunda tentativa de normalização de relações, desta vez, entre José Eduardo dos Santos e o novo primeiro-ministro português, Francisco de Sá Carneiro. Dispara as trocas comerciais, Angola passa a exportar petróleo e café e a importar mercadorias de Portugal, sobretudo materiais de construção civil e alimentos. Mas são anos de pouca dura. A morte de Sá Carneiro e a posterior derrota do PPD (Partido Popular Democrático, hoje PSD) levam à liderança do governo lisboeta Mário Soares e o PS e é quando a UNITA passa a ter uma ‘passadeira vermelha’ em Portugal. O governo apoia a criação de ONG ligadas ao movimento de Jonas Savimbi, contrata dirigentes da UNITA para que possam exercer as suas funções políticas, suporta todas as iniciativas, facilita a circulação e ajuda na criação de formação profissional a dirigentes da UNITA e recebe jovens da Jamba para estudar em Portugal. Luanda ameaça com cortes de relações, queixa-se de ingerência interna e encontra apoios portugueses no Partido Comunista. A chegada de Cavaco Silva, ao poder português, muda radicalmente a forma de encarar as relações entre os dois países. Logo no início do mandato, Cavaco Silva determina que as relações entre Portugal e as suas ex-colónias africanas obedeceriam ao princípio do respeito mútuo ‘Estado a Estado’. Nos dez anos seguintes, aumentam os negócios entre os dois países (mesmo com a situação de guerra vivida em Angola); amplia-se a cooperação que deixa de ser meramente cultural para abranger o ensino e a formação militar; sobem as ajudas externas de Portugal a Angola; são estabelecidas as relações diplomáticas normais entre os dois países. Do lado de Luanda, o pragmatismo de Cavaco Silva encontra respaldo na liderança de José Eduardo dos Santos, também ele prático na diplomacia e à procura de apoios para colocar um ponto final na guerra. São 10 anos decisivos em que o primeiro-ministro português cria um centro nevrálgico para mediar o conflito em Angola, de tal forma que viola a lei, escondendo as conversações, ao mais alto nível, do presidente português da altura, Mário Soares. São assinados os acordos de Bicesse e, mais tarde os de Lusaka, em que Lisboa tem um papel decisivo. Entre os dois países, há um reforço de cooperação que ganha alento quando Portugal começa a respeitar as sanções impostas pelas Nações Unidas à UNITA. Lisboa obriga ao encerramento da delegação de Jonas Savimbi e proíbe a circulação de dirigentes da UNITA. Mesmo assim, de novo, as relações entram num período de maior frieza com a chegada ao poder de António Guterres, eleito pelo PS, e hoje secretário-geral da ONU. Queridos em Angola De novo, reata-se a relação, em especial a económica, com Durão Barroso, líder do PSD, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros que liderou as conversações entre o Governo e a UNITA e que soube rodear-se de políticos ‘queridos’ a Luanda: António Monteiro, ex-embaixador, nascido em Angola e amigo do MPLA; e Martins da Cruz, também ex-embaixador e hoje ‘lobbista’, consultor e defensor de empresas angolanas no estrangeiro. Poucos anos depois e, pela primeira vez, o regresso do PS à chefia do governo português não estraga as relações. José Sócrates é também um pragmático e encontra Angola com um crescimento económico nunca visto, depois dos acordos de paz, assinados em 2002. Curiosamente, é com o PSD, desta vez, com Pedro Passos Coelho que mais se nota o ‘sobe-e-desce’. Começa bem, apesar de ter um ministro, Paulo Portas, que classificava “o regime angolano como uma cleptocracia”. Sinais dos tempos, o mesmo Paulo Portas é hoje consultor de empresas angolanas. Mas, em 2013, dá-se uma quase ruptura quando José Eduardo dos Santos corta a parceria estratégica com o argumento que “só com Portugal, têm surgido incompreensões ao nível da cúpula e o clima político actual, reinante nessa relação, não aconselha à construção da parceria estratégica”. Só em 2015, de novo com os socialistas no poder lisboeta, Angola ‘volta à carga’, mas desta vez com o afamado ‘caso Manuel Vicente’. Datas mais significativas de uma relação intensa l Janeiro 1976 – Portugal abre o Consulado Geral em Luanda. Março 1977 - Embaixador português, João Sá Coutinho, apresenta as