As reformas económicas ‘impostas’ por JES
LEGADO. Do lançamento dos programas que abriram o país à economia de mercado à reconstrução nacional, José Eduardo dos Santos experimentou as crises económicas mais marcantes do fim do último século e do início deste. Após assumir a presidência da República, a 21 de Setembro de 1979, José Eduardo dos Santos (JES) encontra pela frente o enorme desafio de levar avante um país, assente num projecto de economia centralizada e planificada, e que tem de se ajustar aos inúmeros acontecimentos nos planos económico e político que vão ocorrendo a nível interno e internacional. Para além de uma persistente crise económica e social reinante no país, que acelera o esgotamento do sistema económico e político prevalecente desde a independência, JES é ainda confrontado com outros fenómenos não menos complexos como a derrocada do sistema socialista, a nível internacional, ou ainda os acordos tendentes à independência, em 1990, da Namíbia, no plano regional, para além do agravamento da situação militar e o reconhecimento do seu impasse, no contexto interno. A conjugação destes factores, como defendem inúmeros estudiosos, irá desencadear uma sucessão de avanços, hesitações e recuos em matéria de reformulação do sistema económico, traduzidos na elaboração de diversos programas económicos apresentados como reformadores. É nessa altura que surge então, em 1987, o Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF) que, de entre várias acções, objectivava a adopção do modelo de economia de mercado e de maior abertura à iniciativa privada. No período, são ainda adoptados, embora com um período curto de vigência, o Programa de Recuperação Económica (PRE) de 1989 e o Programa de Acção do Governo (PAG) de 1990. A taxa média anual do PIB, neste período, é negativa e estimada em -3% e a crise económica de 1993 e 1994 fez o PIB regredir a 21% e 20%, respectivamente. Foi também a fase da hiperinflação em Angola, com registos de 1.837% em 1.993, 971,9% em 1994 e 3784% em 1995, segundo dados do Centro de Investigação Cietífica (CEIC) da Universidade Católica de Angola. Mas antes das propaladas reformas, JES teria sido o protagonista de um processo que permitira a transição do país para a economia de mercado, após a adesão de Angola ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial (BM), em 1984. Em 1995, o ‘staff’ governamental de JES consegue outro marco importante na história da economia nacional, ao chegar a acordo com os protagonistas da Conferência Internacional de Doadores, decorrido em Bruxelas, Bélgica. No encontro, Angola solicita uma ajuda de emergência de 230 milhões de dólares para viabilizar distintos programas. Aliás, terá sido já no quadro dessas alianças, sobretudo com as instituições de Bretton Woods, que JES decidiu levar avante as reformas económicas então em curso, com destaque para o SEF, tendo como principal propósito o abandono da economia de Estado, ao mesmo tempo que procura adoptar uma política de austeridade financeira, face à baixa do preço do petróleo, e consequente captação de recursos externos. Entretanto, apesar dos diversos programas de estabilização, a inflação continuou e os desequilíbrios tornaram-se mais acentuados. A taxa de crescimento do produto interno bruto (PIB) caiu de 8% ao ano em 1994, para 5% em 1998, ao passo que a emissão monetária cresceu de 8% em 1994 para 50,18% em 1996, segundo os dados do CEIC. A NOVA GESTÃO MACROECONÓMICA Embora as reformas impostas, na altura, não tivessem tido o respaldo desejado, o consulado de JES evidenciou sinais de alguma ‘resistência’ aos desafios do momento. No período entre Janeiro de 2001 e Dezembro do mesmo ano, o país regista um novo modelo de gestão macroeconómica, perspectivando-se uma maior relação entre a política monetária e a política orçamental. Regista-se também no período a mudança de toda a equipa económica de então. O conflito armado que assolava o país sinalizava estar perto do fim, urgindo, por conseguinte, preparar a economia para a fase de reconstrução. De acordo