credenciais ao Presidente de Angola, António Agostinho Neto. Junho 1978 - Abertura da embaixada de Angola em Lisboa, nomeado o embaixador Adriano Sebastião. Junho 1978 - Agostinho Neto e Ramalho Eanes assinam, na Guiné-Bissau, um acordo de relacionamento. O documento passou a ser denominado ‘Espírito de Bissau’. Junho 1978 – Angola e Portugal assinam o Acordo Geral de Cooperação, que recomenda a instituição de uma Comissão Mista Permanente de Cooperação luso-angolana. Janeiro 1979 – É assinado, em Luanda, o Acordo Comercial, válido até 1988. Este documento e um outro, no domínio financeiro, viriam a incentivar as importações de Angola de produtos portugueses. 1981 - As vendas portuguesas para Angola ultrapassam os 13 milhões de contos (65 milhões de euros). Fevereiro 1979 – É assinado o acordo entre os dois países no sector eléctrico. 1982 a 1986 - Cooperação entre Angola e Portugal atinge níveis recordes. Comércio global ultrapassa os 114 milhões de contos (570 milhões de euros). Angola compra a Portugal mercadorias no valor de 400 milhões de euros e vende 165 milhões de euros, o que representou um saldo favorável a Portugal. 1985 - Angola é o 10º cliente de Portugal, a nível mundial, e primeiro dos PALOP e da África Subsahariana. 1986/1987 – Descida vertiginosa dos fornecimentos de Portugal a Angola devido às medidas restritivas do Governo angolano, face à queda do preço do petróleo. Maio 1987 – Assinado o acordo do petróleo que prevê o fornecimento, por parte de Angola, de 25 mil barris diários a Portugal. Setembro 1987 - José Eduardo dos Santos visita Portugal, pela primeira vez. A visita é antecedida pela III reunião da Comissão Mista. É assinado um Protocolo Adicional ao Acordo de Cooperação Económica. 1988 - II Encontro de Empresários dos dois países, em que se discute a cooperação empresarial e a tentativa de reforço da componente associativa. l 1990 – O MPLA, partido único no poder, opta pela abertura da sociedade a um sistema de democracia pluripartidária e de economia de mercado livre. 1990 – Portugal inicia a mediação do processo de paz que viria a culminar nos Acordos de Bicesse, em Maio de 1991. Abril 1991 - IV Comissão Mista, em Lisboa, estabelece um Programa-Quadro bienal, regulador e coordenador da cooperação bilateral luso-angolana. Novembro 1991 - III Encontro Empresarial luso-angolano, com o objectivo de traçar as perspectivas do investimento directo português no mercado angolano e remover obstáculos que condicionam a iniciativa empresarial. Setembro 1992 – Primeiras eleições livres em Angola que dão a vitória ao MPLA e a José Eduardo dos Santos. A UNITA não reconhece os resultados. l Novembro 1992 – Reacende-se a guerra em Angola. Angola suspende o pagamento a dívida a Portugal. Novembro1994 – Assinatura do Protocolo de Lusaka, entre o Governo e a UNITA. Setembro 1995 - Mesa Redonda sobre Angola, em Bruxelas. O Governo recebe promessas de ajuda de mil milhões de dólares para o Programa de Reabilitação Comunitária e Reconciliação Nacional e a ajuda humanitária. Portugal participa com uma ajuda significativa. Maio 1996 - Vª Reunião da Comissão Mista Permanente de Cooperação Portugal-Angola. É assinado um Acordo de Cooperação Financeira, de promoção do investimento de conversão da dívida angolana e de adequação dos instrumentos financeiros. l Julho 1996 – Constituída a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que cria um espaço de cooperação multilateral entre os dois países. 1997 – Assinado um memorando de entendimento para converter uma parte da dívida em capital nas empresas angolanas reprivatizadas (nunca chegou a acontecer). Julho 2000 – Acordo entre Angola e Portugal no quadro do Programa Indicativo de Cooperação, que prevê uma dotação de 75 milhões de euros para Angola. Abril 2006 – José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, visita Angola acompanhado por 70 empresários portugueses Julho 2010 – A Feira Internacional de Luanda (FILDA) recebe as visitas do presidente e do primeiro-ministro portugueses. Cavaco Silva e José Sócrates assinam acordos de cooperação. Participam 107 empresas portuguesas, 33% das presenças na FILDA.
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