com o CEIC, no período, a taxa média anual de variação do PIB de negativa passou a positiva (3%). O processo de ‘desinflação’ da economia foi posto em prática, favorecido pelo aumento das reservas em divisas e pela nova convergência entre as políticas macroeconómicas, do que resultaram taxas de inflação de 268% em 2000 e de 115% em 2001. Os resultados, porém, das medidas adoptadas no início da década de 2000 correspondiam, a cada ano, às expectativas. No período entre Janeiro de 2002 e Dezembro de 2008, destaca-se, por exemplo, a fantástica dinâmica de crescimento do PIB, embora em menor escala da que o Governo ia anunciando. O país beneficiou de montantes significativos de receitas da exportação do petróleo e de receitas fiscais com a mesma origem, sendo 190 mil milhões de dólares para as primeiras e cerca de 107,3 mil milhões para as segundas, de acordo com as informações do CEIC. Os analistas do CEIC assinalam, por outro lado, que, neste período, os investimentos públicos em infra-estruturas ascenderam a 27,4 mil milhões de dólares, suportados pelas elevadas taxas de crescimento do PIB. Em 2005, por exemplo, o PIB cresceu 15% e, em 2007, 14% foram os anos de maior crescimento do PIB, em 40 anos de independência. O processo de ‘desinflação’ continuou firme, segundo o CEIC, graças também à utilização da âncora cambial para controlar a dinâmica de subida dos preços permitida pelas fantásticas reservas em moeda externa, estando, na altura, o preço do petróleo cotado a 54,4 dólares no mercado internacional. DESAFIOS REDOBRADOS Entretanto, em 2009, JES e o ‘elenco’ governativo que o auxilia é confrontado com uma nova crise financeira e económica, decorrente de um novo colapso do preço do petróleo nos mercados internacionais, um fenómeno que, de resto, deixou marcas indeléveis que ainda hoje influenciam o comportamento do PIB. Dada a conjuntura reinante na altura, alguns observadores chegaram mesmo a vaticinar ser pouco provável que o país voltasse a ter registos de crescimento tão impressivos como os ocorridos durante a ‘mini-idade’ de ouro. O argumento é reforçado, no entanto, pela ocorrência de outros factos não menos nefastos para a economia, com destaque para a diminuição das receitas do petróleo, quer as destinadas à economia, quer as de propriedade do Estado. O quadro sombrio é ainda ‘manchado’ pelo “decréscimo do investimento público em 7,5%, forte atenuação do crescimento económico (taxa média anual de 2,8%), subida da taxa de inflação e instalação de um clima de certo descrédito quanto às capacidades e dinâmicas de crescimento sustentável da economia”, como defendem os analistas do CEIC. Os anos subsequentes, mais precisamente entre 2011 e 2014, também não são de fácil gestão para o ‘staff’ liderado por JES, apesar de ter sido nesta fase que conseguiu alcançar, pela primeira vez, a proeza de colocar a taxa de inflação na casa do um dígito, fixando-o em 7,69%, em 2012 ,e em 7,48%, em 2013. Entretanto, o mercado petrolífero internacional no período é marcado por uma grande turbulência, registando uma queda do preço médio do barril, entre Junho e Dezembro de 2014, de 44,2% implicando a obtenção de uma taxa média de variação do PIB de apenas 4,1%. Com os Estados Unidos a transformarem-se no maior produtor mundial de petróleo, enquanto prevalecia o braço-de-ferro entre a OPEP e a Arábia Saudita quanto ao não ajustamento em baixa da produção da organização, Angola põe-se novamente a fazer contas face à forte tendência de a taxa de inflação voltar ao nível dos dois dígitos. Tendo como base a conjuntura económica de então, em Angola, o período é novamente marcado por sucessivas revisões em baixa dos principais agregados macroeconómicos. À hora de saída, JES deixa o país com uma inflação anual homóloga, até Agosto, de 26,95%, e uma taxa de crescimento real do PIB em 1,2%, havendo ainda previsões de crescimento do PIB não petrolífero na ordem dos 2,3%, e do PIB petrolífero de 1,8% e um volume de dívida pública na ordem dos 60% do PIB.